Herança maldita
Alan Gripp - FSP
SÃO PAULO - O roteiro é manjado. O protesto, seja lá contra o que for,
começa pacífico até que um grupo mascarado, como se atendesse a um comando
único, toma a frente da marcha e começa a quebrar tudo o que surge pela frente.
"Chegaram os black blocs'", costuma-se ouvir entre os manifestantes, num tom
que mistura medo e um certo glamour da violência.
O "black bloc", na verdade, não é um movimento, e sim uma estratégia de
protesto anarquista. Seus adeptos cobrem o rosto e se vestem de preto para
dificultar a identificação e a fim de parecer uma massa única, criando uma aura
revolucionária.
Esse método apareceu nos protestos antiglobalização no fim da década de 1990.
Símbolos capitalistas são os alvos preferidos, mas a versão tupiniquim tem
especial atração por semáforos, radares, cabines da PM e outros equipamentos
públicos.
Por aqui, seus adeptos deram as caras nos primeiros atos pela redução da
tarifa de ônibus, em São Paulo. De lá para cá, entretanto, muita coisa mudou. Os
"black blocs", especialmente paulistas e cariocas, crescem em progressão
geométrica, estão sempre preparados para a guerra e já organizam as suas pró-
prias manifestações.
Anteontem, na avenida Rebouças, portavam martelos e marretas, usados para
quebrar agências bancárias e carros de luxo de uma loja.
Há três semanas, num ato contra a TV Globo, usaram laptops e projetores para
exibir mensagens gigantes nas fachadas de prédios.
Nesse mesmo dia, em "assembleia" assistida pela Folha, discutiram
táticas para escapar da polícia, entre elas hospedar sites em servidores da
Rússia ou de Taiwan, "impossíveis de derrubar".
As "vozes das ruas" produziram conquistas inegáveis. A principal delas foi
dar à classe política a sensação de estar sendo constantemente vigiada. Nesse
balanço, porém, pode-se dizer que os "black blocs" são a herança maldita dos
protestos.
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