segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Chamada a cobrar
Depois de 25 anos na Justiça, catarinense ganha o direito de autoria do sistema que inventou
RESUMO "Chamada a cobrar. Para aceitá-la, continue na linha após a identificação." A frase faz parte do sistema de ligação direta a cobrar, criado por Adenor Martins de Araújo, 72. Para ser reconhecido, foi preciso ir à Justiça contra a Telebras, para a qual a invenção era de domínio público. "Foi muita luta. Mas Davi venceu Golias."
NATÁLIA CANCIAN - FSP
Tudo surgiu de uma necessidade. Eu tinha crianças no colégio. A minha menina, de 11 anos, estudava no centro. Um dia, ela esqueceu o dinheiro do ônibus para voltar.
Ela foi até a empresa da minha mulher, mas a mãe tinha saído. Pediu dinheiro emprestado, mas não deram.
Sem ficha, ela não podia ligar para casa. Ficamos sem notícias. Ela esperou sentada numa galeria, sem almoço, até que a mãe chegou, às 14h.
Tinha que encontrar uma solução. Não só para o caso dela, mas para emergências. Eu também viajava muito e procurava alternativas para falar com a família.
Naquele tempo, os orelhões funcionavam com ficha telefônica, e nem sempre havia onde comprar.
Ligações interurbanas eram até 40% mais caras, ficava constrangido se estivesse na casa de um amigo.
Mas o único jeito de ligar a cobrar era via telefonista, numa fila que às vezes levava horas. Ficava indignado.
Foi aí que comecei a fazer o projeto, à noite. Comecei a desenhar um circuito. Do papel, passei a um protótipo.
Foi o primeiro serviço com mensagem gravada. Escrevi e pedi para um locutor gravar. A mensagem era a mesma, só foi cortada uma introdução. A original começava com "Você está recebendo uma ligação a cobrar". No outro lado: "Você está fazendo...". Fiz isso em duas fitas cassete, que tinham dois canais. Um com a voz do locutor. Outro, um bip de sincronismo.
Também tinha outros detalhes. Na ligação normal, se eu colocar o telefone no gancho, não te derrubo. A cobrar, precisava desligar no ato.
E depois botei o "9" para indicar um DDD a cobrar, invertendo a tarifação.
CONTINUE NA LINHA
Para fazer tudo, ficava acordado até madrugada. Quando as coisas surgem, você tem que pôr em prática logo, antes que desanime.
Levou dois meses para concluir o protótipo e testar. Quando vi que ia resolver o problema dos usuários, fiz uma carta para a Telesc, onde trabalhava, e pedi testes.
Instalei o equipamento em Blumenau, no primeiro teste de campo, e perguntei a um diretor se ele queria fazer uma ligação nacional. Para minha surpresa, ele ligou para o ministro das Telecomunicações, Haroldo de Mattos, que estava no Rio.
Considero essa a primeira ligação oficial a cobrar.
Em 1982, começou a implantação do sistema, por Santa Catarina. Quando recebi a carta-patente, em 1984, ainda estavam implantando.
Com a invenção, não teve mais telefonista, mesa interurbana, trabalho manual. O custo operacional das telefônicas caiu. O serviço teve aceitação imediata. Fui homenageado. Ministro, presidente da Telebrás e governador me cumprimentaram.
E depois quiseram anular a patente.
Foi aí que a luta na Justiça começou. Por lei, tinha direito de cobrar royalties e até exportar a tecnologia. Mas nunca ganhei nada. Só paguei. Se vir o que gastei, podia ser um cara rico [ri].
Também sofri pressão. Trabalhava na Telebrás e fui a Brasília gerenciar um projeto. Diziam que, se não entregasse a patente, iriam me mandar de volta a Florianópolis. Era o fim do regime militar. Sentia-me uma formiga pisoteada por um elefante.
Fui transferido para Florianópolis. Tive que voltar sozinho, minha família depois. Foi difícil. Depois a situação melhorou, ocupei cargos de chefia, me aposentei. Também montei a minha empresa. Nunca parei de trabalhar.
Desde que inventei o protótipo, já se passaram 33 anos, 25 na Justiça. No dia 1º, meu advogado me ligou, disse que estava saindo do julgamento [no STJ]. Fui reconhecido como o único inventor da chamada a cobrar.
Usei muito meu sistema, e ainda uso. Antes era o problema da ficha [telefônica]. Hoje é o pré-pago. Mesmo com celular, sempre tem alguém que precisa usar. Os jovens vivem sem crédito, não é?

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