José María Irujo - El Pais
Bassam Khabieh/Reuters
Homem experimenta perna protética enquanto outro aguarda em uma "oficina do bem-estar" no bairro Duma, em Damasco, na Síria
Escapar da guerra na Síria, que já custou mais de 100 mil vidas, não garante nada. Sobretudo se seus parentes continuarem lá. "Não escreva meu nome. Não explique quem sou nem a que me dedico, porque podem me identificar e ir atrás dos meus. Lá eu era uma pessoa famosa."Tem 21 anos, corpo atlético, cabelos curtos e barba bem cuidada. Veste um suéter justo azul-marinho e calça tênis esportivos. Durante mais de uma hora de encontro na biblioteca do CAR (Centro de Acolhimento de Refugiados) de Vallecas (Madri) não solta seu celular nem por um segundo. O aparelho ainda o mantém ligado a sua mãe, de quem fala com veneração: "Trabalha como três homens juntos. Me adora. Escapei do horror do meu país porque não quero que minha mãe sofra se eu morrer. Tenho de sobreviver só por ela".
Encontrar um refugiado sírio na Espanha que queira contar sua história é uma tarefa difícil. Todos têm medo do regime de Bashar el Assad. Creem que as garras de seus serviços secretos não têm fronteiras. E não só eles. Mónica, diretora de um centro de acolhimento em Madri, afirma que várias pessoas "estranhas" se apresentaram perguntando por refugiados sírios, com a desculpa de querer ajudar: "Não sabemos o que queriam, mas não gostamos da visita", explica.
Desde que começou a guerra, em abril de 2011, pelo menos 870 pessoas solicitaram o direito de asilo. Nos últimos nove meses o número disparou para quase 500 - muitas famílias com crianças - que entram pelos aeroportos de Madri e Barcelona ou pela mão das máfias, pelas fronteiras de Ceuta e Melilla. Compram passaportes falsos e aguardam mais de um ano que o governo resolva. "Em alguns casos nos contam que pagaram US$ 33 mil pelo transporte de uma família", relata Carlos Montero, diretor do Centro de Estada Temporária de Imigrantes (Ceti) de Melilla.
Nesse centro - que abriga 870 pessoas apesar de sua capacidade de cerca de 480 - há 66 sírios, o número mais alto dessa nacionalidade desde que começou a guerra. "Na maioria são comerciantes e funcionários públicos. Têm dinheiro. Algumas crianças aparecem com celulares e tablets. Voam para o Egito ou a Argélia e dali as máfias os conduzem por estrada até a fronteira com documentos falsos. Muito poucos pedem asilo porque sabem que o processo é demorado. Preferem que a polícia lhes aplique a Lei de Estrangeiros é tramite sua expulsão", explica Montero, militar da reserva.
"Sabem que o governo não pode devolvê-los a seu país porque está em guerra. A Espanha é um país trampolim, alguns querem instalar-se em outros países da Europa onde têm parentes", explica María Jesús Vega, porta-voz da Acnur (Agência de Refugiados da ONU). No Ceti de Ceuta há 29 sírios, oito deles menores. "Chegam por mar em pequenos barcos da região de Beliones, a 500 metros de nossa fronteira. Vêm em bom estado", relata seu diretor, Carlos Guitard.
No Centro de Acolhimento de Refugiados de Vallecas, além do jovem atlético que segura seu celular como um tesouro, há outros 23 sírios, oito famílias com seus filhos. Um deles, de 33 anos, passou três meses interno no Ceti de Melilla antes de ser transferido para a península. Veste uma camisa azul-claro com uma estampa de são Francisco e calça sandálias de praia. De novo se repete o refrão: "Não mencione meu nome, pode pôr em risco toda a minha família".
É de Alepo, estudava em Dubai, a polícia requisitou seu passaporte e seu material de trabalho. Subornou alguns guardas para conseguir fugir. Seu périplo é parecido com o dos sírios que conseguem entrar em Melilla. "Viajei da Turquia à Argélia e no Marrocos paguei 1.500 euros por um passaporte falso. É muito fácil. Pedem uma foto, o dinheiro e o dão em 24 horas. Depois o levam de carro até a fronteira."
Aí a viagem à Espanha do jovem atlético e "famoso" foi mais segura. "Viajei para Beirute, onde tenho amigos. Gosto muito dessa cidade, é moderna e há liberdade. Para ir ao aeroporto tive de atravessar os controles do Hizbollah (grupo que apoia o regime de Bashar el Assad) peguei um voo direto para Madri, onde me esperava um amigo."
Para trás ficaram sua mãe, um trabalho de sucesso e a lembrança do horror: "Mataram dois de meus irmãos. Outro foi levado para a prisão e ficou seis meses desaparecido. Vi caminhões pretos, que não são da polícia nem do exército, que disparam contra qualquer pessoa que caminhe pela rua. Eu tive muita sorte. O governo em vez de nos proteger nos assassina."
Durante 18 meses o Executivo congelou a resolução de petições de asilo dos sírios - desde abril de 2011 até novembro de 2012; só resolveu favoravelmente três casos e concedeu o estatuto de proteção subsidiária, um grau inferior ao de refugiado, a outras 61 pessoas. Em ambos os casos se consegue autorização de trabalho e residência, a expedição de documentos de identidade onde conste sua condição de refugiado e os mesmos direitos que cabem a um espanhol, exceto o do voto.
Os dois refugiados sírios do centro de Vallecas que aceitaram receber o jornalista se desmancham quando lhes pergunto sobre seu futuro. "Não estou bem. Só penso em minha mãe e em escutar sua voz quando lhe telefono. Não posso dormir, não posso comer e quando me aborreça fico doente. Não posso pensar em meu futuro", confessa o jovem atlético enquanto mostra as fotos de seu carro esportivo destruído pelas bombas.
"Meus pensamentos estão com meus pais e minha irmã, que continuam lá. Não posso sonhar agora. Minha casa está fechada, minhas contas bloqueadas, meu material de trabalho perdido", lamenta-se o outro.
Alguns estão mais desesperados. Na última quinta-feira, Ebrahim al Nassan, um sírio de 28 anos, ameaçou atirar ao chão seu filho, um bebê de meses, quando assistentes sociais procediam a transferir para um centro os menores com os quais se concentravam fazia dez dias várias famílias de refugiados sírios em uma praça central de Ceuta. Ebrahim ingressou em prisão preventiva. Sua mulher, Zeinab, também foi acusada. O sonho dessas famílias é chegar à península Ibérica.
700 pedidos sem resposta
Nenhum pedido de direito de asilo foi rejeitado pelo governo, mas mais de 700 sírios aguardam uma resposta nos centros de refugiados públicos de Madri, Sevilha e Valência administrados pelo Ministério do Emprego e de Segurança Social ou das ONGs (Cear, Accem e Cruz Vermelha). Em 2011 foram tramitados 97 pedidos de asilo, em 2012 um total de 255 e este ano somam 477.
Em 2012 apresentaram-se 2.500 pedidos de asilo, dos quais os de cidadãos sírios representam 10%. A chegada de refugiados sírios à Espanha é inferior à que recebem outros países europeus e ridícula comparada com a avalanche do Líbano (780 mil), Turquia (503 mil), Jordânia (540 mil), Iraque (195 mil) e Egito (130 mil). Mais de 2 milhões de pessoas fugiram da guerra.
"É a pior crise que vivemos desde o genocídio em Ruanda em 1994", aponta María Jesús Vega, da Acnur. O Interior responde que não expulsa os refugiados sírios que chegam à Espanha, mas não oferece o número dos que entraram no país e não conseguiram asilo, que são a imensa maioria, segundo confirmam todos os centros de refugiados consultados.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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