23.out.2013 - Ahmad Massoud/Xinhua
Militares afegãos participam de operação contra militantes do Taleban na província de Parwan, no norte do Afeganistão
Uma tentativa pelo governo afegão de cultivar uma aliança às escondidas com militantes islâmicos escalou no mais recente atrito no relacionamento problemático entre o Afeganistão e os Estados Unidos, segundo relatos de autoridades de ambos os países.O plano interrompido envolvia a tentativa pela inteligência afegã de trabalhar com o Taleban do Paquistão, aliado da Al Qaeda, visando dispor de um trunfo no complicado jogo de poder regional, que provavelmente se intensificará após a retirada americana no ano que vem, disseram as autoridades. E o que causou o mal-estar foi terem sido pegos no flagra pelos americanos.
Ao serem informadas do plano, as Forças Especiais americanas atacaram um comboio afegão que levava um importante militante do Taleban paquistanês, Latif Mehsud, para Cabul para negociações secretas no mês passado, e agora elas mantêm Mehsud sob custódia.
Publicamente, o governo afegão descreveu Mehsud como um emissário da paz dos insurgentes. Mas, segundo autoridades afegãs, o plano era se vingar dos militares paquistaneses. No emaranhado de intriga e paranoia que envolve as relações entre o Paquistão e o Afeganistão, os paquistaneses há muito levam vantagem. Uma queixa favorita das autoridades afegãs é de como a inteligência militar paquistanesa protegeu e apoiou o Taleban e sua insurreição contra o governo afegão.
Agora, não mais disposto a ser apenas o alvo de uma guerra por procuração, o governo afegão decidiu retribuir na mesma moeda, ajudando o Taleban paquistanês em sua luta contra as forças de segurança do Paquistão, segundo autoridades afegãs. E elas estavam começando a fazer progresso no ano passado, antes de serem expostas pela ação americana.
Apesar da ira afegã com o ataque ser aberta desde que ele foi revelado no noticiário neste mês, apenas agora o propósito pleno da operação afegã que levou ao ataque foi detalhado pelas autoridades americanas e afegãs. Essas autoridades falaram sob a condição de anonimato para discutir assuntos secretos de inteligência.
O pensamento, disseram autoridades afegãs, era de que os afegãos poderiam posteriormente obter uma vantagem nas negociações com o governo paquistanês, oferecendo retirar seu apoio aos militantes.
Ajudar o Taleban paquistanês era uma "oportunidade para promover a paz em nossos termos", disse um alto oficial de segurança afegão.
Do ponto de vista americano, isso expôs um novo nível de futilidade no esforço de guerra aqui. Não apenas Washington fracassou em persuadir o Paquistão a parar de usar militantes para desestabilizar seus vizinhos --uma importante meta da política externa americana nos últimos anos-- mas também parece ter fracassado em persuadir o Afeganistão a fazer o mesmo.
Ainda pior, para as autoridades americanas, foi a escolha de aliados pelos afegãos. Apesar do Taleban afegão e paquistanês serem operacionalmente distintos, eles são livremente alinhados --os insurgentes paquistaneses, por exemplo, juram lealdade ao mulá Muhammad Omar, o fundador do Taleban afegão. Na estimativa das autoridades americanas, o apoio a um invariavelmente vaza em assistência ao outro.
Ao mesmo tempo, o Taleban paquistanês compartilha sua base nas áreas tribais do Paquistão com vários grupos radicais islâmicos que promovem ataques no Ocidente, incluindo os remanescentes da liderança original da Al Qaeda. O Taleban paquistanês também mostrou disposição em atacar além de sua região, diferente do Taleban afegão. Mehsud, por exemplo, é suspeito de ter participado de uma tentativa desbaratada de detonar um carro-bomba em Times Square em 2010, disseram as autoridades americanas.
As autoridades americanas disseram também temer que as ações afegãs possam dar credibilidade às queixas paquistanesas, de que inimigos baseados no Afeganistão representam para eles uma ameaça equivalente à insurreição afegã. Ninguém na comunidade de inteligência ocidental acredita na comparação, dado que a insurreição dos talebans afegãos, com a ajuda de seus aliados paquistaneses, matou dezenas de milhares de pessoas no Afeganistão nos últimos 12 anos, incluindo mais de 2 mil americanos.
"O que eles estavam pensando?" disse uma autoridade americana sobre seus pares afegãos.
Tanto as autoridades americanas quanto afegãs disseram que o plano afegão de ajudar o Taleban paquistanês estava em seus estágios preliminares quando Mehsud foi capturado pelas forças americanas. Mas fora isso elas concordam em pouca coisa.
As autoridades americanas entrevistadas sobre a ação americana disseram que salvaram o Afeganistão de uma insensatez. O uso dos militantes pelo Paquistão deixou o país dividido pela violência, com um grupo atrás do outro saindo do controle do governo --o Taleban paquistanês sendo a prova principal. Os americanos também disseram que não estava claro quanta ajuda os afegãos poderiam de fato fornecer ao Taleban paquistanês.
Na versão afegã, o roubo de seu importante ativo de inteligência é um exemplo perfeito dos atos de bullying americanos, e o presidente Hamid Karzai continua furioso a respeito. As autoridades afegãs afirmam que a continuidade da detenção de Mehsud ainda pode minar o pacto para manutenção das tropas americanas no país além do ano que vem, apesar do progresso para se chegar a um acordo durante as negociações neste mês entre Karzai e o secretário de Estado, John Kerry.
Aimal Faizi, um porta-voz de Karzai, disse que Mehsud estava em contato com autoridades do Diretório Nacional de Segurança (DNS), a agência de inteligência do Afeganistão, "há muito tempo".
O líder do Taleban paquistanês "fazia parte do projeto do DNS como faz qualquer outra agência de inteligência", disse Faizi em uma aparente referência ao apoio fornecido ao Taleban afegão pela inteligência paquistanesa. "Ele estava cooperando. Ele estava engajado com o DNS --isso eu posso confirmar."
Faizi não elaborou sobre a natureza da cooperação. Mas duas outras autoridades afegãs, quando perguntadas sobre o motivo de estarem dispostas a discutir um plano potencialmente provocador, disseram que a detenção de Mehsud pelos Estados Unidos já tinha sido exposta --arruinando seu valor como ativo de inteligência e arruinando o plano deles.
Como consolo, as autoridades afegãs disseram que agora querem que o Paquistão saiba que o Afeganistão pode jogar igualmente sujo. Uma disse que eles tentarão de novo se tiverem uma oportunidade.
As autoridades afegãs desprezaram os avisos americanos sobre os riscos de trabalhar com militantes como o tipo de condescendência que já esperavam. Ninguém no governo Karzai é ingênuo para acreditar que poderiam transformar o Taleban paquistanês em um substituto confiável, disse um ex-funcionário afegão familiarizado com o assunto.
"Eu diria que o que queríamos fazer era fomentar um relacionamento mutuamente benéfico", disse o ex-funcionário. "Nós todos já vimos que essas pessoas não servem a ninguém."
Outra autoridade afegã disse que a lógica da região dita a necessidade de alianças inconvenientes. Os Estados Unidos já fizeram uso de alguns dos mais notórios senhores da guerra afegãos na luta contra a insurreição aqui, lembrou uma autoridade.
"Todo mundo tem um ponto de vista", disse a autoridade. "É o modo como pensamos. Algumas pessoas disseram que precisávamos ter o nosso."
As autoridades afegãs disseram que essas pessoas incluem oficiais militares americanos e agentes da CIA. Frustrados com sua capacidade limitada de atacar os refúgios do Taleban no Paquistão, alguns americanos sugeriram aos afegãos que encontrassem uma forma de fazê-lo, elas alegaram.
Assim, a agência de inteligência afegã acreditava que contava com sinal verde dos Estados Unidos quando abordou Mehsud em algum momento no ano passado.
Após meses de negociações com Mehsud, a agência de inteligência fechou um acordo inicial, disseram duas autoridades afegãs: o Afeganistão não incomodaria os combatentes do Taleban paquistanês que se refugiassem nas montanhas ao longo da fronteira se os insurgentes não atacassem as forças afegãs.
Mesmo assim, os afegãos decidiram manter seu relacionamento com Mehsud em segredo e não contaram às autoridades americanas.
Uma autoridade americana informada sobre o caso de Mehsud disse que "de jeito nenhum" algum americano encorajaria os afegãos a trabalharem com o Taleban paquistanês ou qualquer coisa que pudesse resultar em ataques às forças ou civis paquistaneses, disse a autoridade.
"Se eles achavam que aprovaríamos", acrescentou a autoridade americana, "então por que mantiveram em segredo?"
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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