terça-feira, 29 de outubro de 2013

Dados sugerem que espionagem a Merkel começou em 2002
Alison Smale, Melissa Eddy e David E. Sanger - NYT
Michael Dalder/Reuters
Angela Merkel é recebida pelo primeiro-ministro de estado alemão: alvo de longa data
Angela Merkel é recebida pelo primeiro-ministro de estado alemão: alvo de longa data
Novos detalhes sobre o monitoramento do celular da chanceler alemã Angela Merkel pela NSA (Agência de Segurança Nacional, na sigla em inglês) americana enfureceram ainda mais o governo alemão no domingo e levantaram duas questões: por que os Estados Unidos a visavam desde 2002 e por que foram precisos cinco anos para o governo Obama suspender a vigilância?
A mais recente rodada de recriminações ocorreu após a revista alemã "Der Spiegel" publicar detalhes do que descreveu como uma entrada em um banco de dados da NSA, aparentemente extraído dos documentos baixados por Edward J. Snowden, ex-funcionário terceirizado da NSA que agora está em asilo temporário em Moscou.
A entrada no banco de dados, segundo a "Der Spiegel" e especialistas externos, parece indicar que o pedido para monitoramento do celular da chanceler começou em 2002. Mas o documento se refere a ela como "chanceler", um cargo que ela ocupa apenas desde o final de 2005. Isso parece sugerir que a entrada no banco de dados foi atualizada.
A autenticidade do documento não pôde ser confirmada de forma independente. Mas os serviços de inteligência alemães acreditam que ele é real e em conversas entre Susan Rice, a conselheira de segurança nacional, e seu par alemão, Rice não fez nenhum esforço para questionar a evidência, até mesmo se recusando a confirmar que o celular de Merkel foi monitorado, segundo autoridades americanas e alemãs.
A revista "Der Spiegel" também relatou que a operação de monitoramento foi realizada a partir da embaixada americana no coração de Berlim, ao lado do Portão de Brandemburgo, de onde o presidente Barack Obama falou durante sua visita à cidade em junho passado. Ele também discursou a cerca de 1,5 km do portão, durante a famosa aparição de campanha em 2008. Em sua mais recente viagem, após o vazamento dos documentos de Snowden, ele prometeu uma revisão plena da espionagem americana a seus aliados.
O governo parece incerto sobre como lidar com as reportagens envolvendo Merkel, que desfruta de um bom relacionamento com Obama e forneceu inteligência crítica a respeito da Al Qaeda e do programa nuclear do Irã. Na semana passada, a Casa Branca manteve cuidadosamente o discurso preparado, dizendo que Merkel não está atualmente sendo monitorada e não seria no futuro, mas se recusando a dizer qualquer coisa sobre o passado.
Isso mudou no domingo, quando a NSA divulgou uma declaração negando outra reportagem na imprensa alemã, publicada no "Bild am Sonntag", que dizia que Obama foi informado sobre a vigilância a Merkel em 2010 pelo general Keith Alexander, o chefe da NSA e do Cibercomando dos Estados Unidos. A reportagem contradiz as garantias dadas anteriormente às autoridades alemãs por Rice de que Obama não estava ciente da operação.
A declaração da NSA disse que o "general Alexander não discutiu em 2010 com o presidente Obama uma suposta operação de inteligência estrangeira envolvendo a chanceler alemã Merkel, nem nunca discutiu supostas operações envolvendo a chanceler Merkel. As reportagens alegando o contrário não são verdadeiras".
A declaração da NSA não questionou a validade da entrada no banco de dados indicando quando teve início a vigilância, quando Merkel ainda era a líder do partido União Democrata Cristã. Nem indica por que Merkel, uma rara e fiel apoiadora na Europa dos planos do governo Bush de invadir o Iraque, foi escolhida para ser vigiada. Na noite de domingo, um alto funcionário do governo disse sobre a espionagem a aliados que a Casa Branca acredita que "não se trata da NSA ou da comunidade de inteligência trapacear ou atuar fora dos limites". Mas o funcionário acrescentou que duas revisões das práticas da NSA ordenadas por Obama são "para assegurar que a comunidade de inteligência está recebendo a orientação apropriada dos autores de políticas".
O governo Obama disse o mínimo possível sobre os relatos da operação contra Merkel, aparentemente na esperança de que seja esquecida. Mas as revelações recentes parecem ter levantando muitas novas questões, incluindo várias que funcionários da Casa Branca, alegando não poderem discutir assuntos confidenciais de inteligência, têm tentado rechaçar.
A principal é por que Obama, segundo relatos da Casa Branca e da NSA, não estava ciente da vigilância de uma líder considerada uma importante aliada. Funcionários americanos disseram que apesar do presidente aprovar as principais operações das agências de inteligência, ele não se envolve na escolha dos alvos. "Eu acho que isso não estava no radar da Casa Branca", disse um funcionário do governo familiarizado com as discussões internas do assunto.
Mas diante da sensibilidade do assunto –e dos protestos alemães anteriores a outras formas de vigilância– não se sabe por que Alexander ou James R. Clapper Jr., o diretor nacional de inteligência, não informaram Obama assim que os grampos telefônicos foram descobertos. A Casa Branca nunca disse quando quaisquer operações contra Merkel terminaram, mas a entrada em banco de dados publicada pela "Der Spiegel" parecia atual no início deste ano. O "Wall Street Journal" noticiou no domingo que o programa da NSA usado para espionar vários líderes mundiais foi encerrado poucos meses atrás. Mesmo que Obama não estivesse ciente, é possível que alguém do seu governo estivesse. Apesar do briefing diário do presidente, um relatório de inteligência sobre as ameaças globais que Obama recebe diariamente, ser repleto de análises, alguns de seus assessores recebem relatos mais detalhados das interceptações em suas pastas diárias de relatórios da inteligência.
Nos Estados Unidos, o deputado Mike Rogers, republicano de Michigan, defendeu vigorosamente as atividades de vigilância americanas na Europa, dizendo que grande parte da fúria em torno delas se deve ao desconhecimento de sua amplitude e intenção.
Rogers insistiu no programa "State of the Union" da "CNN" que o programa de vigilância da NSA, particularmente em relação à França, mas também em relação à Alemanha, foi terrivelmente deturpado e que foi concebido para proteger ambos os países e outros da ameaça de ataques terroristas.
Os repórteres que viram o slide da NSA concluíram erroneamente que a agência monitorou 70 milhões de chamadas telefônicas francesas, acrescentando que os relatos de monitoramento do celular de Merkel também foram incompletos. Ele não forneceu mais detalhes.
A extensão da cobertura pela imprensa alemã reflete o sentimento profundo de raiva e decepção que penetrou no establishment político alemão, ressaltado pela decisão de Merkel na semana passada de dar um telefonema indignado a Obama. Ela disse que a confiança deve ser restaurada e que apenas palavras não bastam.
Merkel tem sido atacada em casa por não ter agido vigorosamente quando a "Der Spiegel" noticiou a imensa vigilância de dados alemães em junho. Na época da visita de Obama, ela concordou com ele que as operações de inteligência impediram ações terroristas na Alemanha. Altos funcionários do governo dela declararam posteriormente que o caso estava encerrado após uma visita a Washington em agosto e por terem recebido o que disseram ser repetidas garantias de que nenhuma lei alemã foi violada.
Alemães e franceses disseram que enviarão altos funcionários de inteligência a Washington nesta semana para trabalharem em um acordo de "não espionagem" –ou outro acordo que regule a espionagem entre aliados estreitos.
O ministro do Interior alemão, Hans-Peter Friedrich, e outras autoridades disseram que analisarão todas das declarações feitas por Washington e exigir confirmação de que são verídicas.
"Os Estados Unidos devem explicar onde e até que ponto interceptaram as comunicações de cidadãos e do governo", disse Friedrich ao jornal alemão "The Bild".
Um importante membro do partido de Friedrich, a União Social Cristã, o partido bávaro irmão da União Democrata Cristã de Merkel, pediu que as negociações de comércio transatlântico entre os Estados Unidos e a União Europeia sejam suspensas.
(Brian Knowlton, em Washington DC, contribuiu com reportagem).
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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