Divulgação/Twitter/Matthew Lawrence
Van da campanha "vão pra casa", do governo britânico, apelidada nas redes sociais de "van racista", circula por Londres
Assediado à direita pelo antieuropeu Ukip, esgotadas as fórmulas para reduzir ainda mais a entrada de imigrantes de terceiros países e de pés e mãos atadas pela legislação europeia, que dificulta restringir o acesso de trabalhadores comunitários, o governo britânico optou pela via fácil: assediar como nunca antes os sem documentos por meio de uma nova lei de imigração.Não se trata tanto de reduzir o número de imigrantes, como de transmitir a imagem de que se está combatendo a imigração. Por isso, a responsável pelo Interior, Theresa May, ex-pomba transformada no mais feroz falcão de Westminster, proclama que o objetivo da lei é criar "criar um ambiente realmente hostil para os imigrantes ilegais". "Não queremos que as pessoas que vêm para cá fiquem mais tempo do que devem porque sejam capazes de ter acesso ao que necessitam", afirma.
Uma verdadeira declaração de guerra aos sem papéis. E, para ganhar, ela decidiu criar um exército de delatores formado por médicos, caseiros, banqueiros e até padres, aos quais a nova lei transforma em colaboradores obrigatórios dessa política de hostilidade com os sem documentos, aos quais se quer dificultar ainda mais o acesso à moradia, a tratamentos de saúde, a uma conta corrente e a um casamento com o qual legalizar sua situação.
Tudo muito bonito para alguns, mas eficaz? A realidade é que é muito pouco habitual que um sem papéis decida ir embora, por mais difícil que seja sua vida no Reino Unido, porque pior é a que deixou para trás. As organizações humanitárias acreditam que com essa lei os sem papéis terão de pagar mais por uma moradia insalubre; demorarão mais para receber tratamento médico e suas doenças ficarão mais graves e caras de remediar; terão que pagar um sobrecusto pelas dificuldades cotidianas de não ter uma conta bancária; serão obrigados a aceitar qualquer trabalho por menos dinheiro. Mas não irão embora.
A proposta, que na semana passada superou a segunda leitura na Câmara dos Comuns e vai entrar na fase de emendas, tem o apoio genérico dos trabalhistas, embora queiram propor modificações concretas ao longo da tramitação parlamentar.
O objetivo do governo é duplo: dificultar a vida dos sem papéis para forçar sua saída e ao mesmo tempo facilitar a deportação dos que forem detidos. Para isso, May propõe reduzir de 17 para somente quatro os casos de apelação contra uma ordem de deportação. E sobretudo introduzir uma política de "deportar primeiro, apelar depois", desde que a pessoa afetada "não corra o risco de receber um dano irreversível" pelo fato de ser devolvida a seu país de origem.
Para criar o "entorno realmente hostil", os locatários devem garantir que seus inquilinos residem legalmente; os bancos devem consultar uma base de dados para confirmar que um novo cliente não é um imigrante perseguido; o departamento responsável pelas carteiras de motorista receberá novos poderes para consultar a situação dos que pedem uma autorização e para revogar as que estiverem no país por mais tempo que o permitido; a igreja deverá informar ao Ministério do Interior quando cidadãos de fora da UE quiserem se casar, e o ministério decidirá se podem contrair matrimônio. O Ministério da Saúde quer que os imigrantes com autorizações para estadas curtas, como os estudantes, paguem uma contribuição inicial, talvez em torno de 200 libras (235 euros) para ter acesso à saúde pública.
Muita gente acredita que o Ministério do Interior está assim passando para outros o trabalho que não é capaz de fazer por si mesmo. Mas os afetados também se preocupam com outras coisas. Ian Fletcher, diretor de estratégias da Federação Britânica de Proprietários de Moradias, salienta que "só a UE reconhece 404 maneiras legítimas de identificação pessoal, e isso não inclui o resto do mundo". "Como pode um locador saber que alguém da República de Chipre pode entrar livremente no Reino Unido, mas alguém do norte de Chipre precisa de um visto? Vão saber que um búlgaro tem direito a residir no Reino Unido, mas alguém dos EUA não? Ou como podem saber as normas que determinam se o cônjuge tem direito a ficar ou não?", pergunta-se.
"Mas, mesmo que essas propostas funcionem, há outras questões. Suponhamos que um locador tem à sua frente um imigrante ilegal, o que deve fazer? Enfrentá-lo ou furtivamente avisar as autoridades? Algumas locadoras são viúvas aposentadas. Diante de que riscos as estamos colocando? Tudo isto vai aumentar a discriminação? Por acaso esta lei não vai empurrar muito mais gente para se esconder embaixo da terra e cair nas mãos de criminosos dispostos a alojá-las em condições sórdidas?", adverte Fletcher.
Muitos médicos são contrários a ter que averiguar se um imigrante deve pagar ou não antes de ter acesso ao atendimento básico. Para a Médicos do Mundo UK "não há justificativa ética ou econômica no projeto de cobrar de quem tem necessidade de atendimento médico e não pode pagar 200 libras ou outro custo". "Isso inclui grupos de pessoas vulneráveis, como os imigrantes sem documentos (que não têm acesso a ajudas públicas), vítimas do tráfico de pessoas (em geral mulheres e crianças), gente com vistos vencidos ou escravos domésticos", denunciam.
E também advertem que "não seria legal exigir só de alguns residentes que apresentem provas de que têm direito a ser atendidos" e que, em longo prazo, negar a atenção básica a essas pessoas também é antieconômico, porque podem contaminar possíveis infecções que não podem ser tratadas até que alcancem a gravidade suficiente para se atendidos em emergência.
No opinião de Maurice Wren, diretor do Conselho de Refugiados, essas propostas vão agravar a situação de demandantes de asilo e refugiados que têm direito a atendimento básico, mas muitas vezes lhes é negado porque não têm a documentação que alguns centros médicos exigem para demonstrar sua identidade ou residência.
Questões semelhantes são colocadas pelas propostas de controle dos casamentos. O Home Office estende hoje a todo tipo de união um controle que antes exigia dos casais de fato e que foi declarado ilegal exatamente por que era discriminatório ao afetar só parte da população. A Igreja da Inglaterra compreende que o governo introduza controles para acabar com os matrimônios falsos, "mas deixamos claro ao Home Office que embora os sacerdotes possam verificar a nacionalidade das pessoas pedindo seu passaporte, como já se faz desde 2011, o que não podem é verificar sua situação como imigrantes".
Propostas contra a imigração ilegal
- Deportar primeiro, apelar depois, com a única condição de que o deportado "não corra o risco de sofrer um dano irreversível" ao ser devolvido a seu país de origem.
- Reduzir de 17 para quatro os casos de apelação contra a deportação. Este ponto está relacionado aos 12 anos de batalha judicial do governo britânico para deportar o religioso muçulmano Abu Qutada, acusado na Jordânia de participar de atentados; a justiça do Reino Unido decidiu em várias ocasiões contra a extradição. Afinal, o clérigo foi deportado em julho, após a assinatura de um tratado bilateral.
- Os proprietários de imóveis devem comprovar se seus inquilinos são residentes legais. Teme-se que o aumento de inspeções dificulte o acesso dos imigrantes em geral a moradias subvencionadas.
- Obrigar os bancos britânicos a controlar a situação migratória dos clientes que abrirem contas.
- Impedir a obtenção da carteira de motorista e dificultar a renovação das já concedidas.
- A igreja deve colaborar com o governo para descobrir falsos casamentos.
- Os imigrantes de curta estada (por exemplo, os estudantes) terão de pagar uma tarifa para ter acesso à saúde pública de aproximadamente 235 euros.
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