terça-feira, 29 de outubro de 2013

Tabloides britânicos e seus editores vão a julgamento
Steven Erlanger e Stephen Castelo - NYT                                        
O padrão ético da poderosa indústria de jornais britânica será levado a julgamento nesta segunda-feira (28), com dois dos principais editores do império de mídia de Rupert Murdoch enfrentando acusações criminais envolvendo escutas telefônicas e obstrução da Justiça.
O caso envolve uma das executivas favoritas de Murdoch, Rebekah Brooks, e outro editor que se tornou assessor do primeiro-ministro David Cameron, Andy Coulson. As expectativas são que o julgamento será agressivo e detalhado, com a possibilidade de trazer à tona outras revelações sobre o funcionamento interno do competitivo mundo do jornalismo de tabloides britânicos e suas relações emaranhadas com a elite política e as autoridades policiais.
O julgamento, no qual todos os réus negam ter culpa, também pode dar impulso aos esforços para regular a desregrada imprensa da Grã-Bretanha. Esse esforço atingiu um impasse após o término de um longo inquérito revelador, liderado pelo juiz Sir Brian Leveson, no ano passado, que expôs uma rede tóxica de práticas criminosas pela mídia, incluindo a invasão de computadores e o suborno de policiais.
"A ética de toda a imprensa britânica está novamente no centro das atenções" com este julgamento, disse Brian Cathcart, que foi editor de jornal e é diretor da Hacked Off, uma organização que faz campanha pela reforma da mídia e pela maior regulação do setor. Durante anos no Reino Unido, a mídia "invadia a vida das pessoas, sem qualquer interesse público, e empregava distorções, assédio moral e até mesmo chantagem", disse ele, bem como outras atividades ilegais, como a obtenção de dados pessoais sob falsos pretextos, prática conhecida aqui como "blagging".
Leveson propôs que houvesse uma regulamentação por lei, um plano que foi rapidamente diluído. A questão da regulamentação rapidamente gerou preocupações de que a tradição de três séculos de liberdade de imprensa do Reino Unido pudesse estar em risco. Até agora, os políticos têm travado um debate acalorado com os grupos da imprensa sem nenhuma resolução clara.
Tim Luckhurst, editor de jornal e ex-professor de jornalismo da Universidade de Kent, disse: "O que esse julgamento vai fazer é redirecionar a atenção do público para o fato de que um novo sistema de regulação foi recomendado, mas ainda não foi estabelecido". 
Tanto Brooks quanto Coulson eram jornalistas poderosos cuja influência se estendia para dentro do mundo político. Após editar o tabloide "News of the World" - que Murdoch acabou fechando em um esforço para conter o escândalo de acesso indevido a mensagens de celular - Coulson tornou-se diretor de comunicação de Cameron. Brooks, ex-editora e alta executiva de Murdoch, era amiga de Cameron - que foi colega de escola de seu marido, Charlie Brooks, dos tempos de Eton - e lhe emprestava cavalos para montar, encontrava-se com ele socialmente e às vezes trocavam torpedos.
Outros executivos e jornalistas do grupo de Murdoch estão entre os 62 jornalistas que foram presos em vários inquéritos policiais, incluindo alguns de outros grupos da imprensa.
Este não é o primeiro escândalo envolvendo a imprensa britânica e seus métodos. Já em 1989, o ministro conservador David Mellor declarou que a imprensa estava "bebendo no Salão da Última Chance". Mellor sofreu consequências por sua declaração e renunciou em 1992, após ter sua vida pessoal exposta nos jornais.
Mais de 20 anos depois, muitos dos mesmos argumentos estão sendo usados sobre as relações entre políticos e jornalistas e sobre a privacidade e a invasão - hoje reforçada por tecnologias que auxiliam os investigadores que antes ganhavam dinheiro examinando o lixo das celebridades.
O inquérito de Leveson expôs alguns laços incestuosamente estreitos entre políticos e altas figuras da indústria de jornais. "As aparências são importantes, e os políticos não devem ser amigos de proprietários de jornais", disse Cathcart. "A história dos políticos britânicos com a imprensa não é de interferência e sim de subserviência", disse ele. Os políticos "têm sido muito indulgentes com a imprensa por causa da pressão que ela pode fazer em época de eleição, quando é capaz de fazer ou derrubar o candidato".
Os escândalos parecem ter prejudicado a influência dominante de Murdoch no Reino Unido e ajudado a ascensão do tabloide conservador "The Daily Mail", que sempre negou o uso de escutas telefônicas.
Recentemente, o "Daily Mail" provocou uma feroz briga política ao publicar –e defender vigorosamente- um artigo que descreve o pai do líder do Partido Trabalhista, Ed Miliband como um homem "que odiava o Reino Unido". Miliband, que criticou abertamente o império de Murdoch por ocasião do escândalo das escutas clandestinas em 2011, foi considerado corajoso por criticar o jornal, até mesmo para defender seu pai.
Mas também houve críticas do governo ao jornal "The Guardian", de esquerda, por publicar informações secretas sobre a vigilância generalizada de comunicação - incluindo escutas telefônicas - divulgadas por Edward J. Snowden, o ex-analista de inteligência dos EUA.
As escutas telefônicas são ilegais no Reino Unido, assim como o assédio, e as leis de proteção de dados deveriam proteger a privacidade dos e-mails. Mas a polícia foi extremamente lenta em agir no atual caso e parece ter sido comprometida por subornos e por suas relações com os jornalistas.
Dada a complexidade dos temas, o impasse em relação à regulamentação da imprensa pode muito bem prosseguir para além da próxima eleição geral, prevista para 2015, e esse impasse pode ser útil a Cameron, segundo Luckhurst.
Mas, enquanto o caso se desenrola, a pressão pode aumentar para que Cameron tome uma atitude, apesar da relutância de alguns em seu partido, disse Luckhurst. "Isso dependerá do que vai acontecer no tribunal."
Tradutor: Deborah Weinberg

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