quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Em meio ao desespero, índios americanos buscam consolo em Igreja Mórmon
Fernanda Santos - NYT
Diego Robles/NYT
Nora Kaibetoney junta pedaços de milho seco para preparar prato típico dos navajo. Ela está entre os índios de sua etnia que buscam alento na Igreja Mórmon em tempos de desespero
Nora Kaibetoney junta pedaços de milho seco para preparar prato típico dos navajo. Ela está entre os índios de sua etnia que buscam alento na Igreja Mórmon em tempos de desespero
Linda Smith perdeu um filho viciado em metanfetamina, quando ele se enforcou na prisão. Seus outros filhos são alcoólatras, cujo pai ela disse que quase a matou certa noite em um acesso de raiva, a expulsando de casa neste canto da reserva navajo em Provo, Utah, onde ela encontrou consolo na Igreja Mórmon.
A narrativa de Smith é cada vez mais comum nesta reserva, onde o desemprego é excessivo, a violência doméstica é comum e o álcool costuma ser usado como antídoto para dores de cabeça e dificuldades. Em uma terra perturbada por disfunção e desespero, um número crescente de navajos está procurando a Igreja Mórmon.
O número de fiéis na igreja de Tuba City Stake, que cobre 240 quilômetros das terras Navajo e Hopi, aumentou 25% desde 2008, enquanto outras igrejas ao redor passam por dificuldades. A Paróquia de São Judas, a única presença católica romana nesta cidade, sobrevive em grande parte devido aos fiéis filipinos, trazidos para cá para lecionar nas escolas públicas locais. Em setembro, a diocese católica de Gallup, Novo México, que atende a Nação Navajo e seis outras reservas, pediu concordata devido às despesas crescentes da defesa contra as acusações de abuso sexual pelo clero.
Para atrair seguidores, Larry Justice, um homem branco que é presidente da Tuba City Stake, seguiu o exemplo das vidas dos ancestrais navajos e deu início a um programa de horticultura para ensinar às pessoas como viverem da terra.
Ele e um punhado de voluntários da igreja ensinam técnicas de horticultura, distribuindo sementes e um terreno para plantio atrás da igreja aqui. O programa começou com 25 hortas há quatro anos, cada uma plantada pelos navajos ao lado de suas casas. Havia 1.800 hortas no mês passado e até o ano que vem outras 500 serão criadas em Tuba City e nas comunidades ao redor, disse Justice.
Os participantes aprendem como fertilizar o solo, ressequido por anos de seca. Eles aprendem a construir cercas para manter afastados os animais que vagueiam pelas terras. Eles aprendem o que colher e quando: melões e uvas no verão, abóbora e repolho no outono.
"Os avós deles sabiam plantar. Os pais deles esqueceram. Nós estamos trabalhando para assegurar que os jovens aprendam", disse Justice enquanto escoltava os visitantes pela igreja, que estava tão lotada em um domingo recente que uma divisória foi removida para dar espaço para mais cadeiras. "É importante ensinar nosso povo a ser autossuficiente."
A Igreja Mórmon está expandindo em um ritmo constante, principalmente na Ásia e na América Latina, onde, segundo Justice, há planos para introdução de um programa de horticultura para os povos indígenas da região, usando lições de agricultura de subsistência como abertura para a Igreja. A Igreja contava com 3 milhões de fieis em todo o mundo em 1971. Hoje são 15 milhões, com aproximadamente um quarto deles na América do Sul, segundo estatísticas da Igreja. Seu exército de missionários aumentou 37% desde outubro passado, depois que a Igreja reduziu sua exigência de idade mínima.
Como dizem os convertidos aqui na reserva, tornar-se mórmon os reaproximou dos valores navajos fundamentais de caridade, camaradagem e respeito pela terra.
Há um sentimento de "reconexão com nossas tradições", como explicou Nora Kaibetoney em navajo por meio de um intérprete – apesar do mormonismo frequentemente os compelir a abandonar os rituais que há muito definiam sua identidade, como a cerimônia de cura do curandeiro ou a limpeza nas saunas.
"Na cultura navajo, as coisas mais importantes que temos são a vida e nossa família", disse Linda Smith, 64, a filha de um mensageiro de código navajo e uma espécie de diagnosticador. Ela foi batizada como mórmon no colégio.
A conversão, ela disse, "não se tratou de dar as costas e abraçar uma tradição totalmente diferente; foi uma reconexão".
Os índios americanos têm histórias complicadas com as seitas cristãs que realizaram trabalho missionário entre eles, inclusive a Igreja Mórmon, conhecida formalmente como Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. No Ocidente, onde os mórmons migraram durante o século 19 para fugir da perseguição, eles e os navajos cultivaram juntos a terra e também lutaram por ela, em uma relação definida por períodos alternados de cooperação e conflito.
O que diferencia os mórmons de outros grupos missionários é o papel que eles atribuem aos índios americanos em suas escrituras sagradas como descendentes dos lamanitas – não fiéis rebeldes cuja conversão poderia ajudar os mórmons a construírem o reino de Deus na terra.
"Há esse senso paradoxal no qual os lamanitas são tanto um povo rebelde e perverso, mas também a chave para a consumação da história, de modo que são atores centrais no drama das escrituras mórmons", disse Peter J. Thuesen, presidente do departamento de estudos religiosos da Universidade de Indiana-Universidade de Purdue, em Indianapolis, cuja pesquisa explora o papel do mormonismo na cultura americana. "Nenhuma outra forma de cristianismo dá aos povos nativos um lugar semelhante em sua história."
Nas pinturas que adornam a igreja em Tuba City, uma estrutura que se destaca devido aos lares modestos que a cercam, os índios americanos escutam enquanto Jesus prega para eles. Segundo a crença mórmon, os índios foram as primeiras pessoas para as quais ele pregou quando veio para as Américas após sua ressurreição.
A conexão é uma das formas pela quais a Igreja atrai pessoas como Wayne Smith, com quem Linda Smith se casou no ano passado na igreja.
Um ferreiro aposentado, Wayne Smith, 52, está entre os dezenas de milhares de índios americanos, a maioria deles navajo, que foram recrutados na infância para morarem em lares mórmons adotivos fora da reserva, sob um programa contencioso que promovia uma forma de dar as crianças uma oportunidade de bom ensino – mas que as removia de sua cultura nativa.
O programa começou enquanto os soldados voltavam para a reserva após a Segunda Guerra Mundial, uma época de "colapso profundo da comunidade", disse Laurie F. Maffly-Kipp, um professor ilustre de ciências humanas do Centro John C. Danforth para Religião e Política da Universidade de Washington, em Saint Louis.
Para os pais, a proibição do álcool pelos mórmons e a ênfase em um estilo de vida comedido contrastam enormemente da dura realidade da vida na reserva, e entregar as crianças era visto como "a forma mais realista de lhes dar uma oportunidade", disse Maffly-Kipp.
Smith lembrou que o programa lhe deu um senso de autoestima.
"Ali estava um grupo externo de pessoas me dizendo que eu não era apenas uma pessoa pobre", ele disse, "mas sim que eu tinha uma grande herança, que eu tenho potencial".
Justice e os missionários que percorrem as estradas de terra daqui estão trabalhando para divulgar a mensagem, batendo de porta em porta e oferecendo orações. Os encontros deles geralmente incluem um convite: venha à igreja no domingo para saber mais.
"O lance a nosso respeito", disse Justice, se referindo ao seu rebanho, "é que cuidamos uns dos outros".
Tradutor: George El Khouri Andolfato

Um comentário:

Educação Inclusiva disse...

Sou mórmon a quase 30 anos, e amo o meu salvador, sei que a Igreja de Jesus Cristo dos Santos Dos Últimos Dias e a única igreja viva e verdadeira na face da terra e que o livro de mórmon e um outro testemunho de Jesus Cristo, me esforço por viver todos os seus princípios e pratico todos os ensinamentos do meu Salvador...