terça-feira, 29 de outubro de 2013

Uma ação policial desastrada em SP, uma tragédia e o desdobramento de sempre: violência, vandalismo, caos. Ou: Para quem quer queimar tudo, Amarildo e Douglas não valem mais do que vinte centavos
Reinaldo Azevedo - VEJA
No domingo, a Polícia Militar foi acionada para intervir numa ocorrência de perturbação de sossego na esquina da rua Bacurizinho com a avenida Mendes da Rocha, na Vila Medeiros, Zona Norte de São Paulo. Segundo comunicado oficial da PM, a arma de um dos policiais disparou por acidente e atingiu o peito de Douglas Martins Rodrigues, de 17 anos. Levado ao hospital Jaçanã, ele não resistiu e morreu. Testemunhas dão conta de que os policiais que atendiam a ocorrência ficaram muito nervosos, o que pode indicar que o disparo foi mesmo acidental. Não dá para saber exatamente o que aconteceu antes da devida apuração. O fato é que o PM já está preso. Nas palavras de Fernando Grella, secretário de Segurança Pública de São Paulo: “Um episódio lamentável, mas as providências foram tomadas, o policial foi autuado em flagrante por homicídio. Já está preso. Nós queremos concluir rapidamente a investigação para que o inquérito seja levado à Justiça e que ela possa analisar e decidir”.
ATENÇÃO! Eu não estou aqui a dizer que a prisão encerra a questão. É evidente que os moradores do bairro onde morava Douglas, seus amigos e seus familiares têm motivos para se revoltar, para protestar, para evidenciar a sua indignação. Talvez seja exigir demais que os que estão emocionalmente abalados pela tragédia reconheçam que a Polícia Militar e a Secretaria da Segurança agiram com presteza, fazendo o que estava a seu alcance. Ninguém devolve a vida do garoto. Mas o que dizer daqueles que usaram esse caso para promover a baderna?
A morte de Douglas serviu de pretexto para atos do mais escancarado vandalismo. Leiam este relato de O Globo Online. Volto depois.
“Um novo protesto contra a morte do adolescente Douglas Martins Rodrigues (…) fechou na noite desta segunda-feira as pistas da Rodovia Fernão Dias, na região do Parque Novo Mundo, Zona Norte de São Paulo. Manifestantes atearam fogo em duas carretas paradas na pista e em pelo menos cinco ônibus. Um grupo tomou um caminhão-tanque e percorreu a rodovia em alta velocidade com o veículo. Uma pessoa foi baleada no protesto e está sendo operada em um hospital da região. As chamas atingiram a rede elétrica e causaram a explosão de um transformador. Um outro grupo de manifestantes saqueou lojas da região utilizando carrinhos de lixo para arrombar as portas. Outros manifestantes foram para o Terminal de Cargas, na região do Parque Novo Mundo, onde tentaram saquear caminhões estacionados. A PM chegou ao local e usou bombas de efeito moral para dispersar os manifestantes. (…)”
 
Os mascarados
Relatos dão conta de que as ações mais violentas foram promovidas por mascarados — os de sempre. Notem: se o policial que disparou a arma estivesse solto, aguardando alguma apuração, a ação dos vândalos não teria sido diferente. A morte de Douglas, para esses que promovem o caos num pedaço da cidade, não têm a menor importância. Trata-se de um mero pretexto.
Como é mesmo a fala daquela senhorita que participa daquele vídeo de celebridades globais que convoca uma manifestação no Rio para o dia 31? Reproduzo: “[órgãos de imprensa] só reportam o que é que foi quebrado, o que foi destruído. E eu também acho que tem de parar para pensar o que é que está sendo destruído. São casas de pessoas, como (sic) a polícia joga uma bomba de gás dentro de um apartamento? Não! São lugares simbólicos”.
 
Não precisam de mortos
É um reducionismo cretino e uma mentira atribuir a violência ao fato de o jovem Douglas ter sido morto. Desde junho, os atos de depredação em São Paulo, no Rio e em toda parte se repetem. Há um conjunto de fatores que explicam o “fenômeno”: setores da imprensa passaram a flertar com o baguncismo; processo crescente de demonização da polícia — como se vê, de novo, no tal vídeo das estrelas —; decisões, para dizer pouco, polêmicas da Justiça, que tem mandado, invariavelmente, libertar vândalos presos em flagrante… Ademais, lideranças políticas as mais variadas, do governo e da oposição, se negam a condenar a violência sistemática.
As explosões de vandalismo nunca precisaram de um motivo; só precisam de um pretexto. Quando, com efeito, existe uma ocorrência grave, como a que vitimou o jovem Douglas, tudo, então, parece justificável. Ora, por que os donos dos veículos incendiados, os passageiros do ônibus ou os usuários da Fernão Dias deveriam ser punidos? Isso não tem resposta.
 
O caso Amarildo
Parece-me evidente que a celeridade na apuração do desaparecimento de Amarildo de Souza e que a identificação dos responsáveis se deveram a forte mobilização dos indignados. Era o certo, e a causa era e é justa, ainda que ele tivesse envolvimento com franjas do narcotráfico. Forças do Estado — e já escrevi isso aqui muitas vezes — não têm o direito de dar sumiço em ninguém, nem nos culpados. Se admitirmos isso, nem os inocentes estarão a salvo.
Estou afirmando isso agora, quando as falanges do ódio decidiram se mobilizar contra mm? Não! Procurem no blog as expressões “presos sem pedigree” e “mortos sem pedigree”. Eu as emprego sempre que trato da tortura a presos comuns no país. Reproduzo trecho de um post do dia 24 de junho de 2011:
“O país já empenhou algo em torno de R$ 5 bilhões com a tal bolsa ditadura; milhões são torrados anualmente para pagar pensões. Não há, felizmente, tortura política por aqui faz tempo. Mas a agressão ilegal a presos comuns nunca deixou de existir. Ninguém dá bola porque, afirmo aqui desde que o blog existe, são presos sem pedigree.”
Mas avancemos um pouco. “Onde está Amarildo?”, num dado momento, tornou-se uma espécie de redutor de todas as insatisfações e motivo primeiro e último de todas as delinquências que se cometeram nesses dias. A boa causa — isto é, séria, justificada, justificável, relevante — passou a servir também aos maus propósitos, inclusive a reivindicações insanas, essencialmente antidemocráticas, como as que cobravam, sabe-se lá por quê, a deposição do governador Sérgio Cabral. Deposição por quê?
 
Concluindo
Todos sabem que as tais “jornadas de junho” nunca me seduziram, nem quando a muitos pareceu que Dilma Rousseff também acabaria pagando o pato. Eu não tenho o que fazer — no que concerne às minhas utopias — com explosões de ódio e com agressões a direitos fundamentais da democracia. E entendo que eles são nefastos também para a sociedade.
Para quem quer quebrar tudo, Amarildo e Douglas não valem mais do que vinte centavos.

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