IPTU sem preconceito
Facilmente percebido por quem paga, o IPTU deixa o cidadão mais atento para cobrar bom uso dos recursos
Marcelo Miterhof - FSP
Volto ao IPTU. Evidentemente, esperava uma forte reação contrária à coluna "Aumentem meu IPTU!", de 17/10/2013, na qual, entre outras coisas, defendi uma maior tributação sobre o patrimônio e a renda como maneira de criar espaço para reduzir a taxação sobre a produção e o consumo.
Não à toa, segundo o Datafolha, 89% dos paulistanos são contrários à elevação do IPTU. A princípio, ninguém quer pagar mais imposto. Mas é preciso ir além da oposição apriorística. Nesse sentido, os colunistas Vinicius Mota (24/10/2013) e Hélio Schwartsman (25/10/2013) levantaram bons argumentos contra a medida.
O principal é que a valorização dos imóveis nos últimos anos tende em parte a ser irrelevante, pois ela só se converte em ganhos efetivos aos proprietários quando os imóveis são vendidos.
Um problema derivado, em exemplo clássico dado por Schwartsman, é o de aposentados, que compraram suas residências quando trabalhavam e, hoje, ganhando menos, são punidos pela alta do tributo, que comprime suas rendas.
Generalizando o argumento, Mota advoga que o IPTU é um falso imposto sobre imóveis, que de fato incide sobre a renda e deveria ter sua elevação limitada à dos salários.
A alternativa talvez fosse acabar com a tributação sobre a riqueza. O problema é que raciocínio semelhante vale ainda mais para outros impostos, como o ICMS. A taxação de bens e serviços não leva em conta a renda, o que a torna regressiva: como distintos consumidores pagam uma mesma quantia de imposto, ele representa uma fração maior da renda de quem ganha menos.
A tributação poderia ser feita exclusivamente pelo IR. No entanto, há alto risco nessa opção: a liquidez da renda a torna mais fácil de ser sonegada. Por isso, deve-se ter um balanço entre as taxações sobre consumo, riqueza e renda. Nesse sentido, a tributação do patrimônio é boa porque em geral é proporcional à renda e difícil de se escapar.
Além disso, tome o exemplo de duas pessoas de igual renda, mas uma proveniente do trabalho e a outra de aluguéis. Ambas pagarão o mesmo de IR, porém é preciso também taxar a riqueza para desestimular o rentismo.
Por certo, é preciso ter cuidados, como fazer aumentos graduais. A renda limita em algum grau a exploração do IPTU. Não é simples fazer a cobrança de um fluxo (o imposto anual) incidente sobre o valor de um estoque pouco líquido (o imóvel).
Porém é inegável que o valor de mercado do imóvel é o melhor parâmetro para cobrar o IPTU. Nos últimos anos, a alta dos preços imobiliários refletiu os ganhos reais de renda e a expansão do crédito no país.
A localização também determina a valorização relativa: custam mais imóveis em regiões mais bem atendidas por infraestrutura e serviços públicos. Por isso, os mais valorizados devem pagar mais IPTU, contribuindo para que as demais áreas também sejam mais bem servidas.
É difícil se opor racionalmente à revisão periódica da planta genérica de valores, que estima o preço dos imóveis. Sem atualizar sua base arrecadatória, o IPTU se torna crescentemente arbitrário: imóveis de mesmo valor de mercado podem ser taxados em montantes bem diferentes.
Claro, é possível reduzir compensatoriamente as alíquotas, de forma a alterar só a distribuição da arrecadação. Todavia, essa é uma decisão de outra natureza, a de equacionar os recursos às demandas por serviços públicos. Elevar a arrecadação para ampliar e melhorar tais serviços é uma opção política respeitável.
Para as situações atípicas, há formas de corrigir os problemas, como descontos e isenções. Cláudia De Cesare --assessora em tributação da Prefeitura de Porto Alegre e professora do Lincoln Institute of Land Policy, com quem conversei sobre esta coluna-- destaca que nos EUA o imposto é diferido em alguns casos. Viúvas e aposentados podem optar por não pagar o IPTU local, que se acumula até ser cobrado na transmissão do imóvel, por venda ou herança. Assim, os contribuintes não são excessivamente onerados e a sociedade não é prejudicada.
Por fim, a forte reação contra ao aumento do IPTU em São Paulo sugere que faz sentido um argumento tipicamente liberal a favor de dar mais peso a tal imposto. Por ser mais facilmente percebido por quem os paga, o IPTU (e demais impostos diretos) faz com que o cidadão fique mais atento para cobrar o bom uso dos recursos pelo poder público.
marcelo.miterhof@gmail.com
MARCELO MITERHOF, 39, é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco. Escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário