terça-feira, 29 de outubro de 2013

Uma associação de jornalistas e o sindicato estão deixando de contar a verdade inteira. Ou: Uma declaração absurda de um representante da categoria
Reinaldo Azevedo - VEJA
Claro que eu poderia deixar de escrever o que vai abaixo, mas não vou, não. Quanto mais a patrulha a soldo se assanha, mais a verdade se torna um imperativo. Leio na Folha, em reportagem de Raul Montenegro, que, segundo levantamento da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a maioria das agressões contra jornalistas, nas manifestações, partiu da polícia: 77 em 102 casos.
Não sei como foi feita a contabilidade, mas dou de barato que seja verdadeira. Essa é uma daquelas verdades, no entanto, que acabam ajudando, infelizmente, a consolidar uma mentira se não se cuida do contexto. E uma das tarefas dos jornalistas, muito especialmente quando falam em nome de entidades ligadas à categoria, é não induzir o leitor ao erro.
Costuma-se usar a expressão eufemística “faltar com a verdade” como sinônimo de “mentira”. Eis um exemplo a evidenciar que são coisas distintas. Ainda que a Abraji não minta, falta com a verdade. Por quê?
Porque todos os jornalistas que cobriram manifestações sabem — especialmente os profissionais de TV e, em particular, os da Globo — que tiveram de se esconder nos protestos. Muitos tiveram de trabalhar com microfones sem o logotipo da emissora. OU SERIAM LINCHADOS. Outras tantos experimentaram seu lado “ninja” e documentaram tudo com um celular ou com microcâmeras. Assim, os manifestantes só não agrediram um número maior de jornalistas porque estes estavam escondidos para se proteger. E os que foram à rua sabem disso.
Houve nesta segunda um protesto contra as agressões a jornalistas na Praça Roosevelt, em São Paulo. Reuniu, consta, uns 30 profissionais. O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, Guto Carmargo, estava lá e se negou a condenar também os manifestantes. Afirmou: “Se a maioria das agressões parte da polícia, nós temos que nos proteger primeiro da polícia.”
Não! Ele está errado. Uma agressão é uma agressão é uma agressão. Atacar repórteres é inaceitável em qualquer caso. Nas democracias, não existe um agressor pior do que o outro nem uma hierarquia dos repúdios. Não há como não deduzir que, segundo o presidente do sindicato, um ataque oriundo dos que protestam não é assim tão grave.
Alguns jornalistas relatam que foram agredidos pela Polícia mesmo depois de terem se identificado. Quando isso ocorrer, nada menos do que punição para o policial. Boa parte do que se chama agressão da polícia, no entanto, decorre do fato de que jornalistas estão nas ruas entre os que estão enfrentando as forças de segurança. A honestidade obriga a admitir que não eram eles os alvos — não ao menos por serem jornalistas. De novo: houve casos? Segundo relatos, sim! Punição. Ponto!
Identificação?
Ora, a tarja ou o colete “IMPRENSA”, no caso das manifestações, não protegem ninguém. A Abraji sabe disso. O sindicato sabe disso. Ao contrário: os black blocs, por exemplo, não têm simpatias por jornalistas. Preferem o discurso engajado das “mídias ninjas” da vida. Do modo como repórteres andam a ser cassados pelas ruas, a identificação seria um risco. Que é que ha? Vamos ignorar agora que rostos mais conhecidos da Globo não puderam fazer a cobertura?
Calma lá! Carros de emissoras foram queimados até em protesto em defesa dos animais — e isso não é uma ação contra os “patrões da mídia”. Trata-se de um agressão à liberdade de expressão. Houve atos de violência, com ameça de invasão, contra empresas de comunicação. De novo: o alvo é o jornalismo.
Assim, encerro lamentando de novo a declaração do presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Segundo os dados acima — mesmo com a distorção que aponto —, pelo menos 25 profissionais foram alvos dos chamados “manifestantes”. Mas ele não quer nem saber: “Temos de nos proteger primeiro da Polícia”. Não! Temos é de pedir que ela, Brasil afora, se comporte dentro das regras. E de protestar contra qualquer agressão. Essa demonização das forças policiais resulta em eventos como o desta segunda, em São Paulo.

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