quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Cicatrizes do furacão Sandy tornaram-se marcas da capacidade de sobrevivência
N.R. Kleinfield - NYT
Era uma coisa nojenta e suja que atrapalhava a estética, algo para ser esfregado ou pintado por cima, algo que devia ser tirado dali. Era um lembrete amargo das águas turbulentas, destroços inimagináveis e feridas exponenciais.
Ninguém ia querer mais aquilo, não é?
Marco Pasanella apontou para a linha branca irregular que corria ao longo da parede de tijolo dentro de sua loja de vinhos, Pasanella & Son Vintners, na zona portuária de South Street, em Manhattan. Ficava a cerca de 1,8 metro acima do chão. E ia ficar ali mesmo. A linha da água do furacão Sandy.
Quando o East River invadiu a loja, Pasanella perdeu 10 mil garrafas de vinho. Nada agradável, com certeza, mas ele prefere que a linha de água fique preservada. "Não quero apagar o passado", disse ele. "Sinto como se fossem as rugas do rosto. Não gosto da aparência de botox".
Na verdade, ele mandou fazer uma placa com a inscrição: "O East River chegou até aqui. 29 de outubro de 2012". Ele copiou o estilo de uma placa que viu em Florença, Itália, que observava a altura da terrível inundação do rio Arno, em 1966. Ele não ficou completamente feliz com o resultado final, porém, e ainda não a instalou.
Os clientes chegam e se maravilham, tiram fotos da marca na parede; parentes apontam para ela com um sorriso. Pasanella conta que sua esposa às vezes se irrita. Ela acha que é "turismo de desastre".
Para ele, o furacão Sandy, apesar de sua afronta, não conquistou sua loja de vinhos, ele que o havia conquistado. Esta era a sua narrativa sobre a tempestade.
Para algumas pessoas prejudicadas pelo furacão, a linha de água tornou-se uma espécie de marca de sobrevivência. A maioria dos proprietários de edifícios e imóveis, compreensivelmente, limparam as marcas quando repararam e reconstruíram o que as ondas engoliram, tentando esquecer tudo. Mas alguns, buscando se conciliar com a tempestade, optaram por conviver com a linha da água, mesmo sem saber por quê.
Aqui, ali e em toda parte –marcas da água. A estação Consolidated Edison, onde as inundações provocaram a explosão de um transformador, tem discos de bronze a cerca de um metro de altura em uma parede, confirmando onde a água chegou. No Rockaway Beach Surf Club, em Rockaway Beach, Brandon d'Leo, escultor e um dos proprietários, passou um revestimento protetor sobre a mancha marrom, a um metro e meio de altura nos armários, "só de ver aquela marca, me deu vontade de preservá-la".
Não muito longe, o Bungalow Bar & Restaurant teve sua linha da água identificada em uma parede externa a 2,1 metros de altura; o programa de televisão a cabo "Rescue Bar", que ajudou a reparar o lugar, construiu uma colagem da bandeira americana ao lado da linha, feita com os detritos locais -uma galinha de madeira, uma garrafa de refrigerante, pedaços de uma vara de pescar.
Em Long Beach, em Long Island, Will Hallett, 52, que tem uma empresa de consultoria, marcou a altura da água em seu porão - "Tenho 1m90 e estava na altura dos meus olhos". Ali ele colocou uma colagem emoldurada de nós em cordas que seu pai lhe dera. "Eu cresci perto do mar", disse ele. "E há um velho ditado que diz que, se inundou até aqui uma vez, vai inundar novamente".
Um grupo de defesa da linha da costa chamado PortSide NewYork está fazendo planos para colocar marcadores de altura da água nas placas de rua no bairro duramente atingido de Red Hook, no Brooklyn, para promover a compreensão das ameaças de inundação, mas ainda precisa das licenças necessárias.
O que Jay Hennessey fez na manhã seguinte à tempestade foi pegar uma lata de tinta spray amarela em sua casa em Bridgewater, Nova Jérsei, e seguir para a fábrica. A fábrica é a Pratt Industries, uma planta de reciclagem em Staten Island, que transforma grande parte do papel reciclável que os nova-iorquinos descartam em folhas de papel utilizável. Fica no estreito de Arthur Kill e ficou alagada. Hennessey é o seu gerente geral.
Ao chegar ao local ainda molhado e marcado pela lama, ele encontrou marcas da água em toda parte. Ele pichou a altura da água nas máquinas e nas paredes. Muitas bombas e caldeiras precisariam de inspeção. Cerca de 150 motores estragaram. Ele notou que os empreiteiros tinham deixado três caminhões lá. Estupidez, direto para o ferro-velho. A máquina de fabricação de papel e a máquina de fabricação de cartolina, que produz maravilhas como caixas de pizza, estavam no segundo andar, secas.
Seria compreensível se Hennessey quisesse se esquecer da fábrica encharcada. Em vez disso, ele encomendou dezenas de sinais amarelos para marcar onde a água havia chegado e espalhou 30 ou 40 deles em toda a propriedade, deixando uma lembrança permanente. "Bem, vamos lá, você tem que aprender com a experiência", disse ele. "Estamos tomando medidas agora, construindo muros de até quatro metros em torno de nossos transformadores".
No restaurante Meade`s, no South Street Seaport, os clientes debruçavam-se sobre o bar movimentado, bebendo suas cervejas sob a sombra das janelas. Era fácil identificar a linha da água. A corrente de água rasgou a pintura na parede até 1,5 metro de altura, deixando uma superfície irregular. E assim está, e continuará. Impressa na parede.
Lee Holin, o proprietário, disse: "Por que eu cobriria a marca? É parte da história. Também acho que dá um legal de dureza, como um bar de porão em Nova Orleans".
Holin morava nas proximidades de Chinatown, em Manhattan, e teve que deixar sua casa. Um ano mais tarde, ele ainda sente os traumas. "Eu fiquei sem-teto e arruinado financeiramente de uma só vez", disse ele. "Eu realmente pensei que ia voltar a morar com meus pais, aos 37 anos de idade. Com certeza afetou a minha cabeça. Tenho medo de falir por qualquer motivo. Coisas que eu não posso nem pensar".
Na frente do Meade`s tem um quadro negro, do tipo usado para anunciar o Happy Hour ou um especial de croquetes. Meses atrás, um bartender rabiscou uma mensagem desafiante que permanece intacta: "O que não nos mata torna nossos drinques mais fortes. Boa tentativa, Sandy! Viva o Seaport!"
Tradução: Deborah Weinberg

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