Enviar para a Grã-Bretanha bolsistas com parcos conhecimentos de inglês deve manter fluxo de estudantes brasileiros para o exterior. Mas passa longe da excelência acadêmica e põe em risco os objetivos do programa federal
Nathalia Goulart - VEJA
Está mais fácil conseguir uma bolsa para estudar na Grã-Bretanha com o CsF (André Stefano/Fotoarena/Agência O Globo)
A chamada "flexibilização" dos níveis de exigência nos exames de proficiência, como Toefl e Ielts, as duas provas aceitas pelas universidades britânicas, foi implementada no fim do ano passado com a publicação de um edital que balizou uma seleção de candidatos a bolsas de graduação-saduíche (quando o estudante cursa até um ano da graduação no exterior) encerrada em janeiro. Até então, quem desejasse concorrer a uma das bolsas deveria obter no mínimo de 72 pontos no Toefl ou 5,5 no Ielts. Muita gente era reprovada. Das 4.000 bolsas de estudo previstas para a Grã-Bretanha, apenas 1.800 foram preenchidas. Isso deu força ao plano de "flexibilização".
De acordo com as novas (e mais brandas) regras, se um candidato aprovado nos demais quesitos obtiver 42 pontos no Toefl já pode arrumar as malas rumo à Grã-Bretanha. Terá, contudo, que fazer um curso intensivo de inglês durante os primeiros seis meses da estada em terras estrangeiras. Caso consiga atingir a marcar dos 57 pontos no exame de proficiência, precisará cumprir apenas três meses de reforço. No caso do Ielts, o outro atestado de conhecimento da língua estrangeira, basta obter nota 4,5 em duas das habilidades avaliadas para seguir para a Grã-Bretanha, tendo a obrigação de frequentar o cursinho de inglês de seis meses. Caso consiga nota 5 em duas habilidades, fará aulas por três meses. Ficarão isentos aqueles que atingirem nota 5,5 — uma raridade entre os brasileiros. Ao fim do período de aulas, o estudante terá de realizar novo teste para comprovar a proficiência do inglês. Caso seja reprovado, retornará ao Brasil.
A redução do nível de exigência pode empurrar ainda os estudantes brasileiros para universidades menos conceituadas, ferindo um dos objetivos do CsF: colocar universitários brasileiros em contato com sistemas educacionais competitivos. Um exemplo: a britânica Oxford, uma das universidades mais conceituadas do planeta, exige de seus candidatos 110 pontos no Toefl, o que indica domínio pleno do idioma. Por trás da exigência, é claro, está a premissa de que o sucesso de um intercâmbio depende de uma série de variáveis, todas atreladas ao bom desempenho na língua local: é preciso compreender bem as aulas, realizar com destreza e rapidez a leitura de textos densos, submeter-se a provas além de desenvolver relacionamentos pessoais e profissionais. Outro indicador de que o inglês tem sido um entrave aos bolsistas é o fato de que, entre os destinos mais buscados pelos beneficiados pelo CsF, estejam Espanha e Portugual, países que oferecem pouca — ou nenhuma — dificuldade em relação ao idioma.
Como funcionam os testes
Exames de proficiência são elaborados por instituições de educação para medir o grau de fluência dos participantes em determinada língua estrangeira. As provas não oferecem como resultado as classificações "aprovado" ou "reprovado": em lugar disso, atribuem notas indicativas do grau de domínio do idioma.No caso do inglês, os testes mais reconhecidos internacionalmente são o Toefl (Teste de Inglês como Língua Estrangeira) e o Ielts (Sistema Internacional de Teste de Língua Inglesa).
Os dois são divididos em quatro partes: listening (compreensão oral), reading (leitura), speaking (conversação) e writing (escrita). No caso do Toefl, a habilidade em cada uma dessas etapas recebe uma nota que varia de 0 a 30 pontos, totalizando 120 pontos. Já no Ielts, a variação vai de 0 a 9. A nota final é média aritimética das etapas.
O episódio do CsF é mais um lembrete de que persiste uma distância enorme entre brasileiros — inclusive os estudantes — e a língua inglesa. No levantamento mais recente publicado pela empresa Education First (EF), de outubro de 2012, os brasileiros ficaram no 46º lugar no Índice de Proficiência em Inglês (EPI), à frente de apenas oito nações. "Somos um país isolado academicamente, que não prepara bem seus alunos para a internacionalização da educação superior", diz Claudio de Moura Castro, colunista de VEJA e especialista em educação. Ele observa, porém, que a redução no nível de exigência do CsF pode ser a única forma de garantir um fluxo contínuo de bolsistas brasileiros rumo ao exterior. "Ou fazemos concessões assim ou os programas de intercâmbio não vão adiante."
Em um ambiente cada vez mais internacional, as universidades de excelência travam uma corrida para recrutar os melhores estudantes — estejam eles onde estiverem; ao mesmo tempo, enviam seus alunos para boas instituições estrangeiras. Na base dessa troca, está o inglês. Até mesmo instituições fora dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha oferecem cursos em inglês para atrair os bons alunos, o que ocorre na Ásia e na Europa. Exigindo menos de seus bolsistas, o Brasil até poderá manter o fluxo de estudantes no exterior, mas certamente sairá atrás na disputa pela excelência.
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