IPTU sem preconceito
Facilmente percebido por quem paga, o IPTU deixa o cidadão mais atento para cobrar bom uso dos recursos
Marcelo Miterhof - FSP
Volto ao IPTU. Evidentemente, esperava uma forte reação contrária à coluna "Aumentem meu IPTU!", de 17/10/2013, na qual, entre outras coisas, defendi uma maior tributação sobre o patrimônio e a renda como maneira de criar espaço para reduzir a taxação sobre a produção e o consumo.
Não à toa, segundo o Datafolha, 89% dos paulistanos são contrários à elevação do IPTU. A princípio, ninguém quer pagar mais imposto. Mas é preciso ir além da oposição apriorística. Nesse sentido, os colunistas Vinicius Mota (24/10/2013) e Hélio Schwartsman (25/10/2013) levantaram bons argumentos contra a medida.
O principal é que a valorização dos imóveis nos últimos anos tende em parte a ser irrelevante, pois ela só se converte em ganhos efetivos aos proprietários quando os imóveis são vendidos.
Um problema derivado, em exemplo clássico dado por Schwartsman, é o de aposentados, que compraram suas residências quando trabalhavam e, hoje, ganhando menos, são punidos pela alta do tributo, que comprime suas rendas.
Generalizando o argumento, Mota advoga que o IPTU é um falso imposto sobre imóveis, que de fato incide sobre a renda e deveria ter sua elevação limitada à dos salários.
A alternativa talvez fosse acabar com a tributação sobre a riqueza. O problema é que raciocínio semelhante vale ainda mais para outros impostos, como o ICMS. A taxação de bens e serviços não leva em conta a renda, o que a torna regressiva: como distintos consumidores pagam uma mesma quantia de imposto, ele representa uma fração maior da renda de quem ganha menos.
A tributação poderia ser feita exclusivamente pelo IR. No entanto, há alto risco nessa opção: a liquidez da renda a torna mais fácil de ser sonegada. Por isso, deve-se ter um balanço entre as taxações sobre consumo, riqueza e renda. Nesse sentido, a tributação do patrimônio é boa porque em geral é proporcional à renda e difícil de se escapar.
Além disso, tome o exemplo de duas pessoas de igual renda, mas uma proveniente do trabalho e a outra de aluguéis. Ambas pagarão o mesmo de IR, porém é preciso também taxar a riqueza para desestimular o rentismo.
Por certo, é preciso ter cuidados, como fazer aumentos graduais. A renda limita em algum grau a exploração do IPTU. Não é simples fazer a cobrança de um fluxo (o imposto anual) incidente sobre o valor de um estoque pouco líquido (o imóvel).
Porém é inegável que o valor de mercado do imóvel é o melhor parâmetro para cobrar o IPTU. Nos últimos anos, a alta dos preços imobiliários refletiu os ganhos reais de renda e a expansão do crédito no país.
A localização também determina a valorização relativa: custam mais imóveis em regiões mais bem atendidas por infraestrutura e serviços públicos. Por isso, os mais valorizados devem pagar mais IPTU, contribuindo para que as demais áreas também sejam mais bem servidas.
É difícil se opor racionalmente à revisão periódica da planta genérica de valores, que estima o preço dos imóveis. Sem atualizar sua base arrecadatória, o IPTU se torna crescentemente arbitrário: imóveis de mesmo valor de mercado podem ser taxados em montantes bem diferentes.
Claro, é possível reduzir compensatoriamente as alíquotas, de forma a alterar só a distribuição da arrecadação. Todavia, essa é uma decisão de outra natureza, a de equacionar os recursos às demandas por serviços públicos. Elevar a arrecadação para ampliar e melhorar tais serviços é uma opção política respeitável.
Para as situações atípicas, há formas de corrigir os problemas, como descontos e isenções. Cláudia De Cesare --assessora em tributação da Prefeitura de Porto Alegre e professora do Lincoln Institute of Land Policy, com quem conversei sobre esta coluna-- destaca que nos EUA o imposto é diferido em alguns casos. Viúvas e aposentados podem optar por não pagar o IPTU local, que se acumula até ser cobrado na transmissão do imóvel, por venda ou herança. Assim, os contribuintes não são excessivamente onerados e a sociedade não é prejudicada.
Por fim, a forte reação contra ao aumento do IPTU em São Paulo sugere que faz sentido um argumento tipicamente liberal a favor de dar mais peso a tal imposto. Por ser mais facilmente percebido por quem os paga, o IPTU (e demais impostos diretos) faz com que o cidadão fique mais atento para cobrar o bom uso dos recursos pelo poder público.
marcelo.miterhof@gmail.com
MARCELO MITERHOF, 39, é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco. Escreve às quintas-feiras nesta coluna.
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
O gosto amargo do IPTU
O Estado de S.Paulo
Com medo de que a impopularidade do aumento do Imposto Predial e Territorial
Urbano (IPTU) proposto pelo prefeito Fernando Haddad provocasse deserções na
bancada governista, a liderança do PT antecipou a apreciação da matéria em
segunda votação e conseguiu aprová-la pouco antes da meia-noite de terça-feira
pelo apertado placar de 29 votos a 26.
Apesar de um recuo em relação à proposta original, o aumento - que teve por base a revisão da Planta Genérica de Valores (PGV) dos imóveis - foi considerável, muito acima da inflação e sem relação com o crescimento da renda da população.
O aumento máximo para os imóveis residenciais baixou de 30% para 20% e o dos comerciais, de 45% para 35%. O Executivo cedeu também no caso dos aposentados, que ficariam numa situação particularmente difícil. Os que ganham até quatro salários mínimos terão desconto de 50% e para os que recebem até 5 salários ele será de 30%. Continuam isentos os que ganham até 3 salários. Esse recuo, à primeira vista importante, na verdade é bem pequeno, considerando-se o quanto o atual governo vai ganhar com o IPTU até o final de seu mandato, já que o aumento não se restringe ao próximo ano.
Depois de 2014, os tetos do aumento serão de 10% para os imóveis residenciais e de 15% para os comerciais até 2017, portanto acima da inflação, que é estimada pela própria Prefeitura em 6% para cada ano. Em 2017 será feita uma nova revisão da PGV para determinar os aumentos de 2018. Praticamente metade dos proprietários de imóveis da capital (49,7%) - ou 1,5 milhão, de um total de 3,1 milhões - será afetada por esses aumentos sucessivos até 2017.
Em resumo, esse caso lembra a velha história do bode malcheiroso colocado na sala para mostrar que sempre pode acontecer algo pior. Depois que ele é retirado, todos respiram aliviados, sem perceber que foram logrados, porque terão de suportar uma coisa apenas um pouco menos desagradável. Ou seja, o aumento proposto no projeto original de Haddad era ruim, mas com o que acabou sendo aprovado a situação melhorou muito pouco, embora o prefeito e seus aliados tenham tentado parecer conciliadores, capazes de ceder aos reclamos dos contribuintes.
Essas concessões enganadoras não livraram, evidentemente, o aumento do IPTU de seus graves vícios de origem. O primeiro, confessado pelo próprio Haddad - por inadvertência ou arrogante autossuficiência, pouco importa -, é o da sua utilização para cobrir em parte o subsídio ao serviço de ônibus, que disparou, chegando a R$ 1,6 bilhão, para garantir o congelamento da tarifa de R$ 3. Subsídio que, a julgar pelo histórico do problema, tem tudo para continuar a crescer. Não tem cabimento atualizar a PGV de olho nisso, porque não há nenhuma razão para os proprietários de imóveis ajudarem a pagar essa conta.
O segundo é a tentativa de repassar inteiramente a valorização dos imóveis para a PGV e, consequentemente, para o IPTU. Tem toda razão Jaime Vasconcelos, assessor econômico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio), quando afirma: "Não se paga imposto com valorização (de imóveis), mas com renda. E a renda das pessoas e o faturamento das empresas não cresceram nessa proporção". Alguém acredita que a renda dos proprietários cresceu tanto quanto a valorização dos imóveis que, como afirmam os defensores do aumento do IPTU, foi de 100% desde 2009, quando foi feita a última revisão da PGV? A valorização só se transforma em renda quando o proprietário vende o imóvel, e não é preciso dizer que a imensa maioria deles não vive a fazer isso. E mais: quem vende já tem de pagar Imposto de Renda sobre a valorização.
Não surpreende, por tudo isso, que nada menos que 89% dos moradores da capital tenham se declarado contra o aumento, de acordo com pesquisa feita pelo Datafolha. E que a Associação Comercial de São Paulo tenha reagido com indignação à manobra para aprovar o projeto às pressas. Segundo seu presidente, Rogério Amato, a antecipação da votação foi "um golpe", dado com o objetivo de evitar "debate e pressão democrática da sociedade".
Apesar de um recuo em relação à proposta original, o aumento - que teve por base a revisão da Planta Genérica de Valores (PGV) dos imóveis - foi considerável, muito acima da inflação e sem relação com o crescimento da renda da população.
O aumento máximo para os imóveis residenciais baixou de 30% para 20% e o dos comerciais, de 45% para 35%. O Executivo cedeu também no caso dos aposentados, que ficariam numa situação particularmente difícil. Os que ganham até quatro salários mínimos terão desconto de 50% e para os que recebem até 5 salários ele será de 30%. Continuam isentos os que ganham até 3 salários. Esse recuo, à primeira vista importante, na verdade é bem pequeno, considerando-se o quanto o atual governo vai ganhar com o IPTU até o final de seu mandato, já que o aumento não se restringe ao próximo ano.
Depois de 2014, os tetos do aumento serão de 10% para os imóveis residenciais e de 15% para os comerciais até 2017, portanto acima da inflação, que é estimada pela própria Prefeitura em 6% para cada ano. Em 2017 será feita uma nova revisão da PGV para determinar os aumentos de 2018. Praticamente metade dos proprietários de imóveis da capital (49,7%) - ou 1,5 milhão, de um total de 3,1 milhões - será afetada por esses aumentos sucessivos até 2017.
Em resumo, esse caso lembra a velha história do bode malcheiroso colocado na sala para mostrar que sempre pode acontecer algo pior. Depois que ele é retirado, todos respiram aliviados, sem perceber que foram logrados, porque terão de suportar uma coisa apenas um pouco menos desagradável. Ou seja, o aumento proposto no projeto original de Haddad era ruim, mas com o que acabou sendo aprovado a situação melhorou muito pouco, embora o prefeito e seus aliados tenham tentado parecer conciliadores, capazes de ceder aos reclamos dos contribuintes.
Essas concessões enganadoras não livraram, evidentemente, o aumento do IPTU de seus graves vícios de origem. O primeiro, confessado pelo próprio Haddad - por inadvertência ou arrogante autossuficiência, pouco importa -, é o da sua utilização para cobrir em parte o subsídio ao serviço de ônibus, que disparou, chegando a R$ 1,6 bilhão, para garantir o congelamento da tarifa de R$ 3. Subsídio que, a julgar pelo histórico do problema, tem tudo para continuar a crescer. Não tem cabimento atualizar a PGV de olho nisso, porque não há nenhuma razão para os proprietários de imóveis ajudarem a pagar essa conta.
O segundo é a tentativa de repassar inteiramente a valorização dos imóveis para a PGV e, consequentemente, para o IPTU. Tem toda razão Jaime Vasconcelos, assessor econômico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio), quando afirma: "Não se paga imposto com valorização (de imóveis), mas com renda. E a renda das pessoas e o faturamento das empresas não cresceram nessa proporção". Alguém acredita que a renda dos proprietários cresceu tanto quanto a valorização dos imóveis que, como afirmam os defensores do aumento do IPTU, foi de 100% desde 2009, quando foi feita a última revisão da PGV? A valorização só se transforma em renda quando o proprietário vende o imóvel, e não é preciso dizer que a imensa maioria deles não vive a fazer isso. E mais: quem vende já tem de pagar Imposto de Renda sobre a valorização.
Não surpreende, por tudo isso, que nada menos que 89% dos moradores da capital tenham se declarado contra o aumento, de acordo com pesquisa feita pelo Datafolha. E que a Associação Comercial de São Paulo tenha reagido com indignação à manobra para aprovar o projeto às pressas. Segundo seu presidente, Rogério Amato, a antecipação da votação foi "um golpe", dado com o objetivo de evitar "debate e pressão democrática da sociedade".
Paulistanos, tirem cópia da lista e guardem naquela gaveta em que ficam o título de eleitor e o carnê do IPTU
Reinaldo Azevedo - VEJA
Reinaldo Azevedo - VEJA
Em 2016, eleitor paulistano, você será chamado a eleger vereadores, certo? O prefeito Fernando Haddad conseguiu aprovar na Câmara a elevação escorchante do IPTU. Abaixo, vai a lista dos que votaram a favor da derrama e contra. Não precisa ser esse, é certo, seu único critério na hora de decidir o voto. Mas pode ser um deles.
Chorar o leite do IPTU
FSP
A Câmara Municipal de São Paulo enfim aprovou a proposta de aumento do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) na cidade. Foi uma vitória do prefeito Fernando Haddad (PT) e, em muitos aspectos, uma derrota da população.FSP
Segundo pesquisa Datafolha realizada na semana passada, nada menos que 89% dos paulistanos eram contrários à medida; 83% dos entrevistados afirmaram que a alta era maior do que o necessário.
Também pudera. Mesmo com a atenuação sugerida pela Câmara, o reajuste em 2014 poderá chegar a 20% para imóveis residenciais e a 35% para comerciais. De 2015 a 2017, os aumentos estarão limitados a 10% e 15%, respectivamente.
Cálculos oficiais indicam que metade dos imóveis vai pagar altas consecutivas nos próximos anos. São cerca de 1,5 milhão de contribuintes que transferirão mais recursos à prefeitura sem que tenham a ilusão --esta é a infeliz realidade-- de receber em contrapartida serviços públicos decentes.
Na prática, uma residência com IPTU de R$ 2.000 que esteja nas áreas mais valorizadas da cidade poderá pagar até R$ 3.194 em 2017; o imposto de um imóvel comercial na mesma condição poderá mais que dobrar, chegando a R$ 4.106.
Reconheça-se a necessidade de fazer revisões periódicas no IPTU; reconheça-se que a base de cálculo do imposto estava desatualizada, em especial diante da espantosa valorização imobiliária dos últimos anos; reconheça-se a relevância de ampliar a justiça tributária.
Ainda assim, sobressai a desmesura do aumento. O que moveu a prefeitura foi sobretudo a busca por mais recursos. Fosse de outra forma, a gestão Haddad talvez tivesse permitido maior discussão acerca do projeto.
Deu-se o oposto. A base do petista recebeu ordens para votar o aumento a toda a pressa. Tratava-se de evitar protestos, de derramar o leite e tornar inútil o choro.
Os vereadores, porém, resistiam --menos por convicção, mais pelo receio do impacto eleitoral. Mas a defesa do interesse dos paulistanos terminou em segundo plano. Negociações de espaço na administração e ameaças políticas contra aliados indecisos logo suplantaram os argumentos técnicos.
Ainda era pouco. Para chegar ao placar favorável, a base de Haddad antecipou a votação e recorreu até a vereadores adoecidos ou ao retorno de titulares afastados do cargo.
O mais inquietante é que dificuldade financeira não é prerrogativa da prefeitura paulistana. Se a moda pegar, todo governante pensará em sanear as contas públicas aumentando a arrecadação, e não melhorando a qualidade de seus gastos. Um retrocesso lamentável.
DÓRICAS
É assim que começa
Dora Kramer - O Estado de S. Paulo
‘No meu governo polícia não sobe morro’, anunciou na campanha de 1982 o então
candidato Leonel Brizola.
Uma vez eleito governador do Rio de Janeiro, cumpriu à risca a promessa, muito provavelmente sem saber que plantava ali a semente do terror que viria a ser imposto, ao longo das três décadas seguintes, àqueles que pretendia proteger da violência policial: os moradores das favelas na época ainda não denominadas "comunidades".
A decisão de Brizola teve respaldo na sociedade. A ditadura ainda existia, a polícia não defendia, atacava. Era agente da repressão que, embora já com menos ênfase, atuava sob a lógica do combate ao inimigo interno. Quanto mais fraco o grupo social, maior e mais truculenta a opressão.
Em linhas gerais, assim se desenhava o quadro. O problema era grave e para enfrentá-lo o governo adotou uma solução simples. E equivocada. À retirada da polícia correspondeu a ocupação gradativa dos morros pela bandidagem.
Nas favelas os criminosos atuavam como benfeitores, supriam as carências da população, que passou a vê-los como agentes da proteção. No "asfalto" também eram saudados como tal. Vistos como heróis, cobertos de glamour.
Inesquecível a fuga do traficante José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, resgatado do presídio da Ilha Grande por comparsas de helicóptero no dia 1.º de janeiro de 1986. Guardo na memória, sobretudo, a reação de júbilo de certa esquerda com o drible que a criminalidade havia dado na legalidade.
Claro que essas pessoas não pensavam no dano ao Estado de Direito (naquela ocasião, mera abstração). Achavam que estavam impondo uma derrota ao Estado autoritário, sem se dar conta da parceria nefasta que faziam.
Pois bem. Daí em diante o que se viu foi a consolidação do poder paralelo do crime nos territórios dominados pelo tráfico, com a passividade da sociedade – era uma época em que traficante convocava entrevista coletiva e merecia foto em primeira página de jornal – , leniência (muitas vezes também criminosa) da polícia e a conivência de determinados políticos que passaram a ver nos bandidos eficientes cabos eleitorais. Em pouco tempo eles eram a lei.
E o que tem a ver essa história toda com o momento atual? Descontado o fato de que o Estado não é um ente em regime de exceção, o que temos de semelhante é a condescendência no trato desses vândalos que aterrorizam as cidades sob o olhar catatônico dos governos.
Acuados que estão pela visão torta de que são heróis da resistência à ineficiência do poder público que sabe de sua culpa no cartório, mas não tem coragem nem sabedoria para distinguir direitos de deveres.
O ovo da serpente está aí. É assim que começa. Um episódio típico ocorreu nesta semana no bairro do Jaçanã, em São Paulo. O comércio fechou. Segundo moradores, depois que dois homens numa moto deram a ordem para ninguém sair na rua depois de uma hora da tarde.
Toque de recolher. Sem tirar nem pôr, o mesmo "modus operandi" dos traficantes nos territórios dominados do Rio. Exagero? Pois era assim que há alguns anos reagia boa parte dos cariocas e a quase totalidade das autoridades sempre se recusando a aceitar o que se passava debaixo de seus narizes. Por motivações variadas.
Para além de declarações formais, de reuniões e de intenções de agir conjuntamente, conviria aos governos federal e estaduais prestarem a devida atenção aos primeiros acordes e reconhecer a sinfonia.
Está em jogo o Estado de Direito. E isso requer mais que a "análise do diagnóstico" proposta pelo secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para quem não se pode "criminalizar" as manifestações sociais.
Uma vez eleito governador do Rio de Janeiro, cumpriu à risca a promessa, muito provavelmente sem saber que plantava ali a semente do terror que viria a ser imposto, ao longo das três décadas seguintes, àqueles que pretendia proteger da violência policial: os moradores das favelas na época ainda não denominadas "comunidades".
A decisão de Brizola teve respaldo na sociedade. A ditadura ainda existia, a polícia não defendia, atacava. Era agente da repressão que, embora já com menos ênfase, atuava sob a lógica do combate ao inimigo interno. Quanto mais fraco o grupo social, maior e mais truculenta a opressão.
Em linhas gerais, assim se desenhava o quadro. O problema era grave e para enfrentá-lo o governo adotou uma solução simples. E equivocada. À retirada da polícia correspondeu a ocupação gradativa dos morros pela bandidagem.
Nas favelas os criminosos atuavam como benfeitores, supriam as carências da população, que passou a vê-los como agentes da proteção. No "asfalto" também eram saudados como tal. Vistos como heróis, cobertos de glamour.
Inesquecível a fuga do traficante José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, resgatado do presídio da Ilha Grande por comparsas de helicóptero no dia 1.º de janeiro de 1986. Guardo na memória, sobretudo, a reação de júbilo de certa esquerda com o drible que a criminalidade havia dado na legalidade.
Claro que essas pessoas não pensavam no dano ao Estado de Direito (naquela ocasião, mera abstração). Achavam que estavam impondo uma derrota ao Estado autoritário, sem se dar conta da parceria nefasta que faziam.
Pois bem. Daí em diante o que se viu foi a consolidação do poder paralelo do crime nos territórios dominados pelo tráfico, com a passividade da sociedade – era uma época em que traficante convocava entrevista coletiva e merecia foto em primeira página de jornal – , leniência (muitas vezes também criminosa) da polícia e a conivência de determinados políticos que passaram a ver nos bandidos eficientes cabos eleitorais. Em pouco tempo eles eram a lei.
E o que tem a ver essa história toda com o momento atual? Descontado o fato de que o Estado não é um ente em regime de exceção, o que temos de semelhante é a condescendência no trato desses vândalos que aterrorizam as cidades sob o olhar catatônico dos governos.
Acuados que estão pela visão torta de que são heróis da resistência à ineficiência do poder público que sabe de sua culpa no cartório, mas não tem coragem nem sabedoria para distinguir direitos de deveres.
O ovo da serpente está aí. É assim que começa. Um episódio típico ocorreu nesta semana no bairro do Jaçanã, em São Paulo. O comércio fechou. Segundo moradores, depois que dois homens numa moto deram a ordem para ninguém sair na rua depois de uma hora da tarde.
Toque de recolher. Sem tirar nem pôr, o mesmo "modus operandi" dos traficantes nos territórios dominados do Rio. Exagero? Pois era assim que há alguns anos reagia boa parte dos cariocas e a quase totalidade das autoridades sempre se recusando a aceitar o que se passava debaixo de seus narizes. Por motivações variadas.
Para além de declarações formais, de reuniões e de intenções de agir conjuntamente, conviria aos governos federal e estaduais prestarem a devida atenção aos primeiros acordes e reconhecer a sinfonia.
Está em jogo o Estado de Direito. E isso requer mais que a "análise do diagnóstico" proposta pelo secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para quem não se pode "criminalizar" as manifestações sociais.
BNDES pode perder R$ 190 milhões repassados a Eike
A venda do controle de empresas de Eike Batista nos últimos meses e a garantia de outros bancos a financiamentos pelo BNDES afastaram o risco de um calote de até R$ 6 bilhões em recursos ao grupo EBX pelo banco estatal.
Mas o BNDES, que não financiou a OGX e diz ter só 0,26% dos papéis da petroleira em recuperação judicial (0,01% da carteira de ações de seu braço de participações, BNDESpar), corre risco com um grande empréstimo.
Trata-se do financiamento de R$ 190 milhões à reforma do hotel Glória, que está parada à espera da venda do empreendimento, em negociação com um grupo suíço. A operação não tem garantia de instituições privadas.
Dos R$ 6 bilhões que atuais e ex-empresas de Eike deviam ao BNDES, R$ 4 bilhões foram repassados na venda do controle da MPX (atual Eneva) ao grupo alemão E.ON.
Empréstimos para a MMX (mineração) e a LLX (logística), nas quais Eike também deixou o controle, são vistos pelo banco estatal como problemas equacionados: a dívida da MMX está sendo renegociada com os novos controladores, e a da LLX foi rolada por três anos.
Venda de firmas do grupo EBX e garantia de outros bancos afastam calote de R$ 6 bi
FSPA venda do controle de empresas de Eike Batista nos últimos meses e a garantia de outros bancos a financiamentos pelo BNDES afastaram o risco de um calote de até R$ 6 bilhões em recursos ao grupo EBX pelo banco estatal.
Mas o BNDES, que não financiou a OGX e diz ter só 0,26% dos papéis da petroleira em recuperação judicial (0,01% da carteira de ações de seu braço de participações, BNDESpar), corre risco com um grande empréstimo.
Trata-se do financiamento de R$ 190 milhões à reforma do hotel Glória, que está parada à espera da venda do empreendimento, em negociação com um grupo suíço. A operação não tem garantia de instituições privadas.
Dos R$ 6 bilhões que atuais e ex-empresas de Eike deviam ao BNDES, R$ 4 bilhões foram repassados na venda do controle da MPX (atual Eneva) ao grupo alemão E.ON.
Empréstimos para a MMX (mineração) e a LLX (logística), nas quais Eike também deixou o controle, são vistos pelo banco estatal como problemas equacionados: a dívida da MMX está sendo renegociada com os novos controladores, e a da LLX foi rolada por três anos.
Estaleiro OSX tenta levantar R$ 400 mi
Empresa de Eike quer evitar recuperação judicial, que daria calote de R$ 1 bi em empréstimos de Caixa e BNDES
A empresa naval OSX, de Eike Batista, tenta levantar até R$ 400 milhões para escapar da recuperação judicial. O destino da companhia será decidido até o início da próxima semana.
A empresa vem sendo pressionada pelos fornecedores, que estão com pagamentos em atraso e já protocolaram protestos na Justiça.
A OSX quer evitar seguir o mesmo caminho da petroleira OGX, que pediu recuperação judicial ontem. A medida provocaria um constrangimento para o governo, porque significaria um calote de R$ 1 bilhão de empréstimos dados por Caixa e BNDES.
O dinheiro novo pode vir de três fontes: uma parceria com o grupo espanhol Dragados no estaleiro localizado no porto do Açu; um empréstimo de R$ 100 milhões dos bancos Santander e Votorantim; e R$ 200 milhões da venda de um equipamento, conforme antecipou a Folha.
Votorantim e Santander garantem, respectivamente, os empréstimos de BNDES e Caixa. Os quatros bancos negociam a renovação da linha de crédito por um ano e a injeção de dinheiro novo.
Segundo apurou a reportagem, a renovação do crédito ainda não foi concluída, porque o Santander gostaria que a Caixa reduzisse um pouco o tamanho da sua garantia.
O Santander também é o responsável por aproximar a OSX da espanhola Dragados.
A situação da OSX é menos desesperadora que a da petroleira OGX, porque tem ativos valiosos, que superam o montante da dívida.
Segundo fontes próximas à companhia, se os fornecedores aceitarem negociar, as dívidas da OSX ficariam em R$ 4 bilhões. Já suas plataformas de petróleo e outros equipamentos valem um pouco mais que isso.
O problema é que a OSX precisa de tempo para vender as plataformas e pagar as dívidas. Os fornecedores menores estão protocolando processos na Justiça.
A negociação com os maiores fornecedores vem sendo dura. Um dos principais credores é a ítalo-argentina Technit, que cobra a despesa com a construção da unidade de exploração WHP-2.
A Technit quer R$ 1 bilhão de indenização, mas a OSX só reconhece R$ 300 milhões de dívida. O equipamento seria utilizado pela OGX, que desisitiu da encomenda.
A empresa também vem tentando renegociar as condições do pagamento dos seus bônus no exterior, que chegam a US$ 500 milhões.
Empresa de Eike quer evitar recuperação judicial, que daria calote de R$ 1 bi em empréstimos de Caixa e BNDES
Dinheiro novo pode vir de parceria com grupo espanhol, empréstimo de dois bancos e venda de um equipamento
RAQUEL LANDIM E RENATA AGOSTINI - FSPA empresa naval OSX, de Eike Batista, tenta levantar até R$ 400 milhões para escapar da recuperação judicial. O destino da companhia será decidido até o início da próxima semana.
A empresa vem sendo pressionada pelos fornecedores, que estão com pagamentos em atraso e já protocolaram protestos na Justiça.
A OSX quer evitar seguir o mesmo caminho da petroleira OGX, que pediu recuperação judicial ontem. A medida provocaria um constrangimento para o governo, porque significaria um calote de R$ 1 bilhão de empréstimos dados por Caixa e BNDES.
O dinheiro novo pode vir de três fontes: uma parceria com o grupo espanhol Dragados no estaleiro localizado no porto do Açu; um empréstimo de R$ 100 milhões dos bancos Santander e Votorantim; e R$ 200 milhões da venda de um equipamento, conforme antecipou a Folha.
Votorantim e Santander garantem, respectivamente, os empréstimos de BNDES e Caixa. Os quatros bancos negociam a renovação da linha de crédito por um ano e a injeção de dinheiro novo.
Segundo apurou a reportagem, a renovação do crédito ainda não foi concluída, porque o Santander gostaria que a Caixa reduzisse um pouco o tamanho da sua garantia.
O Santander também é o responsável por aproximar a OSX da espanhola Dragados.
A situação da OSX é menos desesperadora que a da petroleira OGX, porque tem ativos valiosos, que superam o montante da dívida.
Segundo fontes próximas à companhia, se os fornecedores aceitarem negociar, as dívidas da OSX ficariam em R$ 4 bilhões. Já suas plataformas de petróleo e outros equipamentos valem um pouco mais que isso.
O problema é que a OSX precisa de tempo para vender as plataformas e pagar as dívidas. Os fornecedores menores estão protocolando processos na Justiça.
A negociação com os maiores fornecedores vem sendo dura. Um dos principais credores é a ítalo-argentina Technit, que cobra a despesa com a construção da unidade de exploração WHP-2.
A Technit quer R$ 1 bilhão de indenização, mas a OSX só reconhece R$ 300 milhões de dívida. O equipamento seria utilizado pela OGX, que desisitiu da encomenda.
A empresa também vem tentando renegociar as condições do pagamento dos seus bônus no exterior, que chegam a US$ 500 milhões.
OGX, de Eike, faz pedido bilionário de recuperação judicial
Caso é o maior do tipo na América Latina; se Justiça acatar, petroleira ficará protegida de pedidos de falência
A petroleira OGX, de Eike Batista, protocolou na tarde de ontem seu pedido de recuperação judicial, o maior já feito na América Latina. As dívidas da empresa chegam a R$ 11,2 bilhões.
O caso será julgado por Gilberto Matos, juiz da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. Se o pedido for aceito, a OGX ficará protegida de medidas judiciais dos credores.
A empresa tem 60 dias para apresentar seu plano aos credores. O processo inteiro deve demorar seis meses (veja cronograma na pág. B6).
A OGX gastou R$ 10 bilhões perfurando mais de 120 poços na "maior campanha exploratória privada da história do Brasil". No documento entregue à Justiça, reconhece que comprou equipamentos para explorar poços que se revelaram comercialmente inviáveis. "O petróleo recuperável nem de longe confirmava as perspectivas."
A recuperação judicial da petroleira representa o fim do "sonho" de Eike, que havia previsto que se tornaria o homem mais rico do mundo. Em março de 2012, chegou a 7º na lista dos maiores bilionários globais. O empresário perdeu US$ 30 bilhões desde então e não integra mais o ranking.
DÍVIDAS
A OGX não tem dívidas com bancos e funcionários. Seus passivos estão divididos entre detentores dos bônus no exterior (R$ 8,1 bilhões), fornecedores (R$ 720 milhões) e a OSX (R$ 2,38 bilhões). A petroleira contesta R$ 1,6 bilhão da dívida com a OSX, estaleiro do grupo EBX.
No total, a empresa teve prejuízo R$ 3,6 bilhões com o desenvolvimento e a exploração dos campos Tubarão Azul, Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão Areia. Em julho deste ano, desistiu de investir nesses campos. A companhia mantém suas esperanças em Tubarão Martelo.
A recuperação da OGX coloca em xeque os investimentos de centenas de acionistas minoritários, que acreditaram no otimismo de Eike. Ontem, as ações da empresa, cuja negociação será suspensa em breve, fecharam em R$ 0,17. No pico, em 15 de outubro de 2010, valiam R$ 23,27.
A OGX diz que a exploração de petróleo é de "altíssimo risco" e que "sempre" informou isso aos minoritários.
Caso é o maior do tipo na América Latina; se Justiça acatar, petroleira ficará protegida de pedidos de falência
Dívidas da empresa chegam a R$ 11,2 bi; preço da ação caiu 99% desde seu pico, em outubro de 2010
RAQUEL LANDIM e RENATA AGOSTINI - FSPA petroleira OGX, de Eike Batista, protocolou na tarde de ontem seu pedido de recuperação judicial, o maior já feito na América Latina. As dívidas da empresa chegam a R$ 11,2 bilhões.
O caso será julgado por Gilberto Matos, juiz da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. Se o pedido for aceito, a OGX ficará protegida de medidas judiciais dos credores.
A empresa tem 60 dias para apresentar seu plano aos credores. O processo inteiro deve demorar seis meses (veja cronograma na pág. B6).
A OGX gastou R$ 10 bilhões perfurando mais de 120 poços na "maior campanha exploratória privada da história do Brasil". No documento entregue à Justiça, reconhece que comprou equipamentos para explorar poços que se revelaram comercialmente inviáveis. "O petróleo recuperável nem de longe confirmava as perspectivas."
A recuperação judicial da petroleira representa o fim do "sonho" de Eike, que havia previsto que se tornaria o homem mais rico do mundo. Em março de 2012, chegou a 7º na lista dos maiores bilionários globais. O empresário perdeu US$ 30 bilhões desde então e não integra mais o ranking.
DÍVIDAS
A OGX não tem dívidas com bancos e funcionários. Seus passivos estão divididos entre detentores dos bônus no exterior (R$ 8,1 bilhões), fornecedores (R$ 720 milhões) e a OSX (R$ 2,38 bilhões). A petroleira contesta R$ 1,6 bilhão da dívida com a OSX, estaleiro do grupo EBX.
No total, a empresa teve prejuízo R$ 3,6 bilhões com o desenvolvimento e a exploração dos campos Tubarão Azul, Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão Areia. Em julho deste ano, desistiu de investir nesses campos. A companhia mantém suas esperanças em Tubarão Martelo.
A recuperação da OGX coloca em xeque os investimentos de centenas de acionistas minoritários, que acreditaram no otimismo de Eike. Ontem, as ações da empresa, cuja negociação será suspensa em breve, fecharam em R$ 0,17. No pico, em 15 de outubro de 2010, valiam R$ 23,27.
A OGX diz que a exploração de petróleo é de "altíssimo risco" e que "sempre" informou isso aos minoritários.
Calote da OGX será teste para mercados de dívida de empresas latino-americanas
VIVIANNE RODRIGUES - "FINANCIAL TIMES"
No Brasil, credores e parceiros de negócios de Eike estão correndo para proteger seus interesses. Mas, nos EUA e na Europa, os investidores em ativos latino-americanos de renda fixa têm de encarar outra questão: será que o naufrágio do império X arrastará outros títulos da região?
No mercado de títulos empresariais latino-americanos, estouros como o da OGX costumavam ser telegrafados com muita antecedência e tinham impacto muito local.
Mas os últimos 12 meses foram diferentes. Os títulos latino-americanos estão sob pressão em meio a uma onda de venda de papéis de emergentes, antecipando o fim do programa de estímulo do Fed.
O número de falências e concordatas empresariais disparou na região, com duas quebras importantes entre as construtoras residenciais mexicanas. O Brasil, especialmente, teve de encarar uma trinca de más notícias: desaceleração econômica, alta na inflação e onda de protestos.
Como resultado, os preços dos papéis do país ficaram abaixo do dos rivais emergentes. Na terça, os títulos latino-americanos com classificações favoráveis tinham retorno negativo de 3,3%/ano, ante 1% negativo para a média de mercados emergentes com classificação semelhante, de acordo com o JPMorgan.
Longe de causar rejeição, porém, a combinação entre queda de preços e concordata da OGX pode atrair nova onda de compradores, dizem operadores e investidores.
As maiores empresas do Brasil, da Colômbia e do Peru foram capazes de captar dinheiro e continuarão sendo, dizem analistas. Neste ano, novas ofertas de títulos de empresas como Petrobras (Brasil) Pemex (México) e a mineradora estatal de cobre Codelco (Chile) ajudaram a elevar as emissões a 4% mais que o volume vendido no mesmo período de 2012. Não há sinal de recuo até dezembro.
Ainda assim, os investidores não devem desconsiderar as lições que a queda da OGX oferece, diz Michael Roche, estrategista de mercados emergentes no Seaport Group.
"Os investidores agiram prematuramente ao fornecer capital à companhia. E nem todos os números eram claros", diz. "Os mesmos erros voltarão a ser cometidos."
VIVIANNE RODRIGUES - "FINANCIAL TIMES"
No Brasil, credores e parceiros de negócios de Eike estão correndo para proteger seus interesses. Mas, nos EUA e na Europa, os investidores em ativos latino-americanos de renda fixa têm de encarar outra questão: será que o naufrágio do império X arrastará outros títulos da região?
No mercado de títulos empresariais latino-americanos, estouros como o da OGX costumavam ser telegrafados com muita antecedência e tinham impacto muito local.
Mas os últimos 12 meses foram diferentes. Os títulos latino-americanos estão sob pressão em meio a uma onda de venda de papéis de emergentes, antecipando o fim do programa de estímulo do Fed.
O número de falências e concordatas empresariais disparou na região, com duas quebras importantes entre as construtoras residenciais mexicanas. O Brasil, especialmente, teve de encarar uma trinca de más notícias: desaceleração econômica, alta na inflação e onda de protestos.
Como resultado, os preços dos papéis do país ficaram abaixo do dos rivais emergentes. Na terça, os títulos latino-americanos com classificações favoráveis tinham retorno negativo de 3,3%/ano, ante 1% negativo para a média de mercados emergentes com classificação semelhante, de acordo com o JPMorgan.
Longe de causar rejeição, porém, a combinação entre queda de preços e concordata da OGX pode atrair nova onda de compradores, dizem operadores e investidores.
As maiores empresas do Brasil, da Colômbia e do Peru foram capazes de captar dinheiro e continuarão sendo, dizem analistas. Neste ano, novas ofertas de títulos de empresas como Petrobras (Brasil) Pemex (México) e a mineradora estatal de cobre Codelco (Chile) ajudaram a elevar as emissões a 4% mais que o volume vendido no mesmo período de 2012. Não há sinal de recuo até dezembro.
Ainda assim, os investidores não devem desconsiderar as lições que a queda da OGX oferece, diz Michael Roche, estrategista de mercados emergentes no Seaport Group.
"Os investidores agiram prematuramente ao fornecer capital à companhia. E nem todos os números eram claros", diz. "Os mesmos erros voltarão a ser cometidos."
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Em meio ao desespero, índios americanos buscam consolo em Igreja Mórmon
Nora Kaibetoney junta pedaços de milho seco para preparar prato típico dos navajo. Ela está entre os índios de sua etnia que buscam alento na Igreja Mórmon em tempos de desespero
Linda Smith perdeu um filho viciado em metanfetamina, quando ele se enforcou na prisão. Seus outros filhos são alcoólatras, cujo pai ela disse que quase a matou certa noite em um acesso de raiva, a expulsando de casa neste canto da reserva navajo em Provo, Utah, onde ela encontrou consolo na Igreja Mórmon.
A narrativa de Smith é cada vez mais comum nesta reserva, onde o desemprego é excessivo, a violência doméstica é comum e o álcool costuma ser usado como antídoto para dores de cabeça e dificuldades. Em uma terra perturbada por disfunção e desespero, um número crescente de navajos está procurando a Igreja Mórmon.
Para atrair seguidores, Larry Justice, um homem branco que é presidente da Tuba City Stake, seguiu o exemplo das vidas dos ancestrais navajos e deu início a um programa de horticultura para ensinar às pessoas como viverem da terra.
Ele e um punhado de voluntários da igreja ensinam técnicas de horticultura, distribuindo sementes e um terreno para plantio atrás da igreja aqui. O programa começou com 25 hortas há quatro anos, cada uma plantada pelos navajos ao lado de suas casas. Havia 1.800 hortas no mês passado e até o ano que vem outras 500 serão criadas em Tuba City e nas comunidades ao redor, disse Justice.
Os participantes aprendem como fertilizar o solo, ressequido por anos de seca. Eles aprendem a construir cercas para manter afastados os animais que vagueiam pelas terras. Eles aprendem o que colher e quando: melões e uvas no verão, abóbora e repolho no outono.
A Igreja Mórmon está expandindo em um ritmo constante, principalmente na Ásia e na América Latina, onde, segundo Justice, há planos para introdução de um programa de horticultura para os povos indígenas da região, usando lições de agricultura de subsistência como abertura para a Igreja. A Igreja contava com 3 milhões de fieis em todo o mundo em 1971. Hoje são 15 milhões, com aproximadamente um quarto deles na América do Sul, segundo estatísticas da Igreja. Seu exército de missionários aumentou 37% desde outubro passado, depois que a Igreja reduziu sua exigência de idade mínima.
Como dizem os convertidos aqui na reserva, tornar-se mórmon os reaproximou dos valores navajos fundamentais de caridade, camaradagem e respeito pela terra.
Há um sentimento de "reconexão com nossas tradições", como explicou Nora Kaibetoney em navajo por meio de um intérprete – apesar do mormonismo frequentemente os compelir a abandonar os rituais que há muito definiam sua identidade, como a cerimônia de cura do curandeiro ou a limpeza nas saunas.
"Na cultura navajo, as coisas mais importantes que temos são a vida e nossa família", disse Linda Smith, 64, a filha de um mensageiro de código navajo e uma espécie de diagnosticador. Ela foi batizada como mórmon no colégio.
A conversão, ela disse, "não se tratou de dar as costas e abraçar uma tradição totalmente diferente; foi uma reconexão".
Os índios americanos têm histórias complicadas com as seitas cristãs que realizaram trabalho missionário entre eles, inclusive a Igreja Mórmon, conhecida formalmente como Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. No Ocidente, onde os mórmons migraram durante o século 19 para fugir da perseguição, eles e os navajos cultivaram juntos a terra e também lutaram por ela, em uma relação definida por períodos alternados de cooperação e conflito.
O que diferencia os mórmons de outros grupos missionários é o papel que eles atribuem aos índios americanos em suas escrituras sagradas como descendentes dos lamanitas – não fiéis rebeldes cuja conversão poderia ajudar os mórmons a construírem o reino de Deus na terra.
"Há esse senso paradoxal no qual os lamanitas são tanto um povo rebelde e perverso, mas também a chave para a consumação da história, de modo que são atores centrais no drama das escrituras mórmons", disse Peter J. Thuesen, presidente do departamento de estudos religiosos da Universidade de Indiana-Universidade de Purdue, em Indianapolis, cuja pesquisa explora o papel do mormonismo na cultura americana. "Nenhuma outra forma de cristianismo dá aos povos nativos um lugar semelhante em sua história."
Nas pinturas que adornam a igreja em Tuba City, uma estrutura que se destaca devido aos lares modestos que a cercam, os índios americanos escutam enquanto Jesus prega para eles. Segundo a crença mórmon, os índios foram as primeiras pessoas para as quais ele pregou quando veio para as Américas após sua ressurreição.
A conexão é uma das formas pela quais a Igreja atrai pessoas como Wayne Smith, com quem Linda Smith se casou no ano passado na igreja.
Um ferreiro aposentado, Wayne Smith, 52, está entre os dezenas de milhares de índios americanos, a maioria deles navajo, que foram recrutados na infância para morarem em lares mórmons adotivos fora da reserva, sob um programa contencioso que promovia uma forma de dar as crianças uma oportunidade de bom ensino – mas que as removia de sua cultura nativa.
O programa começou enquanto os soldados voltavam para a reserva após a Segunda Guerra Mundial, uma época de "colapso profundo da comunidade", disse Laurie F. Maffly-Kipp, um professor ilustre de ciências humanas do Centro John C. Danforth para Religião e Política da Universidade de Washington, em Saint Louis.
Para os pais, a proibição do álcool pelos mórmons e a ênfase em um estilo de vida comedido contrastam enormemente da dura realidade da vida na reserva, e entregar as crianças era visto como "a forma mais realista de lhes dar uma oportunidade", disse Maffly-Kipp.
Smith lembrou que o programa lhe deu um senso de autoestima.
"Ali estava um grupo externo de pessoas me dizendo que eu não era apenas uma pessoa pobre", ele disse, "mas sim que eu tinha uma grande herança, que eu tenho potencial".
Justice e os missionários que percorrem as estradas de terra daqui estão trabalhando para divulgar a mensagem, batendo de porta em porta e oferecendo orações. Os encontros deles geralmente incluem um convite: venha à igreja no domingo para saber mais.
"O lance a nosso respeito", disse Justice, se referindo ao seu rebanho, "é que cuidamos uns dos outros".
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Diego Robles/NYT
Nora Kaibetoney junta pedaços de milho seco para preparar prato típico dos navajo. Ela está entre os índios de sua etnia que buscam alento na Igreja Mórmon em tempos de desespero
Linda Smith perdeu um filho viciado em metanfetamina, quando ele se enforcou na prisão. Seus outros filhos são alcoólatras, cujo pai ela disse que quase a matou certa noite em um acesso de raiva, a expulsando de casa neste canto da reserva navajo em Provo, Utah, onde ela encontrou consolo na Igreja Mórmon.
A narrativa de Smith é cada vez mais comum nesta reserva, onde o desemprego é excessivo, a violência doméstica é comum e o álcool costuma ser usado como antídoto para dores de cabeça e dificuldades. Em uma terra perturbada por disfunção e desespero, um número crescente de navajos está procurando a Igreja Mórmon.
O número de fiéis na igreja de Tuba City Stake, que cobre 240 quilômetros das terras Navajo e Hopi, aumentou 25% desde 2008, enquanto outras igrejas ao redor passam por dificuldades. A Paróquia de São Judas, a única presença católica romana nesta cidade, sobrevive em grande parte devido aos fiéis filipinos, trazidos para cá para lecionar nas escolas públicas locais. Em setembro, a diocese católica de Gallup, Novo México, que atende a Nação Navajo e seis outras reservas, pediu concordata devido às despesas crescentes da defesa contra as acusações de abuso sexual pelo clero.
Ele e um punhado de voluntários da igreja ensinam técnicas de horticultura, distribuindo sementes e um terreno para plantio atrás da igreja aqui. O programa começou com 25 hortas há quatro anos, cada uma plantada pelos navajos ao lado de suas casas. Havia 1.800 hortas no mês passado e até o ano que vem outras 500 serão criadas em Tuba City e nas comunidades ao redor, disse Justice.
Os participantes aprendem como fertilizar o solo, ressequido por anos de seca. Eles aprendem a construir cercas para manter afastados os animais que vagueiam pelas terras. Eles aprendem o que colher e quando: melões e uvas no verão, abóbora e repolho no outono.
"Os avós deles sabiam plantar. Os pais deles esqueceram. Nós estamos trabalhando para assegurar que os jovens aprendam", disse Justice enquanto escoltava os visitantes pela igreja, que estava tão lotada em um domingo recente que uma divisória foi removida para dar espaço para mais cadeiras. "É importante ensinar nosso povo a ser autossuficiente."
Como dizem os convertidos aqui na reserva, tornar-se mórmon os reaproximou dos valores navajos fundamentais de caridade, camaradagem e respeito pela terra.
Há um sentimento de "reconexão com nossas tradições", como explicou Nora Kaibetoney em navajo por meio de um intérprete – apesar do mormonismo frequentemente os compelir a abandonar os rituais que há muito definiam sua identidade, como a cerimônia de cura do curandeiro ou a limpeza nas saunas.
"Na cultura navajo, as coisas mais importantes que temos são a vida e nossa família", disse Linda Smith, 64, a filha de um mensageiro de código navajo e uma espécie de diagnosticador. Ela foi batizada como mórmon no colégio.
A conversão, ela disse, "não se tratou de dar as costas e abraçar uma tradição totalmente diferente; foi uma reconexão".
Os índios americanos têm histórias complicadas com as seitas cristãs que realizaram trabalho missionário entre eles, inclusive a Igreja Mórmon, conhecida formalmente como Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. No Ocidente, onde os mórmons migraram durante o século 19 para fugir da perseguição, eles e os navajos cultivaram juntos a terra e também lutaram por ela, em uma relação definida por períodos alternados de cooperação e conflito.
O que diferencia os mórmons de outros grupos missionários é o papel que eles atribuem aos índios americanos em suas escrituras sagradas como descendentes dos lamanitas – não fiéis rebeldes cuja conversão poderia ajudar os mórmons a construírem o reino de Deus na terra.
"Há esse senso paradoxal no qual os lamanitas são tanto um povo rebelde e perverso, mas também a chave para a consumação da história, de modo que são atores centrais no drama das escrituras mórmons", disse Peter J. Thuesen, presidente do departamento de estudos religiosos da Universidade de Indiana-Universidade de Purdue, em Indianapolis, cuja pesquisa explora o papel do mormonismo na cultura americana. "Nenhuma outra forma de cristianismo dá aos povos nativos um lugar semelhante em sua história."
Nas pinturas que adornam a igreja em Tuba City, uma estrutura que se destaca devido aos lares modestos que a cercam, os índios americanos escutam enquanto Jesus prega para eles. Segundo a crença mórmon, os índios foram as primeiras pessoas para as quais ele pregou quando veio para as Américas após sua ressurreição.
A conexão é uma das formas pela quais a Igreja atrai pessoas como Wayne Smith, com quem Linda Smith se casou no ano passado na igreja.
Um ferreiro aposentado, Wayne Smith, 52, está entre os dezenas de milhares de índios americanos, a maioria deles navajo, que foram recrutados na infância para morarem em lares mórmons adotivos fora da reserva, sob um programa contencioso que promovia uma forma de dar as crianças uma oportunidade de bom ensino – mas que as removia de sua cultura nativa.
O programa começou enquanto os soldados voltavam para a reserva após a Segunda Guerra Mundial, uma época de "colapso profundo da comunidade", disse Laurie F. Maffly-Kipp, um professor ilustre de ciências humanas do Centro John C. Danforth para Religião e Política da Universidade de Washington, em Saint Louis.
Para os pais, a proibição do álcool pelos mórmons e a ênfase em um estilo de vida comedido contrastam enormemente da dura realidade da vida na reserva, e entregar as crianças era visto como "a forma mais realista de lhes dar uma oportunidade", disse Maffly-Kipp.
Smith lembrou que o programa lhe deu um senso de autoestima.
"Ali estava um grupo externo de pessoas me dizendo que eu não era apenas uma pessoa pobre", ele disse, "mas sim que eu tinha uma grande herança, que eu tenho potencial".
Justice e os missionários que percorrem as estradas de terra daqui estão trabalhando para divulgar a mensagem, batendo de porta em porta e oferecendo orações. Os encontros deles geralmente incluem um convite: venha à igreja no domingo para saber mais.
"O lance a nosso respeito", disse Justice, se referindo ao seu rebanho, "é que cuidamos uns dos outros".
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Supremo da Argentina sugere que Clarín corte pessoal para se manter
Tribunal declarou constitucional Lei de Mídia, que obrigará grupo a se desfazer de licenças de TV e rádio
A sentença do Supremo argentino que declarou constitucional a Lei de Mídia do país, encerrando a batalha de quatro anos entre Clarín e governo, rechaça um dos principais argumentos do grupo: o de que ele não conseguiria se sustentar financeiramente.
E sugere medidas para que o conglomerado consiga se manter ao ser obrigado a se desfazer de algumas de suas várias licenças de rádio e TV: cortar pessoal e elevar tarifas.
Na sentença, a corte diz que a realidade na Argentina mostra que muitos meios de pequeno e médio porte operam sem inconvenientes.
"Caberia [ao Clarín] se perguntar como é possível que outros grupos que não excedem esse limite de licenças resultem economicamente sustentáveis", diz o texto.
Pela Lei de Mídia, o Clarín não poderá ter emissoras de TV e rádio ao mesmo tempo que é provedor de TV a cabo e internet. Uma das maiores fontes de faturamento do grupo é a Cablevisión, que oferece os dois últimos serviços.
Se optar por continuar com a empresa, o Clarín terá que reduzir sua cobertura de 59% para 35% da população argentina. E, nas cidades de Buenos Aires e Córdoba, por exemplo, abrir mão dos canais abertos de TV 13 e 12.
O Clarín ainda não informou seu plano de desinvestimento e disse que recorrerá nos tribunais internacionais.
Segundo advogados, o grupo poderá repartir as empresas entre os quatro sócios majoritários ou os controladores poderão passar a herdeiros as suas principais licenças.
O Clarín na Argentina é proporcionalmente maior que as Organizações Globo no Brasil, na comparação com os PIBs dos respectivos países.
Tribunal declarou constitucional Lei de Mídia, que obrigará grupo a se desfazer de licenças de TV e rádio
Meios de porte menor operam sem problemas, afirma sentença; Clarín promete recorrer a cortes internacionais
LÍGIA MESQUITA - FSPA sentença do Supremo argentino que declarou constitucional a Lei de Mídia do país, encerrando a batalha de quatro anos entre Clarín e governo, rechaça um dos principais argumentos do grupo: o de que ele não conseguiria se sustentar financeiramente.
E sugere medidas para que o conglomerado consiga se manter ao ser obrigado a se desfazer de algumas de suas várias licenças de rádio e TV: cortar pessoal e elevar tarifas.
Na sentença, a corte diz que a realidade na Argentina mostra que muitos meios de pequeno e médio porte operam sem inconvenientes.
"Caberia [ao Clarín] se perguntar como é possível que outros grupos que não excedem esse limite de licenças resultem economicamente sustentáveis", diz o texto.
Pela Lei de Mídia, o Clarín não poderá ter emissoras de TV e rádio ao mesmo tempo que é provedor de TV a cabo e internet. Uma das maiores fontes de faturamento do grupo é a Cablevisión, que oferece os dois últimos serviços.
Se optar por continuar com a empresa, o Clarín terá que reduzir sua cobertura de 59% para 35% da população argentina. E, nas cidades de Buenos Aires e Córdoba, por exemplo, abrir mão dos canais abertos de TV 13 e 12.
O Clarín ainda não informou seu plano de desinvestimento e disse que recorrerá nos tribunais internacionais.
Segundo advogados, o grupo poderá repartir as empresas entre os quatro sócios majoritários ou os controladores poderão passar a herdeiros as suas principais licenças.
O Clarín na Argentina é proporcionalmente maior que as Organizações Globo no Brasil, na comparação com os PIBs dos respectivos países.
Esperanças alemãs para centenário da 1ª Guerra Mundial podem ser frustradas
David Crossland - Der Spiegel
Reprodução/I5tube
Em 22 de abril de 1915, perto da cidade belga de Ypres, a Alemanha usou 180 toneladas de ácido clorídrico contra as tropas inimigas
Tyne Cot é o maior cemitério de guerra britânico e da Comunidade Britânica, com 11.956 sepulturas, 8.369 delas com combatentes não identificados. Muitos dos homens aqui enterrados foram mortos na batalha de Passchendaele que ocorreu sob chuva, em 1917, quando a área em torno de Ypres tornou-se um lamaçal fedorento, e os homens feridos escorregavam das estruturas de madeira e desapareciam na lama.
Os soldados enterrados em Tyne Cot não descansaram em paz neste ano. Trabalhadores equipados com geradores rugindo e ferramentas pneumáticas de gravação remarcaram e substituíram milhares de lápides aqui e em cemitérios britânicos na Bélgica e na França, em preparação para o esperado aumento no número de visitantes por ocasião do centenário do início da Primeira Guerra Mundial no ano que vem.
"Nossos cemitérios e memoriais são lugares muito fortes, especialmente para os jovens", disse Peter Francis, porta-voz da Comissão de Sepulturas de Guerra da Comunidade Britânica. "Com a chegada do centenário, queremos garantir que nossos locais de visitação estejam prontos para todo esse período de quatro anos".
O mundo está se preparando para comemorar o início da guerra que moldou o século passado, matou 16 milhões de pessoas e tornou-se sinônimo de perda inútil de vida e o início da guerra industrial, onde o indivíduo não era nada diante da artilharia, metralhadoras, gás venenoso, lança-chamas, tanques e lama.
Mas as esperanças de que o centenário vai resultar em uma memória verdadeiramente conjunta da guerra podem ser frustradas. Cada nação está preocupada com suas próprias cerimônias, e a Alemanha atualmente não tem nenhum plano firmado.
O Reino Unido anunciou um programa de 50 milhões de libras (em torno de R$ 170 milhões) em eventos para marcar o centenário de momentos históricos, incluindo a Batalha do Somme em 1916, a Batalha naval de Jutland em 1916 e o armistício de 1918. A Austrália está gastando uma quantia similar. A França, cortada pela maior parte dos 700 km da Frente Ocidental, está realizando uma série de projetos e exposições e, em 2011, abriu o Museu da Grande Guerra, em Meaux, perto de Paris, com um investimento de $ 28 milhões de euros.
"Dada a natureza global e a natureza complexa do evento que ocorreu há um século, há em cada país uma diversidade de experiências e sentimentos", acrescentou a autoridade. "Cada nação tem o direito a sua própria abordagem. No entanto, percebemos uma grande vontade e empenho de fortalecer as pontes entre os nossos povos, por ocasião do centenário".
A Universidade Livre de Berlim e a Biblioteca Estadual da Baviera lançaram o maior projeto de pesquisa internacional sobre a guerra, e o Museu Histórico Alemão em Berlim está planejando uma grande exposição no próximo ano. Mas o país não está se preparando para grandes cerimônias públicas de memória nacional.
"Para nós, tudo é secundário à Segunda Guerra Mundial e o regime nazista, que domina as memórias das pessoas", disse Fritz Kirchmeier, porta-voz da comissão alemã de sepulturas de guerra.
Kirchmeier disse que o centenário é uma oportunidade para a Europa encontrar uma forma unificada de relembrar a guerra. "A guerra não nos divide tanto quanto a Segunda Guerra Mundial e a tirania nazista; ela não polariza tanto. Não foi marcada por crimes de guerra como a Segunda Guerra Mundial", disse ele. "Pode-se superar as perspectivas nacionais e olhar para as perdas sofridas pelo outro lado. Por exemplo, se você vai ler os nomes dos mortos, por que não ler os nomes de alemães, britânicos, italianos ou russos todos juntos?"
É uma sugestão louvável. Mas há um risco de que a Europa, em meio a todas as promessas de cerimônias comuns, perca essa oportunidade. Há pouco sentido no momento para um objetivo compartilhado por trás dos preparativos.
Qual poderia ser esse objetivo? Reconciliação? Isso já foi alcançado.
Qual seria a ideia? Transmitir uma mensagem de que a Europa, unida pela memória das guerras que a devastaram, compartilha um destino comum e deve continuar a unida? O momento não é para isso. A crise do euro colocou a solidariedade entre os países europeus sob forte tensão. Além disso, a nova geração de líderes que não têm experiência de guerra já não encarna um elo entre o passado sangrento e necessidade de união de hoje.
O ex-chanceler Helmut Kohl, que ajudou a tirar as pessoas mortas dos escombros de bombardeios aliados quando era menino em Ludwigshafen, na Segunda Guerra Mundial, muitas vezes citou a integração europeia como a chave para a paz duradoura. Seu lema era que os litígios antes resolvidos nos campos de batalha agora são resolvidos nas salas de conferência em Bruxelas.
Ele e o presidente francês François Mitterrand fizeram um poderoso gesto de reconciliação e união em 1984, quando deram as mãos durante uma cerimônia em um cemitério de guerra em Verdun, o local de uma das batalhas mais sangrentas da Primeira Guerra Mundial.
O governo alemão gostaria que as cerimônias do ano que vem transmitissem uma mensagem similar.
"Não devemos esquecer o incrível sofrimento que este cataclismo significou para toda uma geração", disse a autoridade. "Queremos salientar a grande conquista da reconciliação na Europa. A maior cooperação e integração na Europa provou ser o caminho certo para sair das sombras escuras da primeira metade do século 20".
No entanto, muitos europeus hoje assumem a paz como um dado garantido. E provavelmente as cerimônias não influenciarão os críticos de uma maior integração.
"Algumas pessoas, especialmente na Europa, vão tentar usar o centenário como uma ocasião para transmitir uma mensagem política moderna", disse o historiador britânico Max Hastings ao "Spiegel Online".
"Mas, pessoalmente, eu pensaria que a mensagem óbvia é que as guerras da Europa foram uma catástrofe para a Europa e não devemos jamais permitir que voltem a acontecer", Hastings continuou. "Eu acho que a maioria dos britânicos iria resistir fortemente a qualquer ideia de ir mais longe e dizer que isso significa maior integração europeia. Politicamente, seria uma batata muito quente no Reino Unido".
Na verdade, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, está sob pressão para lidar com o crescente ceticismo britânico em relação à UE e arrancar algumas concessões de líderes do continente antes do referendo sobre a adesão do Reino Unido à UE em 2017.
Hastings disse que as memórias nacionais obrigatoriamente são muito diferentes. "Na França, essa foi a experiência mais traumática do século 20; algumas partes do país foram devastadas, e 1,5 milhão de pessoas morreram, muito mais do que os britânicos. Nosso país escapou mais ou menos incólume, embora, evidentemente, os britânicos também tenham sofrido muitas baixas".
"Quanto à Alemanha, duvido muito que seja possível chegar a uma visão compartilhada", disse Hastings. "Enquanto a maioria dos alemães aceita a responsabilidade alemã pela Segunda Guerra Mundial, a maior parte hoje acredita que a Primeira Guerra Mundial não foi culpa sua. Alguns de nós historiadores acreditamos que, embora nenhuma nação tenha toda a responsabilidade, a Alemanha era a única nação que em julho de 1914 tinha o poder de evitar uma guerra e optou por não exercê-lo".
"As lideranças alemães e austríacas não queriam a guerra, mas arriscaram, jogaram um jogo perigoso", diz o professor Oliver Janz, historiador alemão na Universidade Livre de Berlim, que está a cargo do "1914-1918 On-line", o maior projeto de pesquisa internacional da Primeira Guerra Mundial, que é a compilação de uma enciclopédia em inglês online que deve entrar em operação em outubro de 2014.
Janz, autor do livro recém-publicado "14", disse que, embora a memória pública provavelmente continue segregada por país, as pesquisas já estão chegando a uma visão transnacional.
"Tentamos ver a coisa de uma perspectiva verdadeiramente global, do ponto de vista japonês, sul-africano, latino-americano; temos seções separadas para cada uma dessas regiões e também para países neutros. Estamos tentando reunir as várias perspectivas de cada nação e também chegar a uma imagem comum."
Uma rede de 800 historiadores estará envolvida, e a enciclopédia terá 15 mil páginas de texto, bem como fotos e imagens de vídeo.
"Minha impressão é que temos uma chance de chegar a uma visão transnacional da guerra porque hoje há uma distância suficiente para isso. Nenhum dos combatentes está vivo", diz Janz. "Mas é preciso esforço para se atingir uma perspectiva europeia comum. As pessoas estão acostumadas com a suas respectivas perspectivas nacionais".
Não há nenhum sinal até agora de que o centenário terá qualquer tom de vitória das nações que ganharam a guerra. E ninguém deve discutir o fato que o centenário oferece uma oportunidade para explicar como a guerra aconteceu e seu enorme impacto sobre o século passado.
"A nossa ambição é que muito mais gente passe a ver que não se pode entender o mundo de hoje a menos que se entenda as causas, o curso e as consequências da Primeira Guerra Mundial", disse Diane Lees, Diretora do Museu Imperial da Guerra do Reino Unido.
Do ponto de vista de hoje, é um desafio entender como os países se permitiram ser manobrados de forma que gerações inteiras de homens fossem abatidos em batalhas por alguns quilômetros, às vezes até alguns metros, de território, por quatro anos sem fim.
Esta talvez seja a melhor oportunidade de alcançar uma forma comum de recordação europeia: o sofrimento do soldado comum, um tema primordial da guerra e que foi o mesmo em todos os lados.
Neste sentido, a localização de um dos eventos de abertura do centenário parece particularmente adequada: será realizada no dia 4 de agosto no Cemitério Militar Britânico de St. Symphorien em Mons, na Bélgica, onde um número igual de soldados britânicos e alemães descansa lado a lado.
Tradução: Deborah Weinberg
Em 22 de abril de 1915, perto da cidade belga de Ypres, a Alemanha usou 180 toneladas de ácido clorídrico contra as tropas inimigas
Tyne Cot é o maior cemitério de guerra britânico e da Comunidade Britânica, com 11.956 sepulturas, 8.369 delas com combatentes não identificados. Muitos dos homens aqui enterrados foram mortos na batalha de Passchendaele que ocorreu sob chuva, em 1917, quando a área em torno de Ypres tornou-se um lamaçal fedorento, e os homens feridos escorregavam das estruturas de madeira e desapareciam na lama.
Os soldados enterrados em Tyne Cot não descansaram em paz neste ano. Trabalhadores equipados com geradores rugindo e ferramentas pneumáticas de gravação remarcaram e substituíram milhares de lápides aqui e em cemitérios britânicos na Bélgica e na França, em preparação para o esperado aumento no número de visitantes por ocasião do centenário do início da Primeira Guerra Mundial no ano que vem.
"Nossos cemitérios e memoriais são lugares muito fortes, especialmente para os jovens", disse Peter Francis, porta-voz da Comissão de Sepulturas de Guerra da Comunidade Britânica. "Com a chegada do centenário, queremos garantir que nossos locais de visitação estejam prontos para todo esse período de quatro anos".
O mundo está se preparando para comemorar o início da guerra que moldou o século passado, matou 16 milhões de pessoas e tornou-se sinônimo de perda inútil de vida e o início da guerra industrial, onde o indivíduo não era nada diante da artilharia, metralhadoras, gás venenoso, lança-chamas, tanques e lama.
Mas as esperanças de que o centenário vai resultar em uma memória verdadeiramente conjunta da guerra podem ser frustradas. Cada nação está preocupada com suas próprias cerimônias, e a Alemanha atualmente não tem nenhum plano firmado.
O Reino Unido anunciou um programa de 50 milhões de libras (em torno de R$ 170 milhões) em eventos para marcar o centenário de momentos históricos, incluindo a Batalha do Somme em 1916, a Batalha naval de Jutland em 1916 e o armistício de 1918. A Austrália está gastando uma quantia similar. A França, cortada pela maior parte dos 700 km da Frente Ocidental, está realizando uma série de projetos e exposições e, em 2011, abriu o Museu da Grande Guerra, em Meaux, perto de Paris, com um investimento de $ 28 milhões de euros.
Poucos preparativos na Alemanha
Na Alemanha, os preparativos estão muito mais discretos. O governo ainda tem que firmar seus planos. "Estamos em contato com nossos parceiros para coordenar as atividades de comemoração", disse uma autoridade do governo alemão ao "Spiegel Online"."Dada a natureza global e a natureza complexa do evento que ocorreu há um século, há em cada país uma diversidade de experiências e sentimentos", acrescentou a autoridade. "Cada nação tem o direito a sua própria abordagem. No entanto, percebemos uma grande vontade e empenho de fortalecer as pontes entre os nossos povos, por ocasião do centenário".
A Universidade Livre de Berlim e a Biblioteca Estadual da Baviera lançaram o maior projeto de pesquisa internacional sobre a guerra, e o Museu Histórico Alemão em Berlim está planejando uma grande exposição no próximo ano. Mas o país não está se preparando para grandes cerimônias públicas de memória nacional.
"Para nós, tudo é secundário à Segunda Guerra Mundial e o regime nazista, que domina as memórias das pessoas", disse Fritz Kirchmeier, porta-voz da comissão alemã de sepulturas de guerra.
Kirchmeier disse que o centenário é uma oportunidade para a Europa encontrar uma forma unificada de relembrar a guerra. "A guerra não nos divide tanto quanto a Segunda Guerra Mundial e a tirania nazista; ela não polariza tanto. Não foi marcada por crimes de guerra como a Segunda Guerra Mundial", disse ele. "Pode-se superar as perspectivas nacionais e olhar para as perdas sofridas pelo outro lado. Por exemplo, se você vai ler os nomes dos mortos, por que não ler os nomes de alemães, britânicos, italianos ou russos todos juntos?"
É uma sugestão louvável. Mas há um risco de que a Europa, em meio a todas as promessas de cerimônias comuns, perca essa oportunidade. Há pouco sentido no momento para um objetivo compartilhado por trás dos preparativos.
Qual poderia ser esse objetivo? Reconciliação? Isso já foi alcançado.
Qual seria a ideia? Transmitir uma mensagem de que a Europa, unida pela memória das guerras que a devastaram, compartilha um destino comum e deve continuar a unida? O momento não é para isso. A crise do euro colocou a solidariedade entre os países europeus sob forte tensão. Além disso, a nova geração de líderes que não têm experiência de guerra já não encarna um elo entre o passado sangrento e necessidade de união de hoje.
O ex-chanceler Helmut Kohl, que ajudou a tirar as pessoas mortas dos escombros de bombardeios aliados quando era menino em Ludwigshafen, na Segunda Guerra Mundial, muitas vezes citou a integração europeia como a chave para a paz duradoura. Seu lema era que os litígios antes resolvidos nos campos de batalha agora são resolvidos nas salas de conferência em Bruxelas.
Ele e o presidente francês François Mitterrand fizeram um poderoso gesto de reconciliação e união em 1984, quando deram as mãos durante uma cerimônia em um cemitério de guerra em Verdun, o local de uma das batalhas mais sangrentas da Primeira Guerra Mundial.
O governo alemão gostaria que as cerimônias do ano que vem transmitissem uma mensagem similar.
"Não devemos esquecer o incrível sofrimento que este cataclismo significou para toda uma geração", disse a autoridade. "Queremos salientar a grande conquista da reconciliação na Europa. A maior cooperação e integração na Europa provou ser o caminho certo para sair das sombras escuras da primeira metade do século 20".
No entanto, muitos europeus hoje assumem a paz como um dado garantido. E provavelmente as cerimônias não influenciarão os críticos de uma maior integração.
"Algumas pessoas, especialmente na Europa, vão tentar usar o centenário como uma ocasião para transmitir uma mensagem política moderna", disse o historiador britânico Max Hastings ao "Spiegel Online".
"Mas, pessoalmente, eu pensaria que a mensagem óbvia é que as guerras da Europa foram uma catástrofe para a Europa e não devemos jamais permitir que voltem a acontecer", Hastings continuou. "Eu acho que a maioria dos britânicos iria resistir fortemente a qualquer ideia de ir mais longe e dizer que isso significa maior integração europeia. Politicamente, seria uma batata muito quente no Reino Unido".
Na verdade, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, está sob pressão para lidar com o crescente ceticismo britânico em relação à UE e arrancar algumas concessões de líderes do continente antes do referendo sobre a adesão do Reino Unido à UE em 2017.
Hastings disse que as memórias nacionais obrigatoriamente são muito diferentes. "Na França, essa foi a experiência mais traumática do século 20; algumas partes do país foram devastadas, e 1,5 milhão de pessoas morreram, muito mais do que os britânicos. Nosso país escapou mais ou menos incólume, embora, evidentemente, os britânicos também tenham sofrido muitas baixas".
"Quanto à Alemanha, duvido muito que seja possível chegar a uma visão compartilhada", disse Hastings. "Enquanto a maioria dos alemães aceita a responsabilidade alemã pela Segunda Guerra Mundial, a maior parte hoje acredita que a Primeira Guerra Mundial não foi culpa sua. Alguns de nós historiadores acreditamos que, embora nenhuma nação tenha toda a responsabilidade, a Alemanha era a única nação que em julho de 1914 tinha o poder de evitar uma guerra e optou por não exercê-lo".
Historiadores têm visão compartilhada
Entre os historiadores, pelo menos, a visão de que a Alemanha tem uma responsabilidade considerável há muito foi estabelecida e é improvável que seja seriamente questionada por ocasião do centenário."As lideranças alemães e austríacas não queriam a guerra, mas arriscaram, jogaram um jogo perigoso", diz o professor Oliver Janz, historiador alemão na Universidade Livre de Berlim, que está a cargo do "1914-1918 On-line", o maior projeto de pesquisa internacional da Primeira Guerra Mundial, que é a compilação de uma enciclopédia em inglês online que deve entrar em operação em outubro de 2014.
Janz, autor do livro recém-publicado "14", disse que, embora a memória pública provavelmente continue segregada por país, as pesquisas já estão chegando a uma visão transnacional.
"Tentamos ver a coisa de uma perspectiva verdadeiramente global, do ponto de vista japonês, sul-africano, latino-americano; temos seções separadas para cada uma dessas regiões e também para países neutros. Estamos tentando reunir as várias perspectivas de cada nação e também chegar a uma imagem comum."
Uma rede de 800 historiadores estará envolvida, e a enciclopédia terá 15 mil páginas de texto, bem como fotos e imagens de vídeo.
"Minha impressão é que temos uma chance de chegar a uma visão transnacional da guerra porque hoje há uma distância suficiente para isso. Nenhum dos combatentes está vivo", diz Janz. "Mas é preciso esforço para se atingir uma perspectiva europeia comum. As pessoas estão acostumadas com a suas respectivas perspectivas nacionais".
Não há nenhum sinal até agora de que o centenário terá qualquer tom de vitória das nações que ganharam a guerra. E ninguém deve discutir o fato que o centenário oferece uma oportunidade para explicar como a guerra aconteceu e seu enorme impacto sobre o século passado.
"A nossa ambição é que muito mais gente passe a ver que não se pode entender o mundo de hoje a menos que se entenda as causas, o curso e as consequências da Primeira Guerra Mundial", disse Diane Lees, Diretora do Museu Imperial da Guerra do Reino Unido.
Do ponto de vista de hoje, é um desafio entender como os países se permitiram ser manobrados de forma que gerações inteiras de homens fossem abatidos em batalhas por alguns quilômetros, às vezes até alguns metros, de território, por quatro anos sem fim.
Esta talvez seja a melhor oportunidade de alcançar uma forma comum de recordação europeia: o sofrimento do soldado comum, um tema primordial da guerra e que foi o mesmo em todos os lados.
Neste sentido, a localização de um dos eventos de abertura do centenário parece particularmente adequada: será realizada no dia 4 de agosto no Cemitério Militar Britânico de St. Symphorien em Mons, na Bélgica, onde um número igual de soldados britânicos e alemães descansa lado a lado.
Tradução: Deborah Weinberg
Centro financeiro de Londres quer ser pivô internacional do mercado islâmico
3.set.2013 - Matt Dunham/ AP
Vista do centro financeiro de Londres
Principal destino dos petrodólares dos países do Golfo, o centro financeiro de Londres pretende se tornar o pivô internacional do mercado financeiro islâmico de acordo com os princípios da sharia. O primeiro Fórum Econômico Islâmico Mundial que ocorre fora do mundo muçulmano está tendo sua nona edição realizada em Londres --desde terça-feira (29) até esta quinta-feira (31)-- e reúne 1.800 políticos, presidentes de bancos centrais e empresários, ilustrando o papel central que a praça financeira londrina pretende exercer nesse mercado financeiro.
Anunciada pelo primeiro-ministro britânico David Cameron durante a abertura do Fórum, na terça-feira, a emissão que o Reino Unido fará em breve do primeiro título islâmico (chamado sukuk) por parte de um Estado não-muçulmano, no total de 200 milhões de libras (R$ 700 milhões), coloca em evidência essa estratégia de expansão. Na terça-feira, a Bolsa de Londres lançou um índice que mistura "os princípios de investimentos da sharia com técnicas avançadas de controle de risco".
Setor financeiro em plena expansão
Com exceção do colapso do emirado de Dubai e da ruína de algumas instituições financeiras do Golfo, o mundo muçulmano escapou bem da crise de 2007-2008. Além disso, a disparada dos preços das matérias-primas inflou o volume de petrodólares provenientes do Golfo atrás de um investimento rentável. Por fim, a expansão da classe média muçulmana nas economias emergentes do Golfo e da Ásia alimentou a demanda de investimentos geridos em concordância com o Corão.
Mas em quê consiste o mercado financeiro islâmico? A ideia é respeitar estritamente a lei divina que proíbe o empréstimo de dinheiro a juros, ao mesmo tempo em que se declina uma gama de produtos financeiros que oferecem mais-valia e rendimentos. A sharia proíbe, sobretudo, que se invista em empresas associadas a bebidas alcoólicas, a atividades de cassino, à pornografia ou à indústria da defesa, ao mesmo tempo em que proíbe a especulação. Assim, as obrigações ou sukuk se apoiam em ativos cuja performance remunera o aporte de capital para contornar o princípio dos juros.
Os ativos geridos por esse setor financeiro em plena expansão, presente em uma centena de países, deverão chegar a US$ 1,3 trilhão (R$ 2,8 trilhões) até 2014, e registraram um aumento de 150% desde 2006. Dizem que o índice de crescimento dos bens é 50% maior que o do mercado financeiro tradicional.
Paraísos fiscais
Londres pretende aproveitar sabiamente essa fortuna que provém em sua maior parte de suas antigas colônias. A ex-metrópole cortejou particularmente os fundos soberanos dessa zona que foram investidos na capital, tanto no setor imobiliário quanto na infraestrutura. O Shard, o arranha-céu de vidro idealizado pelo arquiteto italiano Renzo Piano que domina o Tâmisa, foi financiado pelo Qatar em parte graças a arranjos financeiros conformes à sharia. Assim como a vila olímpica construída para os Jogos de Londres em 2012.
Só que esse setor tem suas fragilidades. Os elevados custos devido à complexidade das transações e à abundância de mão de obra para execução, além da falta de especialistas "em sharia", pesam sobre a rentabilidade do investimento. Os preceitos religiosos que se prestam a interpretações diversas também não facilitam a inovação financeira.
Além disso, a falta de transparência fiscal dos fundos muitas vezes dissimulados em paraísos fiscais e estruturas obscuras de proteção de patrimônio preocupa os órgãos reguladores ocidentais. A dificuldade de se auditar as contas em razão de normas contábeis diferentes é outro problema.
Por fim, o fato de não haver uma separação entre os bens das famílias reais e os do Estado nos países do Golfo traz problemas de boa governança.
Tradutor: UOL
Vista do centro financeiro de Londres
Principal destino dos petrodólares dos países do Golfo, o centro financeiro de Londres pretende se tornar o pivô internacional do mercado financeiro islâmico de acordo com os princípios da sharia. O primeiro Fórum Econômico Islâmico Mundial que ocorre fora do mundo muçulmano está tendo sua nona edição realizada em Londres --desde terça-feira (29) até esta quinta-feira (31)-- e reúne 1.800 políticos, presidentes de bancos centrais e empresários, ilustrando o papel central que a praça financeira londrina pretende exercer nesse mercado financeiro.
Anunciada pelo primeiro-ministro britânico David Cameron durante a abertura do Fórum, na terça-feira, a emissão que o Reino Unido fará em breve do primeiro título islâmico (chamado sukuk) por parte de um Estado não-muçulmano, no total de 200 milhões de libras (R$ 700 milhões), coloca em evidência essa estratégia de expansão. Na terça-feira, a Bolsa de Londres lançou um índice que mistura "os princípios de investimentos da sharia com técnicas avançadas de controle de risco".
Setor financeiro em plena expansão
Com exceção do colapso do emirado de Dubai e da ruína de algumas instituições financeiras do Golfo, o mundo muçulmano escapou bem da crise de 2007-2008. Além disso, a disparada dos preços das matérias-primas inflou o volume de petrodólares provenientes do Golfo atrás de um investimento rentável. Por fim, a expansão da classe média muçulmana nas economias emergentes do Golfo e da Ásia alimentou a demanda de investimentos geridos em concordância com o Corão.
Mas em quê consiste o mercado financeiro islâmico? A ideia é respeitar estritamente a lei divina que proíbe o empréstimo de dinheiro a juros, ao mesmo tempo em que se declina uma gama de produtos financeiros que oferecem mais-valia e rendimentos. A sharia proíbe, sobretudo, que se invista em empresas associadas a bebidas alcoólicas, a atividades de cassino, à pornografia ou à indústria da defesa, ao mesmo tempo em que proíbe a especulação. Assim, as obrigações ou sukuk se apoiam em ativos cuja performance remunera o aporte de capital para contornar o princípio dos juros.
Os ativos geridos por esse setor financeiro em plena expansão, presente em uma centena de países, deverão chegar a US$ 1,3 trilhão (R$ 2,8 trilhões) até 2014, e registraram um aumento de 150% desde 2006. Dizem que o índice de crescimento dos bens é 50% maior que o do mercado financeiro tradicional.
Paraísos fiscais
Londres pretende aproveitar sabiamente essa fortuna que provém em sua maior parte de suas antigas colônias. A ex-metrópole cortejou particularmente os fundos soberanos dessa zona que foram investidos na capital, tanto no setor imobiliário quanto na infraestrutura. O Shard, o arranha-céu de vidro idealizado pelo arquiteto italiano Renzo Piano que domina o Tâmisa, foi financiado pelo Qatar em parte graças a arranjos financeiros conformes à sharia. Assim como a vila olímpica construída para os Jogos de Londres em 2012.
Só que esse setor tem suas fragilidades. Os elevados custos devido à complexidade das transações e à abundância de mão de obra para execução, além da falta de especialistas "em sharia", pesam sobre a rentabilidade do investimento. Os preceitos religiosos que se prestam a interpretações diversas também não facilitam a inovação financeira.
Além disso, a falta de transparência fiscal dos fundos muitas vezes dissimulados em paraísos fiscais e estruturas obscuras de proteção de patrimônio preocupa os órgãos reguladores ocidentais. A dificuldade de se auditar as contas em razão de normas contábeis diferentes é outro problema.
Por fim, o fato de não haver uma separação entre os bens das famílias reais e os do Estado nos países do Golfo traz problemas de boa governança.
Tradutor: UOL
Espanha sai da recessão, mas ainda é cedo para decretar fim da crise
Sandrine More - Le Monde
Pedro Armestre/AFP
Manifestantes acampam em praça de Madri para protestar contra a crise econômica e as medidas de austeridade adotadas pelo governo
A Espanha saiu oficialmente da recessão. No terceiro trimestre de 2013, o PIB espanhol cresceu 0,1%, segundo os números provisórios publicados na quarta-feira (30) pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) espanhol. Embora muito pequeno, esse crescimento traz muita esperança para o país, onde ele é visto como a "luz no fim do túnel", expressão usada regularmente nas últimas semanas pelo ministro das Finanças, Cristóbal Montoro.
Após nove trimestres consecutivos de queda do PIB, ele vem confirmar aquilo que diversos indicadores sugeriam: o bom comportamento das exportações, a volta dos investimentos internacionais, a queda na curva do desemprego, a volta da confiança nos mercados, a recuperação da Bolsa e a baixa das taxas de juros sobre a dívida soberana.
Danos colaterais
A melhora dos dados macroeconômicos é "consequência de uma diminuição da demanda doméstica, parcialmente compensada pelo aumento da demanda externa", analisa o INE. A retração da economia em um ano continua elevada, de 1,2% do PIB, e é cedo demais para dizer que a Espanha saiu da crise. O desemprego, apesar de uma ligeira queda nos dois últimos trimestres, ainda atinge 26% da população ativa. O endividamento das pessoas físicas continua muito elevado. Os bancos mantêm fortes restrições para a concessão de crédito às pequenas e médias empresas.
Após cinco anos de crise, houve uma nova onda de falências no início do ano. Grandes confecções como a Blanco, a empresa de frutos do mar Pescanova e recentemente a Panrico, verdadeira instituição na Espanha, onde ela é proprietária da marca Donuts, entraram com pedido de falência nos últimos meses, sem contar o caso da empresa de eletrodomésticos Fagor. Já sem fôlego após a mais longa recessão da história recente da Espanha, talvez elas sejam as últimas a cair, simbolizando o fim do saneamento da economia espanhola e dos bancos. Mas os danos colaterais são pesados. No caso da Fagor, ela "nadou e morreu na praia", resume Jokin, funcionário do grupo.
Tradutor: Lana Lim
Manifestantes acampam em praça de Madri para protestar contra a crise econômica e as medidas de austeridade adotadas pelo governo
A Espanha saiu oficialmente da recessão. No terceiro trimestre de 2013, o PIB espanhol cresceu 0,1%, segundo os números provisórios publicados na quarta-feira (30) pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) espanhol. Embora muito pequeno, esse crescimento traz muita esperança para o país, onde ele é visto como a "luz no fim do túnel", expressão usada regularmente nas últimas semanas pelo ministro das Finanças, Cristóbal Montoro.
Após nove trimestres consecutivos de queda do PIB, ele vem confirmar aquilo que diversos indicadores sugeriam: o bom comportamento das exportações, a volta dos investimentos internacionais, a queda na curva do desemprego, a volta da confiança nos mercados, a recuperação da Bolsa e a baixa das taxas de juros sobre a dívida soberana.
Danos colaterais
A melhora dos dados macroeconômicos é "consequência de uma diminuição da demanda doméstica, parcialmente compensada pelo aumento da demanda externa", analisa o INE. A retração da economia em um ano continua elevada, de 1,2% do PIB, e é cedo demais para dizer que a Espanha saiu da crise. O desemprego, apesar de uma ligeira queda nos dois últimos trimestres, ainda atinge 26% da população ativa. O endividamento das pessoas físicas continua muito elevado. Os bancos mantêm fortes restrições para a concessão de crédito às pequenas e médias empresas.
Após cinco anos de crise, houve uma nova onda de falências no início do ano. Grandes confecções como a Blanco, a empresa de frutos do mar Pescanova e recentemente a Panrico, verdadeira instituição na Espanha, onde ela é proprietária da marca Donuts, entraram com pedido de falência nos últimos meses, sem contar o caso da empresa de eletrodomésticos Fagor. Já sem fôlego após a mais longa recessão da história recente da Espanha, talvez elas sejam as últimas a cair, simbolizando o fim do saneamento da economia espanhola e dos bancos. Mas os danos colaterais são pesados. No caso da Fagor, ela "nadou e morreu na praia", resume Jokin, funcionário do grupo.
Tradutor: Lana Lim
NSA se infiltrou em centros de dados de Google e Yahoo! ao redor do mundo
OM
Em um período de 30 dias, a NSA processou mais de 181 milhões de novos registros, que incluem desde informação sobre remetente ou destinatário de um e-mail até dados de conteúdo.
Reprodução The Washington Post
Slide de apresentação da NSA no "Google Cloud Exploitation" que demonstra como funcionava o processo de coleta de dados
A ferramenta principal da NSA para realizar essa coleta de dados é um projeto denominado "MUSCULAR", operado conjuntamente com o centro de escutas britânico GCHQ, de acordo com a informação do Post. De pontos não revelados, a NSA e o GCHQ copiam os fluxos de dados que transitam pelos cabos de fibra óptica que ligam centros globais de dados do Google e do Yahoo!.
Amparados pela lei, a NSA e o FBI já possuíam, na verdade, acesso direto às contas de usuários do Google e do Yahoo! - além de outras empresas como Microsoft e Facebook - por meio do programa PRISM, supostamente utilizado para espionar contatos no exterior de suspeitos de terrorismo. De acordo com a nova denúncia, as empresas não sabiam da existência dessa quebra na criptografia.
Segundo o Post, funcionários da Casa Branca e do escritório do Diretor Nacional de Inteligência, James Clapper, se negaram a confirmar o fato.
Em comunicado o Google, disse estar "preocupado" pelas denúncias de que seu tráfego de dados foi interceptado entre os centros de dados e afirmou não ser "consciente" dessa atividade. "Durante muito tempo estivemos preocupados pela possibilidade deste tipo de espionagem", ressaltou a empresa.
Já um porta-voz do Yahoo! comentou que a empresa realiza um "estrito controle" para proteger seus centros de dados e que não deu acesso a eles nem "à NSA, nem a nenhuma outra agência" do governo norte-americano.
De acordo com o Washington Post, agência enviava todos os dias milhões de informações das empresas para sede nos EUA
A NSA (Agência de Segurança Nacional norte-americana) se infiltrou em centros de dados do Google e do Yahoo! no mundo todo, segundo revelou nesta quarta-feira (30/10) o jornal The Washington Post, com base em documentos do ex-analista da CIA Edward Snowden. Assim, a agência teria conseguido reunir informações de milhões de contas, muitas pertencentes a cidadãos norte-americanos.
De acordo com um registro secreto datado de 9 de janeiro de 2013, a NSA envia todos os dias milhões de registros das redes internas do Yahoo! e do Google para sua sede em Fort Meade, nos arredores de Washington. A agência não fica com todos os dados que coleta, mas mantém boa parte, segundo o Post.Em um período de 30 dias, a NSA processou mais de 181 milhões de novos registros, que incluem desde informação sobre remetente ou destinatário de um e-mail até dados de conteúdo.
Reprodução The Washington Post
Slide de apresentação da NSA no "Google Cloud Exploitation" que demonstra como funcionava o processo de coleta de dados
A ferramenta principal da NSA para realizar essa coleta de dados é um projeto denominado "MUSCULAR", operado conjuntamente com o centro de escutas britânico GCHQ, de acordo com a informação do Post. De pontos não revelados, a NSA e o GCHQ copiam os fluxos de dados que transitam pelos cabos de fibra óptica que ligam centros globais de dados do Google e do Yahoo!.
Amparados pela lei, a NSA e o FBI já possuíam, na verdade, acesso direto às contas de usuários do Google e do Yahoo! - além de outras empresas como Microsoft e Facebook - por meio do programa PRISM, supostamente utilizado para espionar contatos no exterior de suspeitos de terrorismo. De acordo com a nova denúncia, as empresas não sabiam da existência dessa quebra na criptografia.
Segundo o Post, funcionários da Casa Branca e do escritório do Diretor Nacional de Inteligência, James Clapper, se negaram a confirmar o fato.
Em comunicado o Google, disse estar "preocupado" pelas denúncias de que seu tráfego de dados foi interceptado entre os centros de dados e afirmou não ser "consciente" dessa atividade. "Durante muito tempo estivemos preocupados pela possibilidade deste tipo de espionagem", ressaltou a empresa.
Já um porta-voz do Yahoo! comentou que a empresa realiza um "estrito controle" para proteger seus centros de dados e que não deu acesso a eles nem "à NSA, nem a nenhuma outra agência" do governo norte-americano.
Reclamação de Dilma é desprezada nos EUA
Brasileira não recebeu a mesma atenção que Obama deu a Angela Merkel em razão de escândalo de espionagem
A reclamação direta da chanceler alemã, Angela Merkel, contra o grampeamento de seu próprio celular mudou a retórica do governo americano --e a baixa prioridade que o escândalo da espionagem recebia da Casa Branca.
A Alemanha já tem recebido propostas de acordos e desculpas que jamais foram oferecidos ao Brasil, como tem analisado a diplomacia brasileira.
Nem o cancelamento da visita de Estado da presidente Dilma Rousseff a Washington nem os protestos (moderados) da França e do México tiveram o impacto da reclamação alemã.
Por meses, diversos diplomatas americanos, em conversas reservadas com a Folha, atribuíam a reação de Dilma ao "cálculo eleitoral" pela campanha da reeleição em 2014 e ao "antiamericanismo" de setores do PT --acusações que não funcionam com a conservadora Merkel, recém-reeleita.
Em telefonema imediato, Obama prometeu a Merkel que "nem no presente, nem no futuro" seu celular seria mais grampeado.
O vice-presidente americano, Joe Biden, disse que não poderia dar essas garantias ao Brasil em agosto.
Uma das maiores defensoras dos sistemas de espionagem em massa, a senadora democrata Dianne Feinstein, que preside a Comissão de Inteligência do Senado, mudou o tom, dizendo que "se opõe totalmente à espionagem de aliados", e pediu uma revisão completa dos programas da Agência de Segurança Nacional americana.
Feinstein disse que se opõe totalmente à espionagem dos "líderes aliados, incluídos França, Espanha, México e Alemanha".
A senadora, no entanto, não citou o Brasil. Diplomatas brasileiros se questionam se EUA e União Europeia fecharão algum acordo, deixando o Brasil de lado.
Mas Merkel acabou reforçando a proposta brasileira na ONU (Organização das Nações Unidas) de um acordo multilateral.
Até o final do ano, o governo americano deve concluir o processo de revisão de seus programas de espionagem --o Itamaraty aguarda a resposta americana para compará-las às garantias oferecidas aos europeus.
DESTAQUE
Pela primeira vez em meses, a espionagem ganhou destaque e até abriu alguns dos principais telejornais americanos.
Mas, por enquanto, tanto apresentadores quanto comentaristas convidados repetem na TV os mantras de que "todo mundo espiona todo mundo" e que "a espionagem da NSA já salvou muitas vidas de atentados".
"Merkel é uma política cautelosa. A reação dela é sinal de que tem muita informação sobre o hackeamento", disse à Folha a diretora-executiva da fundação Bertelsmann, centro de estudos transatlânticos em Washington, Annette Heuser.
"Os europeus estão bem insatisfeitos com o descaso dele com a Europa, e o governo Obama continua a subestimar os efeitos do escândalo. A Europa se uniu pela sua rejeição à espionagem. Europeus, em geral, se importam muito mais com a privacidade que os americanos."
Brasileira não recebeu a mesma atenção que Obama deu a Angela Merkel em razão de escândalo de espionagem
Alemã recebeu pedido de desculpas que não foi oferecido ao Brasil, além da promessa de que prática irá cessar
RAUL JUSTE LORES - FSPA reclamação direta da chanceler alemã, Angela Merkel, contra o grampeamento de seu próprio celular mudou a retórica do governo americano --e a baixa prioridade que o escândalo da espionagem recebia da Casa Branca.
A Alemanha já tem recebido propostas de acordos e desculpas que jamais foram oferecidos ao Brasil, como tem analisado a diplomacia brasileira.
Nem o cancelamento da visita de Estado da presidente Dilma Rousseff a Washington nem os protestos (moderados) da França e do México tiveram o impacto da reclamação alemã.
Por meses, diversos diplomatas americanos, em conversas reservadas com a Folha, atribuíam a reação de Dilma ao "cálculo eleitoral" pela campanha da reeleição em 2014 e ao "antiamericanismo" de setores do PT --acusações que não funcionam com a conservadora Merkel, recém-reeleita.
Em telefonema imediato, Obama prometeu a Merkel que "nem no presente, nem no futuro" seu celular seria mais grampeado.
O vice-presidente americano, Joe Biden, disse que não poderia dar essas garantias ao Brasil em agosto.
Uma das maiores defensoras dos sistemas de espionagem em massa, a senadora democrata Dianne Feinstein, que preside a Comissão de Inteligência do Senado, mudou o tom, dizendo que "se opõe totalmente à espionagem de aliados", e pediu uma revisão completa dos programas da Agência de Segurança Nacional americana.
Feinstein disse que se opõe totalmente à espionagem dos "líderes aliados, incluídos França, Espanha, México e Alemanha".
A senadora, no entanto, não citou o Brasil. Diplomatas brasileiros se questionam se EUA e União Europeia fecharão algum acordo, deixando o Brasil de lado.
Mas Merkel acabou reforçando a proposta brasileira na ONU (Organização das Nações Unidas) de um acordo multilateral.
Até o final do ano, o governo americano deve concluir o processo de revisão de seus programas de espionagem --o Itamaraty aguarda a resposta americana para compará-las às garantias oferecidas aos europeus.
DESTAQUE
Pela primeira vez em meses, a espionagem ganhou destaque e até abriu alguns dos principais telejornais americanos.
Mas, por enquanto, tanto apresentadores quanto comentaristas convidados repetem na TV os mantras de que "todo mundo espiona todo mundo" e que "a espionagem da NSA já salvou muitas vidas de atentados".
"Merkel é uma política cautelosa. A reação dela é sinal de que tem muita informação sobre o hackeamento", disse à Folha a diretora-executiva da fundação Bertelsmann, centro de estudos transatlânticos em Washington, Annette Heuser.
"Os europeus estão bem insatisfeitos com o descaso dele com a Europa, e o governo Obama continua a subestimar os efeitos do escândalo. A Europa se uniu pela sua rejeição à espionagem. Europeus, em geral, se importam muito mais com a privacidade que os americanos."
Autoridades dizem que altos funcionários do governo sabiam de espionagem internacional
Mark Landler e Michael S. Schmidt - NYT
29.out.2013 - Alex Wong/Getty Images/AFP
O diretor nacional de Inteligência dos EUA, James Clapper, em depoimento para a Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados
29.out.2013 - Alex Wong/Getty Images/AFP
O diretor nacional de Inteligência dos EUA, James Clapper, em depoimento para a Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados
Na terça-feira, o chefe da área de espionagem dos Estados Unidos disse que a Casa Branca tinha conhecimento há muito tempo, embora em termos gerais, das atividades de monitoramento internacional realizadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), e defendeu de maneira resoluta os métodos de coleta de informações da agência, o que sugere a existência de possíveis rachas dentro do governo Obama.
James R. Clapper Jr., a autoridade em questão, é diretor da área de inteligência nacional dos Estados Unidos. Clapper testemunhou perante a Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados e disse que a NSA mantinha altos funcionários do Conselho Nacional de Segurança informados sobre as operações de monitoramento que estava conduzindo em países estrangeiros. Clapper não disse especificamente se o presidente Barack Obama foi informado sobre esses esforços de espionagem, mas ele pareceu querer desafiar as afirmações feitas nos últimos dias, segundo as quais a Casa Branca teria ficado no escuro em relação a algumas das práticas da agência.
Clapper e o diretor da agência, o general Keith Alexander, rejeitaram vigorosamente as sugestões de que a agência era uma instituição espúria, que realizava vasculhava indiscriminadamente redes de telefonia e internet para obter informações sobre cidadãos comuns e sobre os líderes aliados mais próximos dos Estados Unidos sem o conhecimento de seus superiores em Washington.
O testemunho dos dois ocorreu em meio aos crescentes questionamentos sobre como a NSA recolhe informações no exterior, num momento em que republicanos e democratas pedem uma avaliação por parte do congresso, os parlamentares introduzem um projeto de lei para restringir as atividades da agência e Obama está prestes a impor suas próprias restrições, principalmente em relação ao monitoramento dos líderes dos países amigos. Ao mesmo tempo, funcionários atuais e antigos da área de inteligência dos EUA dizem que há um sentimento crescente de raiva em relação à Casa Branca devido ao que eles consideram uma tentativa de colocar a culpa pela controvérsia diretamente sobre seus ombros.
Segundo Alexander, as reportagens que informaram que a NSA teria acumulado dezenas de milhões de chamadas telefônicas de França, Espanha e Itália são "totalmente falsas". Esses dados, segundo ele, são coletados, pelo menos em parte, pelos próprios serviços de inteligência desses países e fornecidos à NSA.
Ainda assim, tanto ele quanto Clapper disseram que espionar líderes estrangeiros --mesmo os líderes de países aliados-- é um princípio básico do trabalho da área de inteligência e que isso vem ocorrendo há décadas. Segundo Clapper, os países europeus rotineiramente buscam ouvir as conversas dos líderes norte-americanos.
"Parte dessa situação me faz lembrar uma fala do filme clássico 'Casablanca': 'Meu Deus, eles estão jogando aqui'", disse Clapper, ao distorcer a frase dita no filme, que foi proferida por um oficial francês corrupto que finge indignação com a própria atividade da qual ele avidamente participa.
Questionado sobre se a Casa Branca tem conhecimento sobre a coleta de informações realizada pela NSA, que inclui dados sobre líderes estrangeiros, Clapper disse: "Eles podem [ter esse conhecimento], e eles têm". Mas, acrescentou ele: "Eu tenho que dizer que isso não se estende até o nível dos detalhes. Estamos falando de uma iniciativa grande aqui, com milhares e milhares de requisitos individuais".
A Casa Branca vem enfrentando críticas devido às práticas de monitoramento da NSA desde as primeiras revelações feitas por Edward J. Snowden, ex-prestador de serviços da agência, em junho passado. Mas, nas últimas semanas, o governo norte-americano vem enfrentando dificuldades para controlar uma nova tempestade diplomática relacionada a informações segundo as quais agência monitorou o celular da chanceler alemã Angela Merkel durante mais de uma década. Funcionários da Casa Branca disseram que o presidente Obama não sabia desse monitoramento, mas que ele disse a Merkel que os Estados Unidos não estão monitorando seu celular no momento e nem vão monitorá-lo no futuro.
Nesta quarta-feira, uma delegação de altos funcionários alemães deveria se reunir na Casa Branca com Clapper, Susan E. Rice, conselheira de segurança nacional do presidente, Lisa Monaco, conselheira sobre segurança interna e contraterrorismo de Obama e com outros funcionários.
Várias autoridades norte-americanas atuais e de administrações passadas disseram que os presidentes norte-americanos e seus principais assessores de segurança nacional sabem e sabiam há muito tempo sobre quais líderes estrangeiros os Estados Unidos espionam ou espionaram.
"Seria inusitado que os altos funcionários da Casa Branca não soubessem a fonte exata e o método dessa coleta (de dados)", disse Michael Allen, funcionário do Conselho de Segurança Nacional do governo George W. Bush e ex-diretor de pessoal da Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados. "Essas informações ajudam os responsáveis pelas instâncias decisórias a avaliar a confiabilidade dos serviços de inteligência".
Allen, autor do livro "Blinking Red" ("Vermelho Piscante", em tradução livre), sobre a reforma da área de inteligência, disse que essas informações muitas vezes chegam ao presidente durante sua preparação para telefonemas ou reuniões com líderes estrangeiros.
A Casa Branca se recusou a discutir suas políticas de inteligência enquanto aguarda a conclusão de uma revisão das práticas de coleta de informações que será concluída em dezembro. Mas um alto funcionário do governo observou que a grande maioria dos dados de inteligência que constavam dos briefings secretos e diários de Obama se concentrava em ameaças potenciais, abarcando desde conspirações da Al-Qaeda até o programa nuclear iraniano.
"Essas são questões de interesse primordial para os EUA", disse o funcionário, que falou sob condição de anonimato devido ao teor delicado do tema. "Agora Obama não está recebendo muitos informes da inteligência sobre a Alemanha".
Outro alto funcionário do governo disse que o presidente norte-americano geralmente não depende de relatórios da inteligência para se preparar para reuniões ou telefonemas com Merkel.
"Ele a conhece bem, ele fala com ela regularmente, e os nossos governos trabalham juntos todos os dias em uma ampla gama de questões", disse essa autoridade, que também falou sob condição de anonimato por causa de preocupações diplomáticas. "Como nós falamos com os alemães com muita frequência, nós sabemos o posicionamento deles e eles sabem o nosso posicionamento em relação à maioria das questões".
Clapper e Alexander tiveram uma recepção calorosa do presidente da Comissão de Inteligência da câmara, o deputado Mike Rogers, republicano do Michigan, que defendeu os métodos do NSA e disse que foi adequadamente informado sobre as atividades da agência.
Mas, em outros pontos de Capitol Hill, a indignação dos aliados dos Estados Unidos tem claramente alimentado preocupações.
A senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia que atua como presidente da Comissão de Inteligência do senado e é uma das mais ferozes defensoras das operações de monitoramento dos EUA, disse na segunda-feira passada que ela "não acredita que os Estados Unidos deveriam estar coletando dados de chamadas telefônicas ou de e-mails dos presidentes e primeiros-ministros dos países aliados". Feinstein disse que sua comissão realizará uma "grande revisão" dos programas de inteligência.
Outro forte defensor da NSA, o presidente da Câmara John A. Boehner, republicano de Ohio, concorda que "é preciso haver uma revisão, que deve haver uma revisão e que ela deve ser profunda", disse ele. "Nós temos a obrigação de manter o povo norte-americano seguro. Nós temos obrigações para com os nossos aliados ao redor do mundo".
"Mas, tendo dito isso, nós temos que encontrar o equilíbrio correto aqui", acrescentou ele. "Atualmente, nós estamos em desequilíbrio".
Um assessor de Boehner disse que "o presidente da câmara ainda acredita que nossos programas de monitoramento salvam vidas, mas o presidente Obama tem que se esforçar mais para gerenciá-los e para explicá-los".
Na terça-feira passada, deputados democratas e republicanos apresentaram um projeto de lei para restringir algumas das práticas da NSA, incluindo a coleta de dados em massa de ligações telefônicas dentro dos Estados Unidos.
"O quadro que temos é o de um sistema de monitoramento que enlouqueceu", disse o deputado John Conyers, democrata do Michigan e um dos patrocinadores do projeto de lei. "A nossa comunidade de inteligência tem operado sem a supervisão adequada do congresso nem o respeito pela privacidade e pelas liberdades civis dos norte-americanos".
Até mesmo os membros da Comissão de Inteligência da câmara já brigaram sobre o que os órgãos de inteligência teriam lhes dito em relação à espionagem de líderes estrangeiros. O deputado Adam Schiff, democrata da Califórnia e membro sênior da comissão, disse que só ficou sabendo sobre as práticas de espionagem da NSA após as recentes reportagens divulgadas pela mídia.
"Você considera que a escuta de líderes de países aliados é uma atividade de inteligência significativa que exige a produção e a entrega de relatórios para as comissões de inteligência?", Schiff perguntou a Clapper.
Clapper disse que as agências "corresponderam totalmente a essa exigência".
Schiff discordou de Clapper e disse que as agências têm muito trabalho a fazer "para garantir que nós recebamos todas as informações de que precisamos". Ele disse que as informações divulgadas sobre essas escutas poderão criar uma "reação contrária" significativa.
Rogers contestou a afirmação de Schiff e disse que Schiff precisa de um tempo para se informar sobre quais dados a comissão havia recebido.
"Dizer que, de alguma maneira, nós estamos no escuro sobre essa questão é incompreensível para mim", disse Rogers. "É falso sugerir que esta comissão não tinha conhecimento total e completo das atividades da comunidade de inteligência conforme foi ordenado no âmbito das prioridades de inteligência nacionais para incluir fontes e métodos".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
James R. Clapper Jr., a autoridade em questão, é diretor da área de inteligência nacional dos Estados Unidos. Clapper testemunhou perante a Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados e disse que a NSA mantinha altos funcionários do Conselho Nacional de Segurança informados sobre as operações de monitoramento que estava conduzindo em países estrangeiros. Clapper não disse especificamente se o presidente Barack Obama foi informado sobre esses esforços de espionagem, mas ele pareceu querer desafiar as afirmações feitas nos últimos dias, segundo as quais a Casa Branca teria ficado no escuro em relação a algumas das práticas da agência.
Clapper e o diretor da agência, o general Keith Alexander, rejeitaram vigorosamente as sugestões de que a agência era uma instituição espúria, que realizava vasculhava indiscriminadamente redes de telefonia e internet para obter informações sobre cidadãos comuns e sobre os líderes aliados mais próximos dos Estados Unidos sem o conhecimento de seus superiores em Washington.
O testemunho dos dois ocorreu em meio aos crescentes questionamentos sobre como a NSA recolhe informações no exterior, num momento em que republicanos e democratas pedem uma avaliação por parte do congresso, os parlamentares introduzem um projeto de lei para restringir as atividades da agência e Obama está prestes a impor suas próprias restrições, principalmente em relação ao monitoramento dos líderes dos países amigos. Ao mesmo tempo, funcionários atuais e antigos da área de inteligência dos EUA dizem que há um sentimento crescente de raiva em relação à Casa Branca devido ao que eles consideram uma tentativa de colocar a culpa pela controvérsia diretamente sobre seus ombros.
Segundo Alexander, as reportagens que informaram que a NSA teria acumulado dezenas de milhões de chamadas telefônicas de França, Espanha e Itália são "totalmente falsas". Esses dados, segundo ele, são coletados, pelo menos em parte, pelos próprios serviços de inteligência desses países e fornecidos à NSA.
Ainda assim, tanto ele quanto Clapper disseram que espionar líderes estrangeiros --mesmo os líderes de países aliados-- é um princípio básico do trabalho da área de inteligência e que isso vem ocorrendo há décadas. Segundo Clapper, os países europeus rotineiramente buscam ouvir as conversas dos líderes norte-americanos.
"Parte dessa situação me faz lembrar uma fala do filme clássico 'Casablanca': 'Meu Deus, eles estão jogando aqui'", disse Clapper, ao distorcer a frase dita no filme, que foi proferida por um oficial francês corrupto que finge indignação com a própria atividade da qual ele avidamente participa.
Questionado sobre se a Casa Branca tem conhecimento sobre a coleta de informações realizada pela NSA, que inclui dados sobre líderes estrangeiros, Clapper disse: "Eles podem [ter esse conhecimento], e eles têm". Mas, acrescentou ele: "Eu tenho que dizer que isso não se estende até o nível dos detalhes. Estamos falando de uma iniciativa grande aqui, com milhares e milhares de requisitos individuais".
A Casa Branca vem enfrentando críticas devido às práticas de monitoramento da NSA desde as primeiras revelações feitas por Edward J. Snowden, ex-prestador de serviços da agência, em junho passado. Mas, nas últimas semanas, o governo norte-americano vem enfrentando dificuldades para controlar uma nova tempestade diplomática relacionada a informações segundo as quais agência monitorou o celular da chanceler alemã Angela Merkel durante mais de uma década. Funcionários da Casa Branca disseram que o presidente Obama não sabia desse monitoramento, mas que ele disse a Merkel que os Estados Unidos não estão monitorando seu celular no momento e nem vão monitorá-lo no futuro.
Nesta quarta-feira, uma delegação de altos funcionários alemães deveria se reunir na Casa Branca com Clapper, Susan E. Rice, conselheira de segurança nacional do presidente, Lisa Monaco, conselheira sobre segurança interna e contraterrorismo de Obama e com outros funcionários.
Várias autoridades norte-americanas atuais e de administrações passadas disseram que os presidentes norte-americanos e seus principais assessores de segurança nacional sabem e sabiam há muito tempo sobre quais líderes estrangeiros os Estados Unidos espionam ou espionaram.
"Seria inusitado que os altos funcionários da Casa Branca não soubessem a fonte exata e o método dessa coleta (de dados)", disse Michael Allen, funcionário do Conselho de Segurança Nacional do governo George W. Bush e ex-diretor de pessoal da Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados. "Essas informações ajudam os responsáveis pelas instâncias decisórias a avaliar a confiabilidade dos serviços de inteligência".
Allen, autor do livro "Blinking Red" ("Vermelho Piscante", em tradução livre), sobre a reforma da área de inteligência, disse que essas informações muitas vezes chegam ao presidente durante sua preparação para telefonemas ou reuniões com líderes estrangeiros.
A Casa Branca se recusou a discutir suas políticas de inteligência enquanto aguarda a conclusão de uma revisão das práticas de coleta de informações que será concluída em dezembro. Mas um alto funcionário do governo observou que a grande maioria dos dados de inteligência que constavam dos briefings secretos e diários de Obama se concentrava em ameaças potenciais, abarcando desde conspirações da Al-Qaeda até o programa nuclear iraniano.
"Essas são questões de interesse primordial para os EUA", disse o funcionário, que falou sob condição de anonimato devido ao teor delicado do tema. "Agora Obama não está recebendo muitos informes da inteligência sobre a Alemanha".
Outro alto funcionário do governo disse que o presidente norte-americano geralmente não depende de relatórios da inteligência para se preparar para reuniões ou telefonemas com Merkel.
"Ele a conhece bem, ele fala com ela regularmente, e os nossos governos trabalham juntos todos os dias em uma ampla gama de questões", disse essa autoridade, que também falou sob condição de anonimato por causa de preocupações diplomáticas. "Como nós falamos com os alemães com muita frequência, nós sabemos o posicionamento deles e eles sabem o nosso posicionamento em relação à maioria das questões".
Clapper e Alexander tiveram uma recepção calorosa do presidente da Comissão de Inteligência da câmara, o deputado Mike Rogers, republicano do Michigan, que defendeu os métodos do NSA e disse que foi adequadamente informado sobre as atividades da agência.
Mas, em outros pontos de Capitol Hill, a indignação dos aliados dos Estados Unidos tem claramente alimentado preocupações.
A senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia que atua como presidente da Comissão de Inteligência do senado e é uma das mais ferozes defensoras das operações de monitoramento dos EUA, disse na segunda-feira passada que ela "não acredita que os Estados Unidos deveriam estar coletando dados de chamadas telefônicas ou de e-mails dos presidentes e primeiros-ministros dos países aliados". Feinstein disse que sua comissão realizará uma "grande revisão" dos programas de inteligência.
Outro forte defensor da NSA, o presidente da Câmara John A. Boehner, republicano de Ohio, concorda que "é preciso haver uma revisão, que deve haver uma revisão e que ela deve ser profunda", disse ele. "Nós temos a obrigação de manter o povo norte-americano seguro. Nós temos obrigações para com os nossos aliados ao redor do mundo".
"Mas, tendo dito isso, nós temos que encontrar o equilíbrio correto aqui", acrescentou ele. "Atualmente, nós estamos em desequilíbrio".
Um assessor de Boehner disse que "o presidente da câmara ainda acredita que nossos programas de monitoramento salvam vidas, mas o presidente Obama tem que se esforçar mais para gerenciá-los e para explicá-los".
Na terça-feira passada, deputados democratas e republicanos apresentaram um projeto de lei para restringir algumas das práticas da NSA, incluindo a coleta de dados em massa de ligações telefônicas dentro dos Estados Unidos.
"O quadro que temos é o de um sistema de monitoramento que enlouqueceu", disse o deputado John Conyers, democrata do Michigan e um dos patrocinadores do projeto de lei. "A nossa comunidade de inteligência tem operado sem a supervisão adequada do congresso nem o respeito pela privacidade e pelas liberdades civis dos norte-americanos".
Até mesmo os membros da Comissão de Inteligência da câmara já brigaram sobre o que os órgãos de inteligência teriam lhes dito em relação à espionagem de líderes estrangeiros. O deputado Adam Schiff, democrata da Califórnia e membro sênior da comissão, disse que só ficou sabendo sobre as práticas de espionagem da NSA após as recentes reportagens divulgadas pela mídia.
"Você considera que a escuta de líderes de países aliados é uma atividade de inteligência significativa que exige a produção e a entrega de relatórios para as comissões de inteligência?", Schiff perguntou a Clapper.
Clapper disse que as agências "corresponderam totalmente a essa exigência".
Schiff discordou de Clapper e disse que as agências têm muito trabalho a fazer "para garantir que nós recebamos todas as informações de que precisamos". Ele disse que as informações divulgadas sobre essas escutas poderão criar uma "reação contrária" significativa.
Rogers contestou a afirmação de Schiff e disse que Schiff precisa de um tempo para se informar sobre quais dados a comissão havia recebido.
"Dizer que, de alguma maneira, nós estamos no escuro sobre essa questão é incompreensível para mim", disse Rogers. "É falso sugerir que esta comissão não tinha conhecimento total e completo das atividades da comunidade de inteligência conforme foi ordenado no âmbito das prioridades de inteligência nacionais para incluir fontes e métodos".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
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