terça-feira, 1 de outubro de 2013

Aos 88 anos, agente será julgado por abusos da era comunista na Romênia
Andrew Higgins - NYT
Cristian Movila/The New York Times
Alexandru Visinescu, 88, ex-comandante de prisões da Romênia, que deverá ser julgado por genocídio
Alexandru Visinescu, 88, ex-comandante de prisões da Romênia, que deverá ser julgado por genocídio
Lembrado como um sádico brutal pelos presos que conseguiram sobreviver às prisões que ele antes dirigia, Alexandru Visinescu espuma com furor violento. "Suma da minha porta. Ou você quer que eu pegue um pau para bater em você?", gritou recentemente o ex-comandante das prisões de 88 anos quando um repórter apareceu à porta de seu apartamento no centro desta capital.
Como outros antigos funcionários do velho governo comunista, Visinescu --atualmente um aposentado frágil com as costas curvadas-- não gosta de ser perturbado. E, até recentemente, não era. Ele foi deixado em paz com uma aposentadoria generosa e um apartamento confortável, cercado por fotos em preto e branco de si mesmo quando jovem, em forma, trajando uniforme. Ele passava seu tempo com caminhadas sem pressa em um parque próximo.
A paz dele acabou no início de setembro, quando promotores em Bucareste anunciaram que Visinescu seria julgado por seu papel nos abusos da era comunista, o primeiro caso do gênero desde que a Romênia derrubou e executou o ditador Nicolau Ceausescu, em dezembro de 1989.
O caso provocou uma enxurrada de cobertura da mídia e fez crescer as esperanças, mesmo que hesitantes, entre as vítimas e seus advogados de que a Romênia possa finalmente seguir o exemplo de seus vizinhos na Europa Oriental e Central em afastar a amnésia local a respeito de seu passado brutal, reexaminando uma cultura de impunidade que alimentou a corrupção desenfreada e atrapalhou o progresso do país, apesar de seu ingresso na União Europeia em 2007.
Aos olhos de muitos aqui, a queda e execução de Ceausescu apenas removeu o líder da ditadura mais intrusiva do velho bloco comunista, deixando o sistema por trás em grande parte intacto. Essa continuidade entre as elites comunista e pós-comunista ajuda a explicar por que a resistência a um sério acerto de contas com o passado é particularmente forte na Romênia, onde ainda há grande nostalgia pela era comunista.
 "Nós estamos vindo de águas muito profundas e muito sujas", disse Laura Stefan do Expert Forum, um grupo de Bucareste que faz campanha pelo fortalecimento do estado de direito. "A corrupção tem um grande elo com o fato de não falarmos sobre nosso passado", disse. Ela apreciou o processo de Visinescu como um sinal encorajador, notando que "o simples pensar de que essas pessoas são culpadas e devem pagar é algo novo".
Um ex-comandante de campos de trabalhos forçados, Ion Ficior, também está sendo investigado e pode ser indiciado.
Mesmo assim, Stefan duvida que as autoridades pensem seriamente em colocar Visinescu e outros na prisão. "Eu não estou nem um pouco otimista", disse ela.
Para alimentar essas dúvidas está o fato de Visinescu ter sido indiciado por genocídio, o que geralmente se aplica apenas aos esforços para liquidar --em parte ou totalmente-- um grupo étnico ou religioso, não a repressão política. E os crimes atribuídos a ele foram cometidos há mais de meio século, pré-datando a ditadura de Ceausescu, que durou de 1965 a 1989 e continua sendo um período politicamente muito mais delicado, porque muitos membros do establishment comunista sob Ceausescu mantiveram posições de poder mesmo após a queda do velho regime.
A dificuldade de sustentar a acusação de genocídio em um tribunal romeno --e contra qualquer contestação legal na Corte Europeia de Direitos Humanos em Estrasburgo, França-- levantou preocupações de que o caso será apenas outra largada falsa nos esforços irregulares do país de enfrentar seu passado.
"Eles o indiciaram por genocídio para que pudessem encerrar esse caso sem um resultado", disse Dan Voinea, um professor romeno de criminologia que serviu como promotor no julgamento armado às pressas de Ceausescu e sua mulher, Elena, em 25 de dezembro de 1989.
As elites política e econômica da Romênia, disse Voinea, ainda são dominadas por ex-comunistas, seus parentes e aliados, "que querem assegurar que os crimes do comunismo nunca sejam revelados e nunca processados de modo sério".
De fato, os críticos do governo dizem que o processo de Visinescu só ocorreu porque o promotor recebeu um arquivo detalhado do Instituto para a Investigação de Crimes Comunistas, um órgão semipúblico em Bucareste que pesquisa casos arquivados.
A Romênia sob Ceausescu era o governo stalinista mais autoritário no Leste Europeu, um pesadelo no qual 1 a cada 30 pessoas trabalhava como informante para a impiedosa agência de segurança, a Securitate. A repressão à dissidência por Ceausescu foi tão completa que os romenos eram proibidos até mesmo de possuir máquinas de escrever sem uma permissão da polícia.
O gabinete do procurador-geral em Bucareste, comandado por um ex-soldado que já atirou contra manifestantes --ou chamados terroristas-- durante o levante de 1989 contra Ceausescu se recusou a discutir o caso de Visinescu. Ele não explicou por que optou por indiciá-lo por genocídio, um crime que será muito difícil de ser provado, mas que pode oferecer uma forma de contornar o prazo de prescrição de outros crimes.
Mesmo assim, para muitos aqui, o indiciamento de Visinescu é significativo por promover pela primeira vez um grau de prestação de contas em um sistema penal que, segundo pesquisadores do instituto em Bucareste, não apenas submetia os presos a abusos físicos e psicológicos, como também buscava, muitas vezes, o extermínio dos oponentes do governo.
Esse era especialmente o caso no presídio de Ramnicu Sarat, a 153 quilômetros ao nordeste de Bucareste, que era reservado para presos políticos escolhidos para sofrerem tratamento duro. Visinescu comandou o presídio de 1956 a 1963.
"O mal agora tem um rosto na Romênia", disse Vladimir Tismaneanu, um professor da Universidade de Maryland que chefiou uma comissão de 2006 criada pelo governo romeno para examinar os crimes da era comunista em geral. "Uma coisa é ter um mal abstrato, mas o público precisa ver um indivíduo."
Aurora Dumitrescu, que foi presa em 1951 aos 16 anos e enviada para um presídio feminino dirigido por Visinescu na cidade de Mislea, lembra dele como "uma besta". Ela disse que ele tinha prazer em enviar as presas para a "câmara negra", uma sala de concreto sem janela, úmida, usada para espancamentos e tortura física. "Para ele, nós todas éramos apenas animais", disse.
Por sua vez, Visinescu, que é acusado de envolvimento direto em seis mortes, disse à mídia romena que não pode ser responsabilizado pelas decisões tomadas por seus superiores.
Insistindo que "nunca matei nada, nem mesmo uma galinha", Visinescu disse à TV romena que apenas executava as regras da prisão determinadas pelo Diretório Geral de Penitenciárias.
"Sim, pessoas morriam", disse ele. "Mas pessoas também morriam em outros lugares. Elas morriam aqui, ali, em toda parte. A comida e outras condições estavam de acordo com o programa. Se eu não seguisse o programa eu teria sido demitido. Então, o que eu podia fazer?"
Até mesmo algumas de suas vítimas aceitam seu argumento e se perguntam por que apenas uma figura relativamente menor está sendo perseguida após tanto tempo.
"Os chefes são muito mais culpados do que ele. Era o sistema", disse Valentin Cristea, 83, o único sobrevivente ainda vivo entre os prisioneiros políticos enviados para o presídio de Ramnicu Sarat.
Com exceção de pessoas envolvidas diretamente na morte de civis desarmados durante o levante de 1989, incluindo o ministro da Defesa na época, nenhuma figura significativa dos órgãos de poder comunistas foi julgada. Os esforços para impedir antigas autoridades de assumir novos cargos não deram em nada.
Quando a comissão de Tismaneanu relatou em 2006 que mais de 2 milhões de pessoas haviam sido mortas ou perseguidas pelas autoridades comunistas, o presidente Traian Basescu endossou as conclusões e disse que era hora de julgar os crimes do passado, para remover "o fardo de uma doença não curada".
Os membros do Parlamento vaiavam enquanto ele falava. Nenhum indiciamento se seguiu.
"Eles mudaram o nome do sistema e suas características externas, mas sua natureza permanece a mesma", disse Anca Cernea, que dirige uma fundação dedicada ao estado de direito e à memória dos presos políticos. "As pessoas que estão governando agora vieram todas desse sistema, de modo que não querem punir seus crimes. Todas elas dizem: vamos perdoar e seguir em frente."
Visinescu, ela acrescentou, "certamente é um monstro, mas ele não é o único. Eles o jogaram aos leões para se salvarem. Ele cometeu crimes, mas não genocídio".
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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