Criada em fevereiro de 2012, empresa tem duas mesas e um computador; desde agosto, patrimônio cresceu 21 vezes
RMC fez parceria com chinesa Pangang para fornecer trilhos à Valec, em contratos que chegam a R$ 750 mi
DIMMI AMORA e PAULO PEIXOTO - FSPUma empresa com sede num pequeno escritório em Belo Horizonte (MG) --com duas mesas, cadeira, telefone e um computador-- está prestes a ganhar duas concorrências de R$ 750 milhões do governo federal.
A RMC Participação, criada em fevereiro de 2012, é a primeira colocada em seis lotes de venda de trilhos para a Valec, a estatal das ferrovias.
O governo tenta há dois anos comprar 240 mil toneladas de trilhos para as ferrovias Norte-Sul e Oeste-Leste. Duas concorrências já foram canceladas por suspeitas de fraude e direcionamento.
Em 31 de julho, a Valec lançou um terceiro edital para a compra do equipamento, que tem que vir do exterior. Para aumentar a disputa, dividiu a aquisição em oito lotes.
A primeira concorrência, da Norte-Sul, começou em 16 de setembro e apareceram três companhias nacionais: RMC Participação, Trop Comércio Exterior e Capricórnio. A RMC ofereceu o menor preço em dois lotes (2% de desconto sobre o valor máximo).
No terceiro, a Capricórnio ganhou, mas foi eliminada por causa da documentação. A Valec analisa recursos para homologar a licitação e assinar os contratos com a RMC.
Na compra para a Fiol (Ferrovia Oeste-Leste), a fase de lances acabou há duas semanas. A RMC ficou em primeiro em três lotes, que podem render R$ 350 milhões. A Valec ainda analisa a documentação dos concorrentes.
Até 31 de agosto, a empresa mineira não poderia participar das concorrências da Valec porque, segundo seus balanços, tinha capital social de R$ 10 mil e patrimônio líquido de R$ 93 mil, quando o valor mínimo exigido era R$ 2 milhões.
Semanas antes da licitação, a RMC aumentou seu patrimônio para R$ 2,1 milhões e fez outras alterações no estatuto: saiu de um endereço residencial para um comercial e incluiu a permissão para trabalhar com produtos metalúrgicos.
FAXINEIRA
A Folha visitou os endereços da RMC na capital mineira. Neles, ninguém conhecia a empresa nem seus administradores --Rubem Magalhães Correa, Wagner Correa da Costa e Rafael Rodrigues dos Santos Costa. Numa das visitas, numa sexta-feira, o escritório estava fechado.
Em outra visita, numa segunda-feira, a reportagem bateu na porta e ninguém atendeu. Foi necessário uma faxineira do prédio pedir que a pessoa que estava no escritório abrisse a porta.
Com cara de sono e ajeitando a roupa, um rapaz disse que apenas pegava recados. Ele anotou o telefone do repórter e, no dia seguinte, um diretor entrou em contato.
Mesmo com esses atributos, a RMC firmou parceria com uma das maiores companhias chinesas de fornecimento de trilhos, a Pangnag Group, que havia vencido as duas últimas concorrências da Valec em parceria com outra brasileira, a Dismaf.
Parte dos trilhos fornecidos pela chinesa em 2008, segundo o ministério dos Transportes, apresenta problemas, fato que ela contesta.
Custo cresceu 43% e obra deve perder o prazo
FSPO confuso processo de licitação feito pela Valec para compra de trilhos para a Ferrovia Norte-Sul gerou até agora dois fatos indesejados: o preço da operação já subiu 43% e as chances da obra ser concluída dentro do prazo são cada vez menores.
Em 2011, na primeira tentativa de licitar os trilhos para o trecho da ferrovia entre Goiás e São Paulo, a Pangang ganhou a concorrência com preço de R$ 2.957 por tonelada, um desconto de 11% sobre o preço máximo fixado pelo governo no edital.
Nessa licitação, o material --que também atenderia a Ferrovia Oeste-Leste-- seria entregue na obra. A licitação acabou sendo cancelada depois de investigação do TCU.
Na concorrência feita em 2012, o preço-teto já estava em R$ 3.328 por tonelada, mas as empresas inscritas não fizeram lances, anulando a licitação.
Nesse edital já não havia a previsão de transporte dos trilhos até o local da obra. A entrega seria feita no porto.
O preço aumentou porque os trilhos são cotados em dólar. Como a moeda americana se valorizou frente ao real nesse intervalo de tempo, a previsão de gasto com essa compra também cresceu.
CONTRA O TEMPO
Na atual concorrência, o preço-teto fixado foi de R$ 4.302 por tonelada. O desconto de apenas 2% dado pela RMC Participação --a primeira colocada-- deixou o valor da tonelada em R$ 4.217, com entrega do produto no porto.
Com isso, o custo inicial dos trilhos para esse trecho da Norte-Sul passou de R$ 282 milhões para R$ 403 milhões, um salto de 43%.
A Valec ainda terá que fazer outra concorrência para levar os trilhos do porto até o local da obra.
O drama do governo é que, se o equipamento não for encomendado logo, a Norte-Sul não ficará pronta em junho de 2014, como está previsto no último balanço do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Quando esse trecho da obra foi licitado, a previsão inicial do governo era entregá-lo em 2012.
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