Paul Krugman - NYT
Susan Wals/Reuters
Funcionários retiram grades que isolavam o Memorial Lincoln de Washington, na volta ao trabalho após 16 dias de paralisação das atividades do governo. Imagem de 17 de outubro de 2013
No passado, sair por aí gritando "O fim está próximo" fazia uma pessoa ser rotulada como louca, alguém que não deve ser levado a sério. Atualmente, muita gente boa sai por aí alertando sobre um desastre iminente. Na verdade, é preciso mais ou menos concordar com as fantasias do apocalipse fiscal para uma pessoa ser considerada respeitável.E falo sério quando digo fantasias. Washington passou os últimos três anos sob o terror de uma crise da dívida que insistia em não acontecer e que, na verdade-- não pode acontecer em um país como os Estados Unidos--, que conta com sua própria moeda e toma emprestado nessa mesma moeda. Mas os fomentadores do medo continuam insistindo.
Considere, por exemplo, Stanley Druckenmiller, o investidor bilionário, que recentemente fez estardalhaço com seus alertas a respeito do fardo dos nossos programas de direitos. (Nossa, por que ninguém mais pensou nisso?) Ele poderia ter falado sobre problemas que poderíamos enfrentar daqui uma ou duas décadas. Mas não. Ele parece sentir que precisa alertar sobre a ameaça iminente de uma crise financeira pior que a de 2008.
Ou considere a organização que combate o deficit público Fix the Debt (sanar a dívida), liderada pelos onipresentes Alan Simpson e Erskine Bowles. Era previsível, eu suponho, que a Fix the Debt responderia ao mais recente acordo orçamentário com um comunicado de imprensa tentando mudar o foco para seu assunto favorito. Mas a organização não se contentou em declarar que as questões orçamentárias de longo prazo dos Estados Unidos permanecem não resolvidas, o que é verdade. Ela tinha de alertar sobre "continuar adiando um combate à dívida, significa permitir que o fogo continue queimando e que pode sair de controle a qualquer momento".
Como já sugeri, há duas coisas notáveis a respeito desse tipo de visão apocalíptica. Uma é que os profetas do apocalipse não repensaram suas ideias apesar de terem se mostrado errados repetidas vezes –talvez porque a mídia continue os tratando com imenso respeito. A outra é que até onde posso dizer, ninguém, realmente ninguém, no campo do apocalipse iminente tentou explicar exatamente como o desastre previsto de fato ocorreria.
Sobre o aspecto "Chicken Little": É realmente incrível, de certa forma, notar há quanto tempo o desastre iminente enche nossas ondas de radiodifusão e páginas de opinião. Por exemplo, eu acabei de reler um artigo de opinião de Alan Greenspan no "The Wall Street Journal", alertando que nosso deficit orçamentário levará a alta da inflação e das taxas de juros. E quanto à realidade de inflação baixa e taxas baixas? Isso, ele declara no artigo, é "lamentável, porque promove um senso de complacência".
É curioso quão prontamente as pessoas que normalmente reverenciam a sabedoria dos mercados declaram que os mercados estão errados quando não entram em pânico como deveriam. Mas o que é realmente notável a esta altura é a data: o artigo de Greenspan foi publicado em junho de 2010, quase três anos e meio atrás –e tanto a inflação quanto as taxas de juros permanecem baixas.
E o ex-Maestro reconsiderou seus pontos de vista após se mostrar errado por tanto tempo? Nem um pouco. Seu novo livro (e muito ruim) declara que "a inclinação para gastos deficitários irrestritos é nosso principal problema econômico doméstico".
Enquanto isso, sobre aquela crise da dívida frequentemente profetizada, mas que nunca chega: em um depoimento no Senado há mais de dois anos e meio, Bowles alertou que provavelmente enfrentaríamos uma crise fiscal em aproximadamente dois anos, pedindo aos seus ouvintes para que "parem por um minuto e pensem no que aconteceria" se "nossos banqueiros na Ásia" parassem de comprar nossa dívida. Mas ele, ou qualquer outra pessoa no seu campo, de fato pensou no que realmente aconteceria? Não. Eles apenas presumem que causaria alta dos juros e colapso econômico, quando tanto a teoria quanto as evidências sugerem o contrário.
Não acredita em mim? Veja o Japão, um país que, como os Estados Unidos, tem sua própria moeda e toma emprestado nessa moeda, e tem uma dívida muito maior em relação ao PIB do que os Estados Unidos. Desde que tomou posse, o primeiro-ministro Shinzo Abe tem promovido, na prática, exatamente o tipo de perda da confiança que os críticos da dívida temem –isto é, ele persuadiu os investidores de que a deflação acabou e que haverá inflação, o que reduz o atrativo dos títulos japoneses. E os efeitos sobre a economia japonesa foram totalmente positivos! As taxas de juros permanecem baixas, porque as pessoas esperam que o Banco do Japão (o banco central japonês) as mantenha baixas; o iene se desvalorizou, o que é muito bom, porque torna as exportações japonesas mais competitivas. E o crescimento econômico japonês na verdade acelerou.
Por que, então, devemos temer o apocalipse da dívida aqui? Certamente, você pode pensar, alguém na comunidade do apocalipse da dívida deve ter oferecido uma explicação clara. Mas ninguém o fez.
Então, da próxima vez que alguma pessoa de aparência séria trajando terno declarar que estamos à beira do precipício fiscal, não tenha medo. Ela e seus amigos estiveram errados em tudo até agora e, literalmente, eles não têm nenhuma noção do que estão falando.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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