Carlos Alberto Di Franco - O Estado de
S.Paulo
A História mundial está repleta de exemplos inspiradores. E a saga
brasileira, também. Os defeitos pessoais e as limitações humanas dos homens
públicos, inevitáveis e recorrentes como as chuvas de verão, não matavam a
política. Hoje, no entanto, assistimos ao advento da pornopolítica. A vida
pública, com raras e contadas exceções, transformou-se num espaço mafioso, numa
avenida transitada por governantes corruptos, políticos cínicos e gangues
especializadas no assalto ao dinheiro público.
O custo humano e social da corrupção brasileira é assustador. O dinheiro que
desaparece no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça, uma bofetada na
cidadania, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República.
As instituições perdem credibilidade numa velocidade assustadora. Os protestos
que tomam conta das cidades precisam ser interpretados à luz da corrupção
epidêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão
pública.
A violência "black bloc", equivocadamente, visa a chamar a atenção de um Estado ausente. É a conclusão a que chegaram os pesquisadores Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Unifesp, e Rafael Alcadipani, professor de Estudos Organizacionais da FGV-Eaesp, em recente matéria especial para o jornal Folha de S.Paulo. A pesquisa consistiu em acompanhar de perto as manifestações, observar, perguntar, conversar com pessoas que utilizam a tática "black bloc", policiais e membros da imprensa. O universo "black bloc" é composto por jovens que estão na faixa etária entre 17 e 25 anos. São de classe média baixa, a maioria trabalha, alguns são formados ou estão se formando em universidades particulares.
Das conversas que tiveram e das observações que realizaram ficou claro que para esses jovens a violência simbólica funciona como uma forma de se expressarem socialmente, um elemento provocador que tem o intuito de captar a atenção de um Estado percebido como totalmente ausente. O uso da violência simbólica também serve, na versão deles, para induzir a sociedade a refletir sobre a necessidade de uma mudança sistêmica: "Protesto pacífico não adianta nada, só com violência é que o governo enxerga nossa revolta". A intenção é transgredir, incomodar, deixar visibilidade, chamar para um debate. Exemplos de frases que retratam isso são: "A causa de o Black Block agir é o descaso público. As pessoas estão sendo torturadas psicologicamente pelo cotidiano, não somos vândalos, vândalo é o Estado, que deixa as pessoas horas esperando na fila do SUS".
A pesquisa cumpriu um papel importante: procurou entender o que se passa na cabeça do pessoal e decodificar o seu recado. A violência, não obstante eventuais matizes ideológicos e fortes marcas de vandalismo antissocial, está intimamente relacionada com uma percepção de que o Estado está na contramão da sociedade. O cidadão paga impostos extorsivos e o retorno dos governos é quase zero. Tudo o que depende do Estado funciona mal. Educação, saúde, segurança, transporte são incompatíveis com o tamanho e a importância do Brasil. Os gastos públicos aumentam assustadoramente. O número de ministérios é uma piada. A corrupção rola solta. A percepção de impunidade é muito forte.
A situação do julgamento do mensalão, independentemente das razões técnicas que fundamentaram alguns votos, transmitiu ao cidadão médio a convicção de que a lei não vale para todos. Estão conseguindo demonizar a política e, consequentemente, empurrando a democracia para uma zona de risco. Os governantes precisam acordar. As vozes das ruas, nas suas manifestações legítimas e mesmo nos seus excessos, esperam uma resposta efetiva, e não um discurso marqueteiro. A crise que está aí é brava. A gordura dos anos de bonança acabou. A realidade está gritando no bolso e na frustração das pessoas. E não há marketing que supere a força inescapável dos fatos. O governo pode perder o controle da situação.
Nós, jornalistas, temos um papel importante. Devemos dar a notícia com toda a clareza. Precisamos fugir do jornalismo declaratório. Nossa missão é confrontar a declaração do governante com a realidade dos fatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
Campanhas milionárias, promessas surrealistas e imagens produzidas fazem parte do marketing de alguns políticos e governantes. Assiste-se, diariamente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos.
Transparência nos negócios públicos, ética, boa gestão e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las. Devemos condenar a violência "black bloc", sem dúvida. Mas devemos também bater forte na pornopolítica. Ela está na raiz da espiral de violência que sequestra a esperança dos jovens e ameaça a nossa democracia.
A violência "black bloc", equivocadamente, visa a chamar a atenção de um Estado ausente. É a conclusão a que chegaram os pesquisadores Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Unifesp, e Rafael Alcadipani, professor de Estudos Organizacionais da FGV-Eaesp, em recente matéria especial para o jornal Folha de S.Paulo. A pesquisa consistiu em acompanhar de perto as manifestações, observar, perguntar, conversar com pessoas que utilizam a tática "black bloc", policiais e membros da imprensa. O universo "black bloc" é composto por jovens que estão na faixa etária entre 17 e 25 anos. São de classe média baixa, a maioria trabalha, alguns são formados ou estão se formando em universidades particulares.
Das conversas que tiveram e das observações que realizaram ficou claro que para esses jovens a violência simbólica funciona como uma forma de se expressarem socialmente, um elemento provocador que tem o intuito de captar a atenção de um Estado percebido como totalmente ausente. O uso da violência simbólica também serve, na versão deles, para induzir a sociedade a refletir sobre a necessidade de uma mudança sistêmica: "Protesto pacífico não adianta nada, só com violência é que o governo enxerga nossa revolta". A intenção é transgredir, incomodar, deixar visibilidade, chamar para um debate. Exemplos de frases que retratam isso são: "A causa de o Black Block agir é o descaso público. As pessoas estão sendo torturadas psicologicamente pelo cotidiano, não somos vândalos, vândalo é o Estado, que deixa as pessoas horas esperando na fila do SUS".
A pesquisa cumpriu um papel importante: procurou entender o que se passa na cabeça do pessoal e decodificar o seu recado. A violência, não obstante eventuais matizes ideológicos e fortes marcas de vandalismo antissocial, está intimamente relacionada com uma percepção de que o Estado está na contramão da sociedade. O cidadão paga impostos extorsivos e o retorno dos governos é quase zero. Tudo o que depende do Estado funciona mal. Educação, saúde, segurança, transporte são incompatíveis com o tamanho e a importância do Brasil. Os gastos públicos aumentam assustadoramente. O número de ministérios é uma piada. A corrupção rola solta. A percepção de impunidade é muito forte.
A situação do julgamento do mensalão, independentemente das razões técnicas que fundamentaram alguns votos, transmitiu ao cidadão médio a convicção de que a lei não vale para todos. Estão conseguindo demonizar a política e, consequentemente, empurrando a democracia para uma zona de risco. Os governantes precisam acordar. As vozes das ruas, nas suas manifestações legítimas e mesmo nos seus excessos, esperam uma resposta efetiva, e não um discurso marqueteiro. A crise que está aí é brava. A gordura dos anos de bonança acabou. A realidade está gritando no bolso e na frustração das pessoas. E não há marketing que supere a força inescapável dos fatos. O governo pode perder o controle da situação.
Nós, jornalistas, temos um papel importante. Devemos dar a notícia com toda a clareza. Precisamos fugir do jornalismo declaratório. Nossa missão é confrontar a declaração do governante com a realidade dos fatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
Campanhas milionárias, promessas surrealistas e imagens produzidas fazem parte do marketing de alguns políticos e governantes. Assiste-se, diariamente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos.
Transparência nos negócios públicos, ética, boa gestão e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las. Devemos condenar a violência "black bloc", sem dúvida. Mas devemos também bater forte na pornopolítica. Ela está na raiz da espiral de violência que sequestra a esperança dos jovens e ameaça a nossa democracia.
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