terça-feira, 1 de outubro de 2013

Grupos extremistas disputam espaço na revolta síria
Radicais islâmicos travam ‘guerra dentro da guerra’ e analistas temem pelo futuro do país
Deborah Berlinck - O Globo

O imã Abu Mohammed (ao centro) fala com integrantes do grupo rebelde Liwa al-Tawhid na cidade de Aleppo: radicais brigam entre si e dão um tom cada vez mais islamistas à revolta
Foto: AFP/JM LOPEZ
O imã Abu Mohammed (ao centro) fala com integrantes do grupo rebelde Liwa al-Tawhid na cidade de Aleppo: radicais brigam entre si e dão um tom cada vez mais islamistas à revolta -AFP/JM LOPEZ
GENEBRA - Uma guerra dentro da guerra começa a se desenhar na Síria: rebeldes estão se matando. Inicialmente unidos para derrubar o regime de Bashar al-Assad, eles hoje também lutam entre si pelo poder nas cidades conquistadas — islamistas contra islamistas, sobretudo. É esta batalha que pode determinar o país que vai emergir deste conflito se os rebeldes vencerem: uma Síria sob o comando de radicais, governado pela sharia (lei islâmica), sob influência do grupo terrorista al-Qaeda, ou um país mais moderado?
Thomas Pierret, especialista em Síria da Universidade de Edimburgo, vê sinais de radicalização. Mas, para ele, o pior cenário não é a emergência de um Estado islâmico numa eventual Síria pós-Assad: é uma Síria sem Estado.
— O que me inquieta mais não é se a Síria vai se tornar ou não uma teocracia (como o Irã). A população está pronta a aceitar um Estado islâmico, mas não a este ponto. O que me preocupa é se a Síria não tiver um Estado, como na Somália, se instalará uma situação de caos total onde não há como construir instituições — afirma.
‘Irreal pensar em oposição monolítica’
Nadim Shehadi, pesquisador do Royal Institute of International Affairs (Chatham House), em Londres, discorda. O cenário de uma Síria virando Somália, segundo ele, é o que Assad quer fazer o Ocidente acreditar, para se perpetuar no poder. Para ele, a Síria pós-Assad vai mais provavelmente virar um Iraque.
— O que aconteceu no Iraque não foi um sucesso. Mas eu volto a 1991, depois que o Iraque invadiu o Kuwait. George Bush (pai, presidente americano) encorajou os iraquianos a se revoltarem (contra Saddam Hussein, o ditador iraquiano). Eles se rebelaram, e os americanos não ajudaram e se retiraram. Saddam os massacrou. Isso está se repetindo na Síria. Se mantiverem Assad mais dez anos, a Síria vira um Iraque — prevê Shehadi, referindo-se à relutância dos americanos a ajudar os rebeldes.
Para ele, a fragmentação dos rebeldes na Síria é “provavelmente a única forma de a oposição sobreviver”, já que o regime destruiria mais facilmente uma frente unificada com um líder forte. Os extremistas são criação do próprio regime, sustenta.
— É irreal imaginar uma oposição monolítica emergindo após 47 anos de ditadura. Trata-se de toda a sociedade emergindo com toda a sua diversidade de ideias, religiões, etnias.
Para Pierret, os combates que se veem hoje entre os grupos rebeldes são provocados, essencialmente, por um grupo islamista radical: o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isil). Ao contrário dos outros grupos islamistas, este se julga um “Estado”, líder de todos os muçulmanos em Iraque e Síria.
— A lógica deles é controlar e administrar os territórios (conquistados pelos rebeldes), o que implica eliminar outros grupos. Antes da aparição deles em abril, tudo se passava bem entre os rebeldes — diz.
A disputa é violenta no Norte, perto da fronteira com a Turquia — ponto estratégico por onde entram as armas enviadas por grupos e governos estrangeiros. Há dez dias, radicais do Isil mataram pelo menos cinco membros da Brigada Tempestade do Norte, grupo rebelde que controla a fronteira com a Turquia na cidade de Azaz. Os confrontos duraram dois dias e acabaram com trégua e troca de prisioneiros. A tensão cresce agora entre militantes do Isil e da Frente al-Nusra (ligada à al-Qaeda), que é jihadista, mas não combate outros grupos, segundo Pierret.
O racha político na semana passada dentro da opositora Coalizão Nacional Síria (CNS), da qual 13 grupos de tendência islâmica pediram baixa, lançou uma nuvem negra sobre as tentativas de relançar a ideia de uma conferência de paz em Genebra. É também mais um golpe no sonho de sírios moderados e dos ocidentais de verem um país mais aberto e democrático emergir num eventual pós-Assad. Os rebeldes esperavam uma intervenção ocidental na Síria depois do ataque com armas químicas de 21 de agosto que, segundo o Ocidente, foi ordenado pelo regime Assad. Também a promessa dos ocidentais de armar a oposição não se concretizou:
— Como não há mais nada a esperar dos ocidentais, eles (os 13 grupos rebeldes) disseram: “Viramos as costas aos que representam os ocidentais na oposição” — explica Pierret.
Moderados preocupados
Hoje, muitos rebeldes na Síria estão ligados a dois poderosos grupos: o Isil e o Exército Livre da Síria, apoiado pelo Ocidente. E a radicalização preocupa os moderados. Num comunicado, a CNS queixou-se da pressão dos jihadistas para criar um Estado islâmico na Síria, dizendo que ações de combatentes ligados à Al-Qaeda “contrariam os princípios que a revolução síria tenta alcançar”. Os sírios, diz o comunicado, “são moderados e respeitam o pluralismo religioso e político enquanto rejeitam o extremismo cego”.
Diante disso tudo, os dois pesquisadores concordam num ponto: é total ilusão imaginar uma conferência de paz agora em Genebra.

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