domingo, 27 de outubro de 2013

Londrinos se sentem enganados por pagar reforma do sistema de esgoto
Julia Werdigier - NYT                                       
Antonio Farinaci/UOL
Vista do rio Tâmisa, com o centro financeiro de Londres, a "City", ao fundo
Vista do rio Tâmisa, com o centro financeiro de Londres, a "City", ao fundo
Num dia particularmente quente de verão em 1858, o cheiro de esgoto do rio Tâmisa se tornou tão insuportável que os legisladores ordenaram que as cortinas das Casas do Parlamento fossem embebidas em hipoclorito de cálcio. Quando isso não resolveu para repelir os odores, os membros do parlamento simplesmente abandonaram o lugar.
O líder da Câmara e chanceler do Exchequer, Benjamin Disraeli, "foi visto fugindo da Câmara, com o lenço ao nariz ", segundo Stephen Halliday em sua história "O Grande Fedor de Londres".
A pressão cresceu para seguir a recomendação de um engenheiro civil famoso, Joseph W. Bazalgette, para que se construísse um sistema de túneis que coletaria o esgoto e o desviaria mais à frente no rio, abaixo da capital, e a construção logo teve início. Os túneis do sistema de 1.770 quilômetros – revestidos com 314 milhões de tijolos meticulosamente colocados por pedreiros vitorianos – continuaram em condições surpreendentemente boas até hoje.
Construídos para uma cidade com a rmetade do tamanho atual da cidade de Londres, no entanto, o sistema agora está transbordando. Quase uma vez por semana, o esgoto bruto vaza para o Tâmisa, uma mudança brusca em relação ao século 19, quando o sistema recém-construído transbordava menos de uma vez por ano.
O fluxo crescente de esgoto – resultado da perda de espaços verdes para absorver a água da chuva e do aumento da população – viola a lei ambiental europeia, disse a Comissão Europeia em 2009, e o governo prometeu agir.
Mas, numa era de austeridade e orçamentos apertados, não é o governo que está pagando a conta de US$ 6,6 bilhões mas a Thames Water, uma companhia privada com acionistas. O governo está assumindo o risco, o que significa que ele atuará como financiador em último caso, se houver grandes problemas durante a construção, mas de outra forma não pagará pelo novo sistema.
Mas há um problema, é claro: na verdade são os clientes da Thames Water que estão pagando pelo projeto com contas de água mais caras, uma perspectiva quase tão terrível para os londrinos hoje quanto o mau cheiro do rio era para seus antepassados do século 19.
As contas de água para 14 milhões de clientes da Thames Water em Londres e nos arredores devem aumentar de US$ 570 para até US$ 700 por ano num futuro próximo, disse a empresa . O dinheiro será usado para pagar os investidores iniciais, que também serão os dono do novo sistema. E mesmo assim, o túnel continuará sendo propriedade da companhia, uma perspectiva que irrita ainda mais.
Vários políticos locais e especialistas do setor dizem que o plano equivale a jogar dinheiro no ralo, que as estimativas de construção são muito baixas, e que existem alternativas mais baratas e menos perturbadoras.
"Os custos podem chegar a 10 bilhões de libras", ou cerca de US$ 16,16 bilhões, disse Nicholas Botterill, líder do conselho de Hammersmith e Fulham, distritos do sudoeste de Londres, "e eu não quero que o país perca muito dinheiro".
Também seria desagradável para as pessoas que vivem perto de onde acontecerão as obras, disse ele. Até mesmo o engenheiro que inicialmente planejou o novo túnel de esgoto, Chris Binnie, agora está dizendo que túneis menores e bem mais baratos podem ser suficientes.
Ann Rosenberg, jornalista aposentada da BBC, vive a um quarteirão de distância de um dos canteiros de obras planejados para o esgoto em Parsons Green. "A única coisa que fica entalada na minha garganta", diz ela, " é que eu vou estar pagando por isso até eu morrer e, em seguida, meus filhos vão pagar por este túnel, do qual nenhum de nós será dono, mas que vai para a base de ativos da Thames Water e de seus investidores."
Rosenberg também está preocupada com outros problemas. "Será intolerável e afetará a saúde das pessoas", disse ela em sua casa de três quartos, onde mora há 30 anos. "Eles falam em veículos de grande porte a cada 15 minutos. Isso vai ter um impacto sobre a qualidade do ar."
Michael Gerrard, o diretor-administrativo do projeto de saneamento básico da Thames Water , disse que os londrinos têm que contribuir para o futuro de sua cidade. "Se quisermos que Londres cresça, é preciso investir na infraestrutura", disse ele. "Se nada for feito, teremos um problema de saúde pública."
A Thames Water não nega que haverá alguma perturbação e disse que pagará vidros duplos para as janelas dos moradores para protegê-los do ruído ou até mesmo os moverá se a obra se tornar insuportável. Mas os detalhes de quando e em que circunstâncias essa ajuda será oferecida permanecem vagos.
"Haverá incômodos e custos e as pessoas querem se livrar disso, mas não tenho o poder de fazer isso", disse Gerrard. "Eu gostaria que houvesse alternativas."
Rosenberg e outros dizem que elas existem. Binnie, que recomendou o novo esgoto em 2006, agora argumenta que dois esgotos menores seriam suficientes e reduziriam os custos em cerca de US$ 2,4 bilhões. Nos últimos seis anos, surgiram novas formas de tratar o esgoto e a previsão dos fluxos totais de esgoto mudou, e a Thames Water deveria pelo menos rever suas opções, disse ele.
Tradutor: Eloise De Vylder

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