quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Na Europa, o medo da ascensão dos votos de protesto
Alain Salles - Le Monde
22.set.2013 - Kay Nietfeld/EFE
A chanceler alemã, Angela Merkel. Voto anti-Merkel deve se somar a outras modalidades de voto de protesto durante as eleições europeias de 2014
A chanceler alemã, Angela Merkel. Voto anti-Merkel deve se somar a outras modalidades de voto de protesto durante as eleições europeias de 2014
O avanço do partido anti-euro na Alemanha, a ascensão da extrema direita na Áustria, a pressão dos eurófobos de Nigel Farage sobre os conservadores britânicos, o desastre eleitoral do partido situacionista nas eleições municipais portuguesas devido ao plano de austeridade, tudo isso constitui um preâmbulo à campanha das eleições europeias de maio de 2014, que corre o risco de ser marcada pelos grupos contrários à ortodoxia de Bruxelas.
Aos tradicionais votos anti-imigração e anti-Bruxelas, que alimentaram as ondas de euroceticismo em eleições anteriores, se soma um voto anti-Merkel e anti-troika, que vem prosperando desde a crise do euro e os repetidos planos de austeridade. Essas frentes dos "antis" se entrecruzam com frequência. Os eurocéticos estão preocupados com o aumento da imigração, enquanto a austeridade alimenta a rejeição a uma Europa liberal.
Enquanto os partidos de governo estão mais preocupados com as eleições nacionais do que com as europeias, que têm pouca participação, esses "antis" pretendem capitalizar com a votação dos dias 22 e 25 de maio de 2014 para garantir sua influência. Esse movimento acontece no momento em que o Parlamento europeu vem ganhando poderes mais importantes, sobretudo na escolha do presidente da Comissão.
O presidente do UKIP (Partido pela Independência do Reino Unido), Nigel Farage, está fazendo das eleições europeias seu principal objetivo para impor seus pontos de vista no Reino Unido e para mudar a relação de forças em Bruxelas. É também uma prioridade para os Verdadeiros Finlandeses e a Frente Nacional (FN), assim como para Beppe Grillo, na Itália, e o Syriza, principal partido de oposição na Grécia. Eles esperam consolidar os votos "antis" que se exprimem com mais facilidade nessa eleição. "As eleições europeias são tradicionalmente favoráveis aos partidos periféricos", explica o analista político Dominique Reynié. "Elas são proporcionais e a abstenção é grande lá, sobretudo entre o eleitorado moderado."
Os ingredientes do coquetel são conhecidos: a imigração, a burocracia e a austeridade. Às vezes eles se misturam, correndo o risco de se tornarem explosivos. A polêmica na França sobre os ciganos mostra que a imigração --tanto na direção da Europa quanto dentro da União-- será um dos temas de campanha. É o carro-chefe da extrema direita, da Dinamarca até a Grécia, passando pela Holanda, Áustria e França.
É também um assunto que costuma ser adotado pelos eurocéticos do UKIP ou pelo novo partido anti-euro, Alternativa para a Alemanha (AfD). Para parte dos europeus que ficaram perturbados com a crise, a livre-circulação é vista como uma ameaça ao emprego. O trabalhador romeno ou búlgaro está substituindo o encanador polonês.
O euroceticismo está se beneficiando com a crise. Às críticas da burocracia de Bruxelas se soma a má gestão da turbulência financeira. "Desde a crise das dívidas, os países do Sul se convenceram de que o que está acontecendo com eles é culpa de Berlim, ao passo que os países do Norte acreditam que é por causa de Bruxelas que eles precisam dar dinheiro para o Sul", explica o deputado do Partido Popular Europeu (PPE), Alain Lamassoure. Os Verdadeiros Finlandeses veem na ajuda à Grécia a justificativa para seu euroceticismo, assim como o Partido da Liberdade de Geert Wilders na Holanda, que chega a 30% nas pesquisas de intenção de voto.
Ao lado dessas duas oposições tradicionais, a crise provocou o surgimento de uma frente anti-Merkel e anti-troika que prospera no Sul da Europa, tanto à esquerda quanto à extrema direita. Na Grécia, o Syriza e o partido populista dos Gregos Independentes pretendem aproveitar a ampla rejeição às medidas impostas por Bruxelas e pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) para se impor em Estrasburgo. "Queremos romper com o sistema atual e criar uma maioria de esquerda com os ecologistas e os socialdemocratas", afirma Patrick Le Hyaric, deputado da Frente de Esquerda, que prevê um forte crescimento no Sul e no Leste. Na Espanha, o movimento dos Indignados prometeu apresentar candidatos para a eleição de maio.
Preocupada com essa ascensão do populismo, a Comissão deve, segundo seu porta-voz Olivier Baill, "corrigir as inverdades, como fizemos com os ciganos, e explicar a União Europeia na mídia" apostando em um retorno do crescimento para "frear as atuais tensões".
"O projeto da UE se encontra diante de um risco muito grande", reconhece Anni Podimata, vice-presidente do Parlamento, deputada do Partido Socialista Grego (Pasok). "O sentimento antieuropeu vem se agravando enormemente. Isso deve incentivar os partidos a assumirem sua mensagem pró-UE. Quando os chefes de governo saem das cúpulas explicando que eles garantiram o interesse do país deles, isso leva à situação atual."
"O perigo é muito grande", concorda Lamassoure. Para ele, a solução se encontra na nova eleição. "O presidente da Comissão será eleito. A campanha será mais personalizada. Os eleitores se sentirão mais envolvidos", opina.
Até então, a extrema direita e os movimentos eurocéticos, muito divididos, tinham um peso limitado no Parlamento europeu. Os deputados da Frente Nacional são "não inscritos" [não pertencem a nenhum grupo parlamentar], ao passo que outros movimentos se encontram dentro do grupo Europa da Liberdade e Democracia em torno de Nigel Farage e membros da Liga Norte. O sonho da Frente Nacional é criar um grupo com o FPÖ austríaco, que acaba de ultrapassar os 20% nas legislativas de 29 de setembro.
"Haverá entre um quarto e um terço dos deputados que votarão 'não' para tudo, mas isso não impedirá o Parlamento de funcionar. A aliança entre o PPE e os socialdemocratas será ainda mais necessária", alega Lamassoure. Os dois partidos anunciaram que fariam uma campanha direita-esquerda, mas a entrada dos socialdemocratas coincide com a decisão do SPD de participar do governo Merkel. "Se para responder à onda populista o PPE e os socialistas se entenderem, isso funcionará, mas não é algo muito bom", afirma Reynié.
Tradutor: UOL

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