As discussões políticas na Itália se parecem com os líderes de seus partidos. As da centro-esquerda são muitas, previsíveis e aborrecidas. As da centro-direita, por sua vez, são únicas, estridentes, construídas à base de coações, ameaças, jogo sujo e finais imprevistos.
Como Silvio Berlusconi, que na segunda-feira (30), depois de fazer explodir o governo de Enrico Letta e de intimidar seus próprios ministros indisciplinados por meio de um jornal de sua propriedade, reuniu seus deputados e lhes falou como se nada tivesse acontecido: "Reuni-me com os ministros e está tudo esclarecido. Roupa suja se lava em casa. Para nós, este governo terminou".
O "capo" não aceita que o tosem. Não está acostumado. Talvez alguma traição isolada, como a de seu antigo aliado Gianfranco Fini, cujos ouvidos ainda doem. Mas, no domingo, mais que uma tosse, parecia o princípio de um catarro que, aos 77 anos e com uma condenação por evasão fiscal que poderá deixá-lo fora do Senado e em prisão domiciliar, poderia ser fatal.
Os cinco ministros que haviam aceitado a ordem do chefe de apresentar sua demissão para derrubar o governo Letta, incluindo o vice-presidente e delfim Angelino Alfano, se permitiram a ousadia de demonstrar publicamente seu desacordo. Declararam que Berlusconi havia agido sob o influxo da ala mais radical do partido - os falcões - e que a Itália hoje precisa de mais comedimento. Na segunda-feira, ao amanhecer, quando o entregador deixou em suas portas o jornal da família Berlusconi, "Il Giornale" trazia uma pequena mensagem, muito clara.
Na capa, para que não o deixassem de ler, um comentário do diretor, Alessandro Sallusti, citava pelos sobrenomes os rebeldes (Alfano, Quagliariello, Lorenzin, Lupi e Di Girolamo), os emparelhava com a traição de Fini e os advertia de que o equivocado não era o chefe Berlusconi e sim eles. Estavam avisados.
Algumas horas depois, os cinco citados publicavam uma mensagem na qual passavam recibo da ameaça e a mandavam de volta: "Devemos dizer logo ao diretor de 'Il Giornale' que não temos medo. Se pensa nos intimidar e ao livre debate em nosso movimento político, se engana totalmente. Se pensa nos amedrontar com a comparação de Gianfranco Fini, deve saber que não há casa em Montecarlo com a qual construir uma campanha". Bela confusão, talvez, inclusive, perigosa...
Com esses antecedentes, o dia transcorreu movimentado. A fratura no Povo da Liberdade (PDL) parecia clara, por isso a mídia se dedicou a fazer listas dividindo o partido em falcões (os mais berlusconianos que Berlusconi), pombos (os moderados) e os semi-internos, que tentam mediar entre uns e outros e que, como costuma acontecer, levarão as bofetadas avulsas.
Letta, que nesta quarta-feira (2) se apresentará diante da confiança do Parlamento, seria capaz de romper a uniformidade do PDL e arrancar alguns deputados de Berlusconi? Algum comentarista trouxe à baila que, apesar das águas revoltas, Letta, naturalmente sério, assumiu há alguns dias um sorriso irônico, como se ele e o presidente George Napolitano soubessem que o partido de Berlusconi não é mais o quartel de ordem e comando como até agora. Se for verdade, seria histórico.
Entretanto, Berlusconi regressou a Roma. Entrou no Palácio Grazioli de óculos escuros e carregando Dudu, o cãozinho branco de sua noiva, e então todas as esperanças começaram a desvanecer. O político e magnata falou com seus ministros e depois se aproximou da Câmara de Deputados para se reunir com seus parlamentares.
Não é possível saber se o que disse corresponde à realidade que vive o PDL, mas Berlusconi afirmou que tudo está em ordem, assumiu a responsabilidade por sua decisão de fazer explodir o governo e distribuiu o roteiro: "Este governo está acabado. Pelo bem do país, nos comprometemos a votar em uma semana o cancelamento do segundo pagamento do IMU (o imposto sobre a primeira moradia), a lei de estabilidade e o cancelamento do aumento do imposto de valor agregado. Depois iremos às urnas e ganharemos. Falei com os ministros. O que fizeram (criticar o chefe e ala mais radical do PDL) foi com boa vontade. Já está tudo esclarecido, mas roupa suja se lava em casa."
Desde que Berlusconi pronunciou essas palavras até esta quarta-feira (2), quando os deputados e senadores escutarão os argumentos de Enrico Letta para seguir adiante com um governo estável que afaste o fantasma de outras eleições, já terão se passado 48 horas. Talvez demais para quem, como Berlusconi, não está acostumado a que ninguém, nem mesmo seus ministros mais queridos, cruzem impunemente seu caminho.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Como Silvio Berlusconi, que na segunda-feira (30), depois de fazer explodir o governo de Enrico Letta e de intimidar seus próprios ministros indisciplinados por meio de um jornal de sua propriedade, reuniu seus deputados e lhes falou como se nada tivesse acontecido: "Reuni-me com os ministros e está tudo esclarecido. Roupa suja se lava em casa. Para nós, este governo terminou".
O "capo" não aceita que o tosem. Não está acostumado. Talvez alguma traição isolada, como a de seu antigo aliado Gianfranco Fini, cujos ouvidos ainda doem. Mas, no domingo, mais que uma tosse, parecia o princípio de um catarro que, aos 77 anos e com uma condenação por evasão fiscal que poderá deixá-lo fora do Senado e em prisão domiciliar, poderia ser fatal.
Os cinco ministros que haviam aceitado a ordem do chefe de apresentar sua demissão para derrubar o governo Letta, incluindo o vice-presidente e delfim Angelino Alfano, se permitiram a ousadia de demonstrar publicamente seu desacordo. Declararam que Berlusconi havia agido sob o influxo da ala mais radical do partido - os falcões - e que a Itália hoje precisa de mais comedimento. Na segunda-feira, ao amanhecer, quando o entregador deixou em suas portas o jornal da família Berlusconi, "Il Giornale" trazia uma pequena mensagem, muito clara.
Na capa, para que não o deixassem de ler, um comentário do diretor, Alessandro Sallusti, citava pelos sobrenomes os rebeldes (Alfano, Quagliariello, Lorenzin, Lupi e Di Girolamo), os emparelhava com a traição de Fini e os advertia de que o equivocado não era o chefe Berlusconi e sim eles. Estavam avisados.
Algumas horas depois, os cinco citados publicavam uma mensagem na qual passavam recibo da ameaça e a mandavam de volta: "Devemos dizer logo ao diretor de 'Il Giornale' que não temos medo. Se pensa nos intimidar e ao livre debate em nosso movimento político, se engana totalmente. Se pensa nos amedrontar com a comparação de Gianfranco Fini, deve saber que não há casa em Montecarlo com a qual construir uma campanha". Bela confusão, talvez, inclusive, perigosa...
Com esses antecedentes, o dia transcorreu movimentado. A fratura no Povo da Liberdade (PDL) parecia clara, por isso a mídia se dedicou a fazer listas dividindo o partido em falcões (os mais berlusconianos que Berlusconi), pombos (os moderados) e os semi-internos, que tentam mediar entre uns e outros e que, como costuma acontecer, levarão as bofetadas avulsas.
Letta, que nesta quarta-feira (2) se apresentará diante da confiança do Parlamento, seria capaz de romper a uniformidade do PDL e arrancar alguns deputados de Berlusconi? Algum comentarista trouxe à baila que, apesar das águas revoltas, Letta, naturalmente sério, assumiu há alguns dias um sorriso irônico, como se ele e o presidente George Napolitano soubessem que o partido de Berlusconi não é mais o quartel de ordem e comando como até agora. Se for verdade, seria histórico.
Entretanto, Berlusconi regressou a Roma. Entrou no Palácio Grazioli de óculos escuros e carregando Dudu, o cãozinho branco de sua noiva, e então todas as esperanças começaram a desvanecer. O político e magnata falou com seus ministros e depois se aproximou da Câmara de Deputados para se reunir com seus parlamentares.
Não é possível saber se o que disse corresponde à realidade que vive o PDL, mas Berlusconi afirmou que tudo está em ordem, assumiu a responsabilidade por sua decisão de fazer explodir o governo e distribuiu o roteiro: "Este governo está acabado. Pelo bem do país, nos comprometemos a votar em uma semana o cancelamento do segundo pagamento do IMU (o imposto sobre a primeira moradia), a lei de estabilidade e o cancelamento do aumento do imposto de valor agregado. Depois iremos às urnas e ganharemos. Falei com os ministros. O que fizeram (criticar o chefe e ala mais radical do PDL) foi com boa vontade. Já está tudo esclarecido, mas roupa suja se lava em casa."
Desde que Berlusconi pronunciou essas palavras até esta quarta-feira (2), quando os deputados e senadores escutarão os argumentos de Enrico Letta para seguir adiante com um governo estável que afaste o fantasma de outras eleições, já terão se passado 48 horas. Talvez demais para quem, como Berlusconi, não está acostumado a que ninguém, nem mesmo seus ministros mais queridos, cruzem impunemente seu caminho.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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