Caso da garota Liz está ajudando a denunciar impunidade existente no país no que se refere à violência sexual
Gabriela Néspoli - OM
A resposta que obtiveram das autoridades foi de que o trio seria penitenciado. Mas, para a surpresa de todos, a punição que recaiu sobre os criminosos foi rápida e simples: foram condenados a cortar grama no jardim do posto policial e retornaram às suas casas no mesmo dia.
Reprodução AFP
O caso escandaloso veio à tona quando Jared Momanyi, o diretor de uma das clínicas especializadas no tratamento de vítimas de violência sexual no Quênia, resolveu denunciar a ocorrência para o jornal local Daily Nation, que já havia reportado uma história semelhante que havia se passado na cidade de Eldoret.
A reportagem publicada pelo jornal, relatando o acontecimento e o estado de trauma da garota, que desde os abusos deslocava-se com a ajuda de uma cadeira de rodas, ajudou a custear os tratamentos de Liz e fez com que oficiais quenianos finalmente fossem encarregados de prender os estupradores.
No entanto, ao chegar na escola onde estudavam os seis criminosos, de idade entre 16 e 20 anos, a polícia, que possuía o nome de cada um deles desde o dia 27 de junho, decidiu adiar ainda mais a prisão dos rapazes. O motivo seria uma suposto solicitação dos professores, que alegaram que os garotos perderiam as provas escolares caso fossem levados naquele momento.
Impunidade
Por mais inaceitável que possa parecer, Mary Mahoka, assistente social que trabalha com uma organização de proteção aos direitos da criança, relata que casos como esse acontecem diariamente no Quênia – a única diferença é que não vem a público.
A assistente afirma que casos como o de Liz são resultado de um machismo extremo que está enraizado na região empobrecida de Busia, onde a poligamia é vastamente praticada e as garotas não são valorizadas pela comunidade.
Makota relata ainda que, quando começou a trabalhar com vítimas de abusos sexuais, descobriu a prática comum na região de os estupradores pagarem por seus crimes entregando uma cabra ou um saco de farinha para os familiares das vítimas.
Epidemia silenciosa
Oito entre dez quenianas já sofreram abusos sexuais durante a infância e, segundo o relatório elaborado em 2006 pela comissão nacional dos direitos humanos do Quênia, a cada 30 minutos uma mulher é estuprada no país. “Há uma silenciosa epidemia no Quênia, Não é tão grande quanto no Congo ou na África do Sul, mas as estatísticas são altas”, afirma Nebila Abdulmelik, ativista de direitos humanos em Nairobi, capital do Quênia. Wikicommons
Ignorada, lei estipula que todas as despesas das vítimas de estupro sejam cobertas pelo Estado
Ao saber do que aconteceu com Liz, Abdulmelik lançou uma petição online que tem como objetivo obter a prisão e o julgamento imediato dos estupradores da garota, além do constrangimento dos policiais que falharam em lidar com o seu caso.
“Contamos com você para assegurar que o caso de Liz represente um ponto de virada que dê fim à guerra às garotas”, expressa o documento, que é endereçado ao Inspetor Geral de Justiça do Quênia e já atraiu mais de 800 mil assinaturas.
A ativista pontua que as exigências da petição já são previstas pela lei do país, que estipula ao menos 15 anos de prisão para acusados de estupro e garante que todas as despesas da vítima sejam cobertas pelo Estado. “Isso é responsabilidade do governo”, afirma Abdulmelik, que lamenta a enorme impunidade existente no país.
Enquanto a mobilização pelos direitos de mulheres e crianças quenianas está tomando proporções internacionais, sendo foco de matérias em jornais como o The Guardian, o presidente do país, Uhuru Kenyatta, parece ter outras preocupações.
O líder queniano deve comparecer no dia doze de novembro à Corte Internacional de Haia para responder para responder pela promoção da violência generalizada que levou à morte de ao menos 1.300 pessoas após as eleições presidenciais de 2007. Dentre as acusações levantadas contra Kenyatta, estão a participação em assassinatos e atos de violência sexual.
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