Atraso nos pagamentos de exportações feitas neste ano por empresas brasileiras chega a quatro meses
Governo estimulou vendas de produtos ao mercado venezuelano, que vive um momento de grande escassez
VALDO CRUZ e RENATA AGOSTINI - FSPGoverno estimulou vendas de produtos ao mercado venezuelano, que vive um momento de grande escassez
Depois de estimular negócios com a Venezuela, o governo do Brasil agora cobra do país vizinho "calotes temporários" de exportações de empresas brasileiras feitas neste ano.
Em alguns casos, o atraso nos pagamentos de produtos vendidos ao mercado venezuelano, que vive um momento de escassez, chega a quatro meses.
A situação já preocupa os empresários brasileiros, especialmente os que começaram a negociar mais recentemente com a Venezuela, e levou o governo a enviar uma missão ao país para tentar solucionar o problema.
Na segunda-feira passada, o ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento) e o assessor especial da presidente para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, viajaram a Caracas para conversar com autoridades venezuelanas sobre os atrasos, segundo apurou a Folha.
Oficialmente, a missão brasileira teve como objetivo reforçar a disposição brasileira de ajudar o parceiro comercial a superar sua crise de abastecimento, mas os pagamentos atrasados foram um dos temas principais.
Nesta semana, a Venezuela informou que terá de importar 400 mil toneladas de alimentos de países latino-americanos em novembro e dezembro, sendo que 80 mil toneladas de carne e grãos virão do Brasil.
O calote temporário está sendo provocado principalmente pela crise econômica na Venezuela, que faz o governo local exercer forte controle sobre a saída de dólares, o que tem atrasado o pagamento de suas importações.
O total dos pagamentos em atraso não é revelado, mas o montante em jogo é significativo: o Brasil exportou para a Venezuela US$ 3,1 bilhões até setembro.
Segundo um empresário ouvido reservadamente, o maior problema está na exportação de alimentos, setor que recebeu estímulo do governo brasileiro para aumentar as vendas à Venezuela diante do quadro de escassez.
A Folha apurou que os atrasos no pagamento de exportações de carnes bovinas e de frango estão na casa de quatro meses. Até setembro, as vendas destes produtos à Venezuela somaram US$ 737 milhões. A BR Foods e a JBS são algumas das empresas que exportam para lá.
Há um histórico de atrasos. Eles, entretanto, nunca foram tão grandes. O problema começou com o setor de construção pesada.
Neste ano, representantes das empreiteiras reclamaram às autoridades venezuelanas e os pagamentos, que estavam suspensos, foram parcialmente retomados.
A Odebrecht, que possui obras importantes no país, como as do metrô de Caracas, já enfrentou problemas no passado recente.
A relação Brasil/Venezuela ganhou impulso no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e seguiu no mesmo ritmo no de Dilma Rousseff, estimulando parcerias e defendendo politicamente a administração de Hugo Chávez (1954-2013) e de seu sucessor Nicolás Maduro.
Parcerias que nem sempre foram bem-sucedidas, como a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O negócio era para ser uma sociedade entre a Petrobras e a venezuelana PDVSA, que até hoje não colocou dinheiro no projeto.
VIÉS
Casos como esse levaram críticos da oposição a apontar o viés ideológico do favorecimento à Venezuela. Lula e Chávez foram expoentes da guinada à esquerda na América Latina nos anos 2000.
A Venezuela inclusive foi integrada ao Mercosul justamente quando o país que se opunha à sua entrada, o Paraguai, estava suspenso do bloco aduaneiro.
Em 2012, as exportações brasileiras para a Venezuela foram de US$ 5 bilhões. Este ano, apesar das vendas totais à Venezuela terem caído 17%, os cinco principais produtos exportados pelo Brasil cresceram quase 30%.
São produtos essenciais em tempos de crise de abastecimento: carne bovina, bois vivos, carne de frango, açúcar e medicamentos. Produtos como preparação para elaboração de bebidas também deram um salto de 93%.
Uma crise com os fornecedores brasileiros não interessa aos venezuelanos, já que o Brasil é o quarto principal fornecedor, atrás de EUA, China e Reino Unido. No ano passado, o país forneceu quase 10% de tudo o que a Venezuela comprou.
Problema também começa a aparecer na Argentina
FSPRoteiro parecido ao visto na Venezuela começa a se desenhar em outro parceiro do Mercosul, a Argentina.
Empresários brasileiros relatam que, além das recorrentes dificuldades impostas pelo país vizinho para liberar as exportações, agora também há demora no pagamento dos produtos vendidos, algo que não acontecia antes.
Tanto a Venezuela como a Argentina vivem crises de reservas internacionais, que se encontram em níveis muito baixos. Diante disso, ambos os governos vêm restringindo o acesso das empresas aos dólares. Neste cenário, honrar pagamentos torna-se cada vez mais difícil.
O caso da Venezuela é mais crítico. O país abriu o ano com US$ 29,7 bilhões (R$ 64,9 bilhões) de reservas internacionais, segundo dados do Banco Central local. Na última semana o valor chegou a apenas US$ 21,9 bilhões (R$ 47,8 bilhões), o menor patamar desde outubro de 2004.
Na Argentina, porém, o quadro não é dos melhores: há pouco mais de US$ 37 bilhões (cerca de R$ 80 bilhões) em caixa.
O Brasil, por exemplo, que tem uma posição confortável de reservas, tem quase US$ 380 bilhões (aproximadamente R$ 830,2 bilhões) em divisas internacionais.
RESERVAS
Os países emergentes acumulam reservas internacionais como forma de fazer frente ao seu endividamento e às suas necessidades de importação.
No caso de uma crise financeira, por exemplo, em que as fontes de financiamento externo secam, são essas reservas que garantem o fluxo de compra de bens e serviços estrangeiros.
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