Anne Applebaum - Prospect
Regiane Teixeira/UOL
Trecho do Muro de Berlim transformado em galeria a céu aberto, em Berlim
Em fevereiro de 2009, The Economist publicou uma charge que mostrava caricaturas de Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e Gordon Brown, na época líderes da Alemanha, da França e da Inglaterra, respectivamente. Os três estavam sentados a uma mesa de jantar, com os rostos congelados numa expressão exagerada de horror. Todos estavam contemplando um projeto de lei gigante, no topo do qual estava escrito "para o resgate do leste europeu". O artigo que acompanhava a charge era intitulado "O projeto de lei que pode acabar com a Europa".
O leste europeu, advertia o artigo, havia sido danificado financeiramente e enfraquecido politicamente pela crise econômica. Os europeus do leste haviam "esbanjado, alimentados pelo investimento estrangeiro (e) o desejo de ter os padrões de vida ocidentais", e tinham "desperdiçado seus bilhões emprestados em explosões de construção e consumo". A Europa Oriental deveria pagar o preço da sua prodigalidade, entoou The Economist, mas a Europa Ocidental poderia muito bem ter de intervir: se Europa Oriental estava prestes a arder em chamas, então países ocidentais como a Irlanda e a Grécia também poderiam ser afetados.
O resto, como se costuma dizer, é história. A Europa Oriental não entrou em colapso, ou pelo menos não toda ela, ou não de uma só vez. Mas a Irlanda e a Grécia ruíram nas chamas da crise financeira, e a Espanha e a Itália quase foram junto. Mesmo agora, Portugal vive a incerteza e a Inglaterra provavelmente entrará numa recessão com o PIB em queda em três trimestres. Para ser franco, The Economist errou. Quatro anos depois do artigo de 2009, os países ricos ocidentais não estão sentados em torno de uma mesa de jantar metafórica distribuindo recursos para os seus primos pobres do leste. Em vez disso, eles estão implorando por restos para salvar a si mesmos.
Há uma série de conclusões que eu poderia tirar do fracasso previsível dessa charge. Claramente, o primeiro é: cuidado com as charges da The Economist, uma vez que logo ficarão desatualizadas. A segunda conclusão, entretanto, é que agora é o momento de deixar de lado todos os nossos preconceitos sobre a Europa e começar a pensar no continente de uma forma um pouco diferente. Após os acontecimentos dos últimos quatro anos, deveríamos jogar fora todos os estereótipos e suposições que já foram feitas sobre a geografia política da Europa. Oriente versus Ocidente, Norte versus Sul... nada disso de fato faz sentido em relação ao que está acontecendo.
A primeira e mais aguda crise econômica na Europa depois de 2008 não começou no leste, mas na Islândia. A mais profunda recessão não aconteceu no Sul tradicionalmente lento, mas na Irlanda. As dívidas ruins acumuladas por instituições financeiras britânicas excederam, em dezenas de milhares de milhões, a dívida governamental da Polônia e da República Tcheca juntas, dois países que não tinham nenhuma falência bancária nacional para se citar. Quando faliu, o governo da Letônia realizou um programa de austeridade, passou pela crise e agora está de volta a um crescimento de 5%. Os gregos, por outro lado, confrontados com a mesma perspectiva, se revoltaram, protestaram, tiveram de instituir um governo de unidade nacional e acabaram tendo sua política econômica ditada pela UE.
A Polônia não sofreu nenhuma recessão, e teve um crescimento acumulado de 20% desde 2008. Na verdade, em vez de arrastar a Europa para baixo, a metade oriental do continente é agora um dos principais contribuintes para o crescimento de toda a Europa. De fato, as exportações dos 15 países da "velha" Europa para os 10 países da "nova" Europa dobraram na última década.
Isso não quer dizer que tudo na Europa Oriental está indo bem. Mas a Europa Oriental não pode mais ser realmente descrita com uma única palavra como "bem", porque a Europa Oriental já não é uma entidade única.
Era uma vez, é claro, esse tempo. Quando corretamente aplicado, o termo "Europa Oriental" não é um termo geográfico, mas um termo político. É também uma expressão que pertence a um determinado período histórico. Propriamente falando, refere-se às nações que estavam, entre 1945 e 1989, dominadas pelo comunismo ao estilo soviético. Muitas vezes, também inclui as nações que faziam parte da União Soviética depois de 1917 ou 1918, pelo menos aquelas consideradas "europeias" e não asiáticas. De qualquer forma, essa não é uma região que sempre foi culturalmente ou etnicamente homogênea.
Entre 1945 e 1989, esse grupo de outra forma disparatado de nações europeias tinha muito em comum. Algumas das semelhanças eram superficiais: cartazes com martelos e foices, por exemplo. Mas outras semelhanças eram sérias. Todos os países tiveram que lidar com um legado de más decisões econômicas. A nacionalização da indústria e o planejamento central eram universais.
Mas, desde a queda do Muro de Berlim, as nações que estamos acostumados a chamar de Europa Oriental tomaram direções muito diferentes. O economista Anders Aslund escreveu, com precisão, que, apesar de alguns dos debates teóricos que aconteceram na época, na prática só havia de fato três caminhos econômicos que cada país poderia seguir após a dissolução da União Soviética. Eles poderiam, como os poloneses e os tchecos, escolher o caminho da reforma radical, levando ao capitalismo democrático liberal. Eles poderiam, como a Rússia e a Armênia, se tornar sociedades amigas do capitalismo, cujos empresários ganham dinheiro através de uma relação simbiótica com burocratas estatais corruptos. Ou poderiam, como o Turcomenistão e Belarus, restabelecer o despotismo do Estado.
Estes não são divisões claras, obviamente. A Romênia e a Bulgária começaram pela simpatia ao capitalismo, fizeram reformas mais liberais ao longo do tempo, mas agora estão enfrentando uma oposição real contra as elites corruptas que permanecem.
Meu ponto é que não havia, e não há, outra coisa. Não há um Estado da região que escolheu um caminho feliz entre o comunismo e o capitalismo, porque não existia tal caminho. Os países que tentaram uma transição mais "gradualista" simplesmente ficaram presos em mais corrupção.
Alguns dos sucessos e das falhas eram previsíveis ou haviam sido previstos. Em 1990, ninguém imaginou que a Estônia se tornaria um mini-tigre, ou que a Rússia seria governada por uma quadrilha de bilionários. Como ficou evidente, a história de um determinado país imediatamente antes da guerra não era necessariamente um bom indicador para o seu sucesso pós-1989. Nem era a religião, a geografia ou o tamanho do país.
Então, qual foi a fonte de sucesso e fracasso?
O fator mais importante foi a existência, ou ausência, de uma elite alternativa. E por elite alternativa, quero dizer um grupo maior de pessoas que tinham trabalhado juntas no passado, que haviam adotado um conjunto alternativo de valores e que, por volta de 1989 ou 1990, estava no mínimo um pouco preparado para o governo.
Na Polônia, a elite alternativa existia porque as memórias de um passado pré-comunista eram recentes o bastante para serem reais; por causa de uma tradição nacional de resistência, porque a economia polonesa estava tão cheia de buracos que o mercado negro (ou seja, os pequenos capitalistas) podiam operar livremente, porque as fronteiras estavam relativamente abertas para que esses empresários pudessem fazer comércio, porque essas fronteiras relativamente abertas significavam que as pessoas sabiam como a vida era vivida na metade ocidental da Europa, e assim por diante. Listas semelhantes poderiam ser feitas para a Hungria, Alemanha Oriental e Estônia.
Se a existência de uma elite alternativa era importante, no entanto, ainda mais importante era que esta elite alternativa tivesse um sentido claro de direção. E, no caso dos países da Europa Central, nunca houve qualquer dúvida sobre esta direção. Quando eu trabalhava como jornalista na região em 1989 e 1990, as pessoas me diziam todo o tempo: "nós queremos ser normais". E "normal" significava a Europa Ocidental: a democracia e ao capitalismo da Europa Ocidental, e os meios de comunicação da Europa Ocidental.
Outro ingrediente importante do sucesso era a falta de recursos naturais. Não estou me referindo apenas ao impacto negativo que o petróleo e o gás têm nas taxas de câmbio e empreendedorismo. Estou falando sobre o enorme impacto negativo que os recursos naturais têm sobre a vida política em democracias novas. Se não existirem de poços de petróleo a roubar, ninguém tentará manipular o sistema político para roubar mais facilmente.
Também foi muito importante o fato de que os governantes das novas democracias tinham pensado sobre o que queriam fazer antes de chegarem. Ao longo dos anos 80, os economistas poloneses, tchecos e húngaros fizeram reuniões informais para discutir como poderia ser possível, um dia, privatizar e descentralizar suas economias. Na época, todas essas conversas eram puramente teóricas. Mas quando esses economistas de repente tiveram a oportunidade de realizar seus planos, eles estavam prontos.
Quem teria pensado, em 1989, que a metade oriental da Europa sobreviveria a uma tempestade financeira melhor do que a metade ocidental?
E quem poderia imaginar que eu seria capaz de dizer que agora há mais lições que o Ocidente pode aprender com o Oriente do que vice-versa? Há alguns meses atrás, eu levantei este ponto numa conferência em Viena, para uma multidão que escutava incrédula, e disparou perguntas zombando de mim depois.
E não é de admirar: na Áustria, a noção de "Europa Oriental" vive numa espécie de preconceito. Quando os jornais usam a expressão "Leste Europeu", é geralmente código para dizer atrasado e possivelmente criminoso.
Esse tipo de preconceito torna mais difícil para que a metade ocidental do continente tire lições do que costumávamos chamar "o Leste". Mas também é estupidamente míope: na Europa, há vários países que conseguiram recuperar economias desastrosas, fugir das tentações da extrema direita e da extrema esquerda e que levaram a cabo importantes reformas estruturais e políticas durante períodos de tumulto político. Melhor ainda, um ou dois deles recentemente repetiram esse feito pela segunda vez, durante uma das piores crises bancárias internacionais na memória recente.
O mundo muda de formas estranhas, e uma das mais estranhas é a maneira em que este exato termo --"Europa Oriental"-- agora parece ter uma conotação completamente diferente quando usado em lugares como Tunísia ou Líbia. Estive no norte da África várias vezes desde a Primavera Árabe, e cada vez que vou para lá eu acho que as pessoas estão extremamente interessadas em mim --mas não porque eu sou norte-americano, ou porque sou jornalista. Elas estão interessadas em mim porque eu tenho uma conexão de longa data com a Polônia, um país que elas consideram como um modelo.
Será que a Europa Oriental tem ideias não só para a Europa Ocidental, mas também para outras partes do mundo, como o norte da África? As culturas do leste europeu e do norte da África não são semelhantes. Não há uma elite alternativa no norte da África, do tipo que existia na Polônia, e a maioria da população não acredita que "normal" signifique "Europa Ocidental." Embora houvesse dissidentes de vários tipos no Egito pré-revolucionário, eles foram amplamente reprimioas, exceto por aqueles em torno da mesquita e do campo de futebol. O resultado: a Irmandade Muçulmana foi o único "partido" político com qualquer capacidade de organização depois de 2011.
No entanto, a Irmandade não chega ao poder com quaisquer ideias claras sobre a economia do Egito. Não havia um equivalente político ou econômico aos economistas poloneses que estavam tramando o futuro pós-comunista na década de 1980 lá ou na Líbia. Em muitos Estados árabes, a oportunidade de começar a fazer mudanças só chegou em 2011 e a elite alternativa só agora está começando a se formar.
E ainda assim há paralelos entre o norte de África e a Europa Oriental que vale a pena explorar. Através de conversas, descobri que os tunisianos, egípcios e líbios estão extremamente interessados na experiência polonesa, embora não porque a história da Polônia lembre a sua própria. Eles estão interessados porque os problemas que enfrentam são muito semelhantes. Eis um exemplo: em 1990, jornalistas poloneses, como os seus colegas do norte da África, tiveram que criar jornais a partir do zero, privatizar a mídia estatal e escrever novas leis que regem as transmissões. As soluções que encontraram foram provavelmente muito diferentes daqueles que os líbios eventualmente encontrarão, mas os contornos dos vários problemas são os mesmos.
A experiência polonesa também é importante em outro sentido. A Inglaterra, França, Itália e, acima de tudo, os Estados Unidos, não são necessariamente as nações mais populares no Egito e na Tunísia. Nem todo mundo quer ouvir o que fazer dos amigos de seu ex-ditador, ou de seus antigos colonizadores. É muito mais palatável, e de fato muito mais relevante, seguir o conselho de um tcheco que já viveu uma revolução e testemunhou suas consequências.
Contra intuitivamente, as lições que a ex-Europa Oriental podem trazer para o norte da África são específicas, em vez de gerais. Os poloneses e os eslovacos não podem dizer aos egípcios o que é relevante, digamos, sobre o lugar da religião na política contemporânea. Sua experiência é útil não como teoria, mas como prática --vejam como foi que escrevemos nosso novo código comercial; vejam como foi que reformamos nossa força policial.
Mas antes que você possa aprender qualquer coisa, precisa estar disposto a ouvir --e isso leva a um paradoxo. Na maior parte do mundo, a transformação de países como a Polônia, Hungria, Eslováquia e Romênia ainda são consideradas sucessos milagrosos. Estas são conquistas que devem ser colocados no centro da política externa europeia. Neste momento de incerteza financeira, há uma ponta de esperança que a Europa pode oferecer para o resto do mundo.
Se isso não acontecer, e temo que não aconteça, é porque, na Europa, o termo "Leste Europeu" ainda está em uso, com todos os velhos preconceitos ligados a ele. Então, vamos confinar o termo à história. A Europa Oriental, no velho sentido, não existe mais.
(Anne Applebaum é titular da Cadeira de História e Assuntos Internacionais Philippe Roman na London School of Economics. Este artigo é baseado numa palestra patrocinada pela LSE Ideas. Ela também dirige um programa sobre transições globais no Instituto Legatum)
Tradutor: Eloise De Vylder
Trecho do Muro de Berlim transformado em galeria a céu aberto, em Berlim
Em fevereiro de 2009, The Economist publicou uma charge que mostrava caricaturas de Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e Gordon Brown, na época líderes da Alemanha, da França e da Inglaterra, respectivamente. Os três estavam sentados a uma mesa de jantar, com os rostos congelados numa expressão exagerada de horror. Todos estavam contemplando um projeto de lei gigante, no topo do qual estava escrito "para o resgate do leste europeu". O artigo que acompanhava a charge era intitulado "O projeto de lei que pode acabar com a Europa".
O leste europeu, advertia o artigo, havia sido danificado financeiramente e enfraquecido politicamente pela crise econômica. Os europeus do leste haviam "esbanjado, alimentados pelo investimento estrangeiro (e) o desejo de ter os padrões de vida ocidentais", e tinham "desperdiçado seus bilhões emprestados em explosões de construção e consumo". A Europa Oriental deveria pagar o preço da sua prodigalidade, entoou The Economist, mas a Europa Ocidental poderia muito bem ter de intervir: se Europa Oriental estava prestes a arder em chamas, então países ocidentais como a Irlanda e a Grécia também poderiam ser afetados.
O resto, como se costuma dizer, é história. A Europa Oriental não entrou em colapso, ou pelo menos não toda ela, ou não de uma só vez. Mas a Irlanda e a Grécia ruíram nas chamas da crise financeira, e a Espanha e a Itália quase foram junto. Mesmo agora, Portugal vive a incerteza e a Inglaterra provavelmente entrará numa recessão com o PIB em queda em três trimestres. Para ser franco, The Economist errou. Quatro anos depois do artigo de 2009, os países ricos ocidentais não estão sentados em torno de uma mesa de jantar metafórica distribuindo recursos para os seus primos pobres do leste. Em vez disso, eles estão implorando por restos para salvar a si mesmos.
Há uma série de conclusões que eu poderia tirar do fracasso previsível dessa charge. Claramente, o primeiro é: cuidado com as charges da The Economist, uma vez que logo ficarão desatualizadas. A segunda conclusão, entretanto, é que agora é o momento de deixar de lado todos os nossos preconceitos sobre a Europa e começar a pensar no continente de uma forma um pouco diferente. Após os acontecimentos dos últimos quatro anos, deveríamos jogar fora todos os estereótipos e suposições que já foram feitas sobre a geografia política da Europa. Oriente versus Ocidente, Norte versus Sul... nada disso de fato faz sentido em relação ao que está acontecendo.
A primeira e mais aguda crise econômica na Europa depois de 2008 não começou no leste, mas na Islândia. A mais profunda recessão não aconteceu no Sul tradicionalmente lento, mas na Irlanda. As dívidas ruins acumuladas por instituições financeiras britânicas excederam, em dezenas de milhares de milhões, a dívida governamental da Polônia e da República Tcheca juntas, dois países que não tinham nenhuma falência bancária nacional para se citar. Quando faliu, o governo da Letônia realizou um programa de austeridade, passou pela crise e agora está de volta a um crescimento de 5%. Os gregos, por outro lado, confrontados com a mesma perspectiva, se revoltaram, protestaram, tiveram de instituir um governo de unidade nacional e acabaram tendo sua política econômica ditada pela UE.
A Polônia não sofreu nenhuma recessão, e teve um crescimento acumulado de 20% desde 2008. Na verdade, em vez de arrastar a Europa para baixo, a metade oriental do continente é agora um dos principais contribuintes para o crescimento de toda a Europa. De fato, as exportações dos 15 países da "velha" Europa para os 10 países da "nova" Europa dobraram na última década.
Isso não quer dizer que tudo na Europa Oriental está indo bem. Mas a Europa Oriental não pode mais ser realmente descrita com uma única palavra como "bem", porque a Europa Oriental já não é uma entidade única.
Era uma vez, é claro, esse tempo. Quando corretamente aplicado, o termo "Europa Oriental" não é um termo geográfico, mas um termo político. É também uma expressão que pertence a um determinado período histórico. Propriamente falando, refere-se às nações que estavam, entre 1945 e 1989, dominadas pelo comunismo ao estilo soviético. Muitas vezes, também inclui as nações que faziam parte da União Soviética depois de 1917 ou 1918, pelo menos aquelas consideradas "europeias" e não asiáticas. De qualquer forma, essa não é uma região que sempre foi culturalmente ou etnicamente homogênea.
Entre 1945 e 1989, esse grupo de outra forma disparatado de nações europeias tinha muito em comum. Algumas das semelhanças eram superficiais: cartazes com martelos e foices, por exemplo. Mas outras semelhanças eram sérias. Todos os países tiveram que lidar com um legado de más decisões econômicas. A nacionalização da indústria e o planejamento central eram universais.
Mas, desde a queda do Muro de Berlim, as nações que estamos acostumados a chamar de Europa Oriental tomaram direções muito diferentes. O economista Anders Aslund escreveu, com precisão, que, apesar de alguns dos debates teóricos que aconteceram na época, na prática só havia de fato três caminhos econômicos que cada país poderia seguir após a dissolução da União Soviética. Eles poderiam, como os poloneses e os tchecos, escolher o caminho da reforma radical, levando ao capitalismo democrático liberal. Eles poderiam, como a Rússia e a Armênia, se tornar sociedades amigas do capitalismo, cujos empresários ganham dinheiro através de uma relação simbiótica com burocratas estatais corruptos. Ou poderiam, como o Turcomenistão e Belarus, restabelecer o despotismo do Estado.
Estes não são divisões claras, obviamente. A Romênia e a Bulgária começaram pela simpatia ao capitalismo, fizeram reformas mais liberais ao longo do tempo, mas agora estão enfrentando uma oposição real contra as elites corruptas que permanecem.
Meu ponto é que não havia, e não há, outra coisa. Não há um Estado da região que escolheu um caminho feliz entre o comunismo e o capitalismo, porque não existia tal caminho. Os países que tentaram uma transição mais "gradualista" simplesmente ficaram presos em mais corrupção.
Alguns dos sucessos e das falhas eram previsíveis ou haviam sido previstos. Em 1990, ninguém imaginou que a Estônia se tornaria um mini-tigre, ou que a Rússia seria governada por uma quadrilha de bilionários. Como ficou evidente, a história de um determinado país imediatamente antes da guerra não era necessariamente um bom indicador para o seu sucesso pós-1989. Nem era a religião, a geografia ou o tamanho do país.
Então, qual foi a fonte de sucesso e fracasso?
O fator mais importante foi a existência, ou ausência, de uma elite alternativa. E por elite alternativa, quero dizer um grupo maior de pessoas que tinham trabalhado juntas no passado, que haviam adotado um conjunto alternativo de valores e que, por volta de 1989 ou 1990, estava no mínimo um pouco preparado para o governo.
Na Polônia, a elite alternativa existia porque as memórias de um passado pré-comunista eram recentes o bastante para serem reais; por causa de uma tradição nacional de resistência, porque a economia polonesa estava tão cheia de buracos que o mercado negro (ou seja, os pequenos capitalistas) podiam operar livremente, porque as fronteiras estavam relativamente abertas para que esses empresários pudessem fazer comércio, porque essas fronteiras relativamente abertas significavam que as pessoas sabiam como a vida era vivida na metade ocidental da Europa, e assim por diante. Listas semelhantes poderiam ser feitas para a Hungria, Alemanha Oriental e Estônia.
Se a existência de uma elite alternativa era importante, no entanto, ainda mais importante era que esta elite alternativa tivesse um sentido claro de direção. E, no caso dos países da Europa Central, nunca houve qualquer dúvida sobre esta direção. Quando eu trabalhava como jornalista na região em 1989 e 1990, as pessoas me diziam todo o tempo: "nós queremos ser normais". E "normal" significava a Europa Ocidental: a democracia e ao capitalismo da Europa Ocidental, e os meios de comunicação da Europa Ocidental.
Outro ingrediente importante do sucesso era a falta de recursos naturais. Não estou me referindo apenas ao impacto negativo que o petróleo e o gás têm nas taxas de câmbio e empreendedorismo. Estou falando sobre o enorme impacto negativo que os recursos naturais têm sobre a vida política em democracias novas. Se não existirem de poços de petróleo a roubar, ninguém tentará manipular o sistema político para roubar mais facilmente.
Também foi muito importante o fato de que os governantes das novas democracias tinham pensado sobre o que queriam fazer antes de chegarem. Ao longo dos anos 80, os economistas poloneses, tchecos e húngaros fizeram reuniões informais para discutir como poderia ser possível, um dia, privatizar e descentralizar suas economias. Na época, todas essas conversas eram puramente teóricas. Mas quando esses economistas de repente tiveram a oportunidade de realizar seus planos, eles estavam prontos.
Quem teria pensado, em 1989, que a metade oriental da Europa sobreviveria a uma tempestade financeira melhor do que a metade ocidental?
E quem poderia imaginar que eu seria capaz de dizer que agora há mais lições que o Ocidente pode aprender com o Oriente do que vice-versa? Há alguns meses atrás, eu levantei este ponto numa conferência em Viena, para uma multidão que escutava incrédula, e disparou perguntas zombando de mim depois.
E não é de admirar: na Áustria, a noção de "Europa Oriental" vive numa espécie de preconceito. Quando os jornais usam a expressão "Leste Europeu", é geralmente código para dizer atrasado e possivelmente criminoso.
Esse tipo de preconceito torna mais difícil para que a metade ocidental do continente tire lições do que costumávamos chamar "o Leste". Mas também é estupidamente míope: na Europa, há vários países que conseguiram recuperar economias desastrosas, fugir das tentações da extrema direita e da extrema esquerda e que levaram a cabo importantes reformas estruturais e políticas durante períodos de tumulto político. Melhor ainda, um ou dois deles recentemente repetiram esse feito pela segunda vez, durante uma das piores crises bancárias internacionais na memória recente.
O mundo muda de formas estranhas, e uma das mais estranhas é a maneira em que este exato termo --"Europa Oriental"-- agora parece ter uma conotação completamente diferente quando usado em lugares como Tunísia ou Líbia. Estive no norte da África várias vezes desde a Primavera Árabe, e cada vez que vou para lá eu acho que as pessoas estão extremamente interessadas em mim --mas não porque eu sou norte-americano, ou porque sou jornalista. Elas estão interessadas em mim porque eu tenho uma conexão de longa data com a Polônia, um país que elas consideram como um modelo.
Será que a Europa Oriental tem ideias não só para a Europa Ocidental, mas também para outras partes do mundo, como o norte da África? As culturas do leste europeu e do norte da África não são semelhantes. Não há uma elite alternativa no norte da África, do tipo que existia na Polônia, e a maioria da população não acredita que "normal" signifique "Europa Ocidental." Embora houvesse dissidentes de vários tipos no Egito pré-revolucionário, eles foram amplamente reprimioas, exceto por aqueles em torno da mesquita e do campo de futebol. O resultado: a Irmandade Muçulmana foi o único "partido" político com qualquer capacidade de organização depois de 2011.
No entanto, a Irmandade não chega ao poder com quaisquer ideias claras sobre a economia do Egito. Não havia um equivalente político ou econômico aos economistas poloneses que estavam tramando o futuro pós-comunista na década de 1980 lá ou na Líbia. Em muitos Estados árabes, a oportunidade de começar a fazer mudanças só chegou em 2011 e a elite alternativa só agora está começando a se formar.
E ainda assim há paralelos entre o norte de África e a Europa Oriental que vale a pena explorar. Através de conversas, descobri que os tunisianos, egípcios e líbios estão extremamente interessados na experiência polonesa, embora não porque a história da Polônia lembre a sua própria. Eles estão interessados porque os problemas que enfrentam são muito semelhantes. Eis um exemplo: em 1990, jornalistas poloneses, como os seus colegas do norte da África, tiveram que criar jornais a partir do zero, privatizar a mídia estatal e escrever novas leis que regem as transmissões. As soluções que encontraram foram provavelmente muito diferentes daqueles que os líbios eventualmente encontrarão, mas os contornos dos vários problemas são os mesmos.
A experiência polonesa também é importante em outro sentido. A Inglaterra, França, Itália e, acima de tudo, os Estados Unidos, não são necessariamente as nações mais populares no Egito e na Tunísia. Nem todo mundo quer ouvir o que fazer dos amigos de seu ex-ditador, ou de seus antigos colonizadores. É muito mais palatável, e de fato muito mais relevante, seguir o conselho de um tcheco que já viveu uma revolução e testemunhou suas consequências.
Contra intuitivamente, as lições que a ex-Europa Oriental podem trazer para o norte da África são específicas, em vez de gerais. Os poloneses e os eslovacos não podem dizer aos egípcios o que é relevante, digamos, sobre o lugar da religião na política contemporânea. Sua experiência é útil não como teoria, mas como prática --vejam como foi que escrevemos nosso novo código comercial; vejam como foi que reformamos nossa força policial.
Mas antes que você possa aprender qualquer coisa, precisa estar disposto a ouvir --e isso leva a um paradoxo. Na maior parte do mundo, a transformação de países como a Polônia, Hungria, Eslováquia e Romênia ainda são consideradas sucessos milagrosos. Estas são conquistas que devem ser colocados no centro da política externa europeia. Neste momento de incerteza financeira, há uma ponta de esperança que a Europa pode oferecer para o resto do mundo.
Se isso não acontecer, e temo que não aconteça, é porque, na Europa, o termo "Leste Europeu" ainda está em uso, com todos os velhos preconceitos ligados a ele. Então, vamos confinar o termo à história. A Europa Oriental, no velho sentido, não existe mais.
(Anne Applebaum é titular da Cadeira de História e Assuntos Internacionais Philippe Roman na London School of Economics. Este artigo é baseado numa palestra patrocinada pela LSE Ideas. Ela também dirige um programa sobre transições globais no Instituto Legatum)
Tradutor: Eloise De Vylder
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