domingo, 24 de março de 2013

Dinheiro queimado
Pressa leva governo a gastar 30% a mais que o necessário em fogão para o Palácio da Alvorada
FERNANDA ODILLA - FSP
As habilidades culinárias de Dilma Rousseff já foram motivo de debate quando ela tentou preparar omeletes em programas de TV, como pré-candidata a presidente e no começo de seu mandato.
Agora, elas estão aparentemente na origem de um pequeno conto simbólico sobre os gastos públicos no Brasil.
Em dezembro passado, o gabinete de Dilma apresentou um pedido urgente: a compra de um fogão de quatro bocas para o Palácio da Alvorada, residência onde Dilma mora com a mãe e a tia.
A Presidência não explica exatamente onde o fogão foi instalado, mas supõe-se que não tenha sido na cozinha do Alvorada -que fica no subsolo do palácio, tem características industriais e já foi ocupada pela famosa chef Roberta Sudbrack na era FHC.
O processo de aquisição do fogão ganhou o carimbo de "urgente" e pedido de "menor prazo possível" para "atender as necessidades do gabinete pessoal da presidente". Conscientes da fama da chefe na hora de não ver ordens expressas cumpridas, os servidores levaram quatro dias para fazer a compra.
O efeito colateral ficou na conta do governo: o fogão custou R$ 2.500 numa loja de um centro comercial decadente do Distrito Federal, em média 30% a mais do que é cobrado nas quatro principais empresas de varejo de Brasília via internet e com frete.
Acompanhado de foto, o fogão foi especificado pelo gabinete presidencial: Electrolux Celebrate, quatro bocas, com timer, grill e forno duplo. Um modelo "resistente e bonito", diz o memorial.
O pedido da compra foi formalizado em 11 de dezembro do ano passado e a nota fiscal emitida em 14 de dezembro -a data de aniversário de Dilma, que festejou seus 65 anos numa viagem a Moscou.
A pressa também justificou a modalidade da compra. "Considerando a urgência da aquisição, formalizamos a dispensa de licitação", registra o processo. Amparada pela lei que dispensa a licitação de compras até R$ 8.000, a Presidência optou por uma consulta simples de preços sem, contudo, especificar no processo o critério para selecionar as empresas.
A consulta não é obrigatória, mas decreto assinado pelo então presidente Lula em 2005 sugere que, em caso de dispensa de licitação, seja usado o sistema de cotação eletrônica. Isso não foi feito.
MESMO GRUPO
No processo de compra constam propostas de três empresas de Brasília, que funcionam em locais onde dificilmente um consumidor procuraria produtos da linha branca. Duas fazem parte do mesmo grupo e cometeram um erro grosseiro em documento enviado à Presidência.
A vencedora Eletro Leonel ofereceu o fogão por R$ 2.500, e a Planalto Comercial, por R$ 2.700. Contudo, no ofício do Planalto, a introdução anuncia que se trata da "proposta de preços que faz a empresa Leonel", indicando não apenas o nome como o CNPJ da outra empresa do grupo.
A Presidência diz que foi feita pesquisa de preços para "dar maior competitividade ao certame e alçar proposta mais vantajosa à administração". De fato, o desperdício de dinheiro público na cozinha de Dilma poderia ter sido maior. A compra já estava autorizada com dispensa de licitação mesmo com uma só cotação -de R$ 2.854,34.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Folha consultou o processo. No meio dele, um papel avulso com anotações a lápis dizia que o valor do fogão foi "elevado".
Sem identificação de quem as fez, as anotações apontam pesquisa feita em duas outras lojas com preços mais baixos. A Presidência não autorizou cópia desse papel avulso.
Além de informar que todas as demandas das residências oficiais "são tratadas em regime de urgência", a Presidência explicou a falta de propostas de lojas tradicionais que oferecem o fogão a preço menor dizendo que "o levantamento abrangeu empresas que tinham disponibilidade para entrega imediata".
Questionada por aceitar proposta de duas empresas do mesmo grupo, a Presidência alegou que "a cotação é feita junto às empresas sem que seja necessário o levantamento desta informação".
Antes de se irritar e desligar o telefone, Marcos Leonel, um dos donos da firma que vendeu o fogão, disse que a Leonel e a Planalto são do mesmo grupo. Questionado sobre as propostas com detalhes iguais, afirmou que pode ter sido "erro de timbre".

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