terça-feira, 19 de março de 2013

Novos apartamentos complicam a questão de Jerusalém
Jodi Rudoren - NYT
15.mar.2013 - Hazem Bader/AFP

Palestinos correm pela região central de Hebron, na Cisjordânia, durante confronto da polícia de Israel com manifestantes contrários à expansão de assentamentos judaicos Palestinos correm pela região central de Hebron, na Cisjordânia, durante confronto da polícia de Israel com manifestantes contrários à expansão de assentamentos judaicos
O chamado muçulmano à oração ressoa pela rotatória no enclave palestino de Ras al-Amud, pelo ponto de táxi onde os taxistas à espera bebem café e pela feira onde os meninos ajudam seus pais depois da escola. Ele também pode ser ouvido descendo a rua em Maalot David, onde algumas poucas famílias judias discretamente passaram a morar nos apartamentos recém-reformados, com vistas excelentes da Cidade Velha de Jerusalém.
Maalot David não é um assentamento judeu típico, uma comunidade planejada nas colinas, cercada por portões e guardas, onde os judeus vivem separados dos vilarejos palestinos vizinhos. É um novo bloco de apartamentos inserido na Jerusalém Oriental árabe, uma construção que muitos dizem minar fundamentalmente a ideia de que a área possa vir a ser a capital de um Estado palestino.
A construção por Israel de bairros judeus em Jerusalém Oriental e nos territórios da Cisjordânia, tomados durante a guerra de 1967, há muito é um ponto de atrito entre Jerusalém e Washington.
Com a visita marcada do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, nesta semana, o governo adiou a ação em vários projetos em Jerusalém Oriental, para assegurar que não ocorram eventos embaraçosos como na visita do vice-presidente americano Joe Biden, em 2010, que ao chegar foi recebido com o anúncio de 1.600 novas unidades.
Esses assentamentos mais tradicionais, financiados pelo governo, podem ter sido adiados, mas "The Jerusalem Post" tem veiculado há semanas anúncios promovendo Maalot David e outro novo bloco de apartamentos, Beit Orot –ambos empreendimentos privados– como um "sonho que se realiza", por sua proximidade da Cidade Velha e do cemitério judeu de 3.000 anos no Monte das Oliveiras.
Apesar da maioria dos especialistas no conflito entre israelenses e palestinos há muito imaginarem uma Jerusalém dividida, com bairros judeus permanecendo parte de Israel e os bairros árabes na vizinha Palestina, essas novas construções tornam esse plano mais complicado, se não impossível --o que poderia ser seu verdadeiro intuito.
"O mundo está falando sobre dividir Jerusalém --mas são de muitas formas águas passadas", disse Daniel Luria, diretor executivo do Ateret Cohanim, uma organização que não está envolvida nesses dois projetos, mas que liderou muitos outros esforços para estabelecer cabeças de ponte judias na área. "O que vem acontecendo desde 1967 na Cidade Velha e ao redor da Cidade Velha torna irrelevante qualquer discussão sobre a divisão de Jerusalém, da forma como os árabes a veem, porque em solo ela não vai acontecer."
Os líderes palestinos dizem que Maalot David e Beit Orot fazem parte de uma rede pérfida de atividade israelense ao redor da Bacia Sagrada de locais sagrados para judeus, cristãos e muçulmanos, que inclui um vasto parque nacional e planos para uma academia militar.
"Tudo faz parte do plano, parte do esquema, para minar a solução de dois Estados tendo Jerusalém Oriental como capital", disse Saeb Erekat, o negociador-chefe palestino, na quinta-feira, durante uma visita para diplomatas estrangeiros visando destacar a questão antes da visita de Obama.
Em uma visita semelhante no mês passado, o governador de Jerusalém da Autoridade Palestina, Adnan Husseini, declarou: "Esta fase da colonização é muito perigosa, porque ela desintegra os bairros palestinos –agora eles desejam desfigurar o próprio núcleo".
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e a maioria dos líderes de sua nova coalizão, assim como o prefeito de Jerusalém, têm defendido o direito de Israel de construir onde quiser na cidade, apesar de sua anexação das áreas árabes de 1967 não ter reconhecimento internacional.
Daniel Seidemann, um advogado e oponente dos assentamentos que documenta as construções de Israel em Jerusalém Oriental, estima que existam 196 mil judeus vivendo nessas áreas. A vasta maioria se encontra em bairros grandes e estabelecidos como French Hill, perto da Universidade Hebraica, ou Har Homa, no extremo sul da cidade, e que não são vistos pela maioria dos israelenses como colonos.
Aproximadamente 2.200, segundo Seidemann, estão espalhados em enclaves palestinos na Cidade Velha e arredores –muitos deles extremistas ultraortodoxos que consideram como sendo uma missão política e religiosa tomar lares individuais e hastear bandeiras israelenses neles.
Beit Orot e Maalot David representam uma abordagem diferente: apartamentos modernos, confortáveis, inseridos em bairros palestinos existentes (mas não é algo sem precedente: aproximadamente 90 famílias judias vivem em Maale Hazeitim, do outro lado da rua de Maalot David, e um número semelhante em Nof Zion, que abriu vários anos atrás em Jebel Mukaber).
Mas esses projetos surgem em um momento especialmente tenso –com o processo de paz há muito estagnado, a confiança entre as partes totalmente ausente e a condenação internacional aos assentamentos se intensificando. Para aumentar as preocupações dos críticos dos assentamentos, o novo governo israelense, cuja formação foi concluída na sexta-feira, nomeou como ministro da Habitação e Construção um ex-líder do conselho dos colonos, cujo Partido Lar Judeu é contrário ao estabelecimento de um Estado palestino.
Beit Orot, no limiar dos bairros palestinos de Al Sawana e A-Tur, inclui 24 unidades em quatro prédios de quatro andares, próximos de uma yeshiva de mesmo nome cuja propriedade foi comprada por Irving I. Moskowitz, um médico rico de Miami que financia muitos projetos em Jerusalém Oriental. Há apartamentos de três, quatro e cinco dormitórios, com grandes sacadas e vagas de estacionamento, a partir de cerca de US$ 350 mil.
Maalot David, uma ex-base policial usada pela Jordânia quando ela controlou a área de 1948 a 1967, e depois por Israel, tem 20 unidades, três delas casas pequenas. O preço pedido por sua cobertura de 230 metros quadrados, com vista do Domo da Rocha pelas 14 janelas de sua sala de estar e cozinha aberta, é próximo de US$ 1 milhão.
Harel Basel, o corretor imobiliário que está cuidando das vendas, disse que os compradores até o momento têm sido famílias religiosas, mas não ultraortodoxas, algumas de assentamos da Cisjordânia, atraídas pela localização e pelo preço relativamente acessível. Apartamentos semelhantes em bairros nobres de Jerusalém Ocidental, ele disse, custam duas a quatro vezes mais.
"É mais do que apenas um apartamento em Jerusalém", disse Basel. "Algo para a alma, algo com uma meta, uma visão, não apenas uma casa."
Nechama Meir, que se mudou para Maalot David há seis meses, disse que ela não era uma pioneira e que seu endereço "não é uma questão geopolítica".
Com 33 anos e mãe de seis, com idades de 6 meses a 11 anos, Meir disse que queria mais espaço (80 metros quadrados, em comparação com 55 metros quadrados em seu antigo lar) e um quintal (eles plantaram sua própria grama). Ela também queria ficar mais próxima da Cidade Velha, onde as crianças estudam, e do Monte das Oliveiras, onde o bisavô de seu marido está enterrado, ao lado de gerações de grandes rabinos.
Há poucas semanas, a família visitou o local onde supostamente a novilha vermelha foi sacrificada, nos tempos bíblicos, em um ritual de purificação.
"É um local muito sagrado", disse Meir, que cresceu em Neve Yaakov, um assentamento de cerca de 20 mil habitantes no extremo norte de Jerusalém Oriental, e vende cosméticos naturais. "Você sai e se sente ligada a todas as gerações da nação. É especial viver em um lugar no qual você se sente ligada às suas raízes."
Seus filhos andam de bicicleta na garagem, atrás dos portões de ferro e das cercas altas de Maalot David; as ruas do lado externo são consideradas perigosas demais. Não é permitido que elas andem sozinhas até a Cidade Velha; a rotatória de Ras al-Amud é notória por jovens palestinos atirando pedras contra soldados israelenses, colonos e turistas.
Os pais às vezes fazem compras na banca de verduras descendo a rua. E quando alguns homens palestinos acidentalmente jogaram as chaves deles por sobre a cerca em uma tarde recente, o casal disse que passou uma hora procurando nas moitas, mas que não arriscariam deixar os vizinhos entrarem para procurarem pessoalmente.
Muhammad Zaghal, um optometrista que cresceu em Ras al-Amud, tem observado as tensões crescerem quando Maale Hazeitim e depois Maalot David abriram suas portas.
Depois que Gilad Shalit, um soldado israelense sequestrado na Faixa de Gaza, foi solto no final de 2011 em troca de 1.000 prisioneiros palestinos, disse Zaghal, alguns judeus jogaram pedras e água nas pessoas que comemoravam na rua, e fizeram um grande cartaz dizendo: "Um judeu vale 1.000 árabes".
"Todo mundo sabe que eles não nos amam e que nós não amamos eles", disse Zaghal, 32 anos. "Eles acham que este é o lugar deles e que esta terra é deles, mas não é verdade. Nós estamos aqui e permaneceremos aqui, mas eles não. Há pessoas aqui que não deixarão."
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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