sábado, 23 de março de 2013

Os caminhões e o agronegócio
A nova lei de jornada dos caminhoneiros vai elevar os custos de transporte do agronegócio em até 40%
Kátia Abreu - FSP
Estamos em plena safra de grãos, colhendo nossa maior produção de todos os tempos. É um tempo de alegria, mas também de aflições.
Nossas estradas, ferrovias e portos não suportam a pressão da nossa grande agricultura, e o que se tornou notícia frequente na mídia não é o sucesso das fazendas, mas os congestionamentos em estradas, pátios e portos.
Tudo isso gera custos adicionais e absorve boa parte da renda que beneficiaria os produtores. Mas também causa transtornos à população e ainda aumenta os custos de outras atividades produtivas que competem pela mesma logística.
O que torna tudo mais difícil é que nossa produção agrícola é refém das rodovias e dos caminhões, pois as ferrovias transportam apenas um terço das cargas, e as hidrovias, não mais que 10%.
E é isso que assegura a maior competitividade dos Estados Unidos, nosso maior concorrente no mercado global. Lá predomina, amplamente, o transporte pela bacia do Mississippi e pela imensa malha ferroviária.
Falar de nossas estradas é repetir uma velha ladainha. As pessoas nem prestam mais atenção. Parece uma antiga maldição da qual não nos livraremos nunca. E a culpa é de todos os governos. Talvez fosse justo excluir tão somente o governo JK.
Hoje, o programa de concessões anunciado pelo governo nos renova a esperança e o otimismo. Mas ao velho problema das rodovias soma-se nova agravante. Foi sancionada em 30 de abril de 2012 uma lei que leva o nome de "Estatuto do Motorista Profissional" e que regulamenta as condições de trabalho dos motoristas de caminhão.
O estatuto estabelece limites para a jornada de trabalho, determina a obrigatoriedade de interrupção para descanso a cada quatro horas e um intervalo de 11 horas a cada 24 horas de trabalho, além de outras regras para assegurar um limite humano e civilizado à dura tarefa de transportar cargas por esse imenso e desigual país.
Ninguém em seu juízo perfeito poderia se opor a essas condições, muito menos contestar sua oportunidade.
A trágica crônica de nossas estradas está repleta de estatísticas sobre acidentes causados por caminhões e seus condutores, em decorrência de jornadas acima da capacidade física e mental dos motoristas, sem falar dos relatos de uso de medicamentos para iludir o sono e o cansaço diante das pressões para cumprir horários impossíveis. Isso precisa, claramente, mudar.
Nós temos uma velha crença de que as leis, uma vez escritas, são capazes de mudar o mundo e resolver problemas, preferindo esquecer que as realidades são mais complexas.
Por isso não foi surpresa que uma lei feita para beneficiar os trabalhadores tenha sido violentamente contestada por eles.
Motoristas se mobilizaram e fecharam as principais rodovias do país, pedindo o adiamento de sua implantação.
A implantação imediata da lei -que é justa e necessária- pegou de surpresa o agronegócio. Isso porque o custo do frete rodoviário é um item relevante da sua estrutura de custos.
Fizemos um levantamento do impacto dos custos adicionais acarretados pela lei em algumas das nossas cadeias mais sensíveis ao custo de transporte. No caso dos grãos, a estimativa é que os custos de transporte vão se elevar entre 30% e 40%.
Nas cadeias das diferentes carnes, prevê-se uma elevação entre 20% e 30%. Para as frutas, o impacto será de no mínimo 30%.
Para que a lei beneficie efetivamente os motoristas, e grande parte deles trabalha por conta própria, o prudente seria estabelecer um cronograma mais dilatado de implantação. Aí, sim, haveria tempo para que fossem construídos os postos de descanso nas rodovias e para que fossem formados muito mais condutores.
Com o novo regime, a mão de obra atual é, sem dúvida, insuficiente.
E serão necessários muito mais caminhões, posto que os tempos de percurso vão aumentar e o número de viagens por mês será reduzido. Da noite para o dia, tudo isso não se fará.
A paciência é uma grande virtude, principalmente para legisladores e reformistas. Afinal, as leis são feitas para vigorar na terra, e não no cenário perfeito do céu.
KÁTIA ABREU, 51, senadora (PSD/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados nesta coluna.

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