Reinaldo Azevedo - VEJA
Lamentáveis as declarações da presidente Dilma Rousseff sobre a Igreja e o papa Francisco. Ficou com inveja de Cristina Kirchner. O páreo, a depender da área, é duro. Vejam a violência que as duas praticaram contra o Paraguai no caso do Mercosul. O tratado do bloco recusa o ingresso de ditaduras. Jogaram fora a democracia paraguaia e acolheram a ditadura venezuelana. Em certos quesitos, as duas se juntam como massa negativa. O resultado é inferior à soma das partes. Antes que trate das batatadas da hora, cumpre lembrar um pouquinho a trajetória recente do binômio “Dilma-Igreja”, sempre destacando que a presidente brasileira tem uma boa maneira de se preservar de críticas como esta: dispensando-se de tratar de assuntos sobre os quais não entende nada. A Presidência da República, com seu vasto palco para enganos e desenganos laicos, deveria lhe bastar. Seria prudente abster-se dos temas religiosos. Ou, então, que vá estudar o tema.
Dilma, na vida adulta, nunca foi católica. Pode ter sido na infância e na primeira juventude por influência da família. Depois de taludinha, suas opções foram outras. Como ela já deu mostras de se orgulhar do seu passado, não vai se importar se eu lembrar que, em vez de se ajoelhar no altar do Cristo, preferiu os da Polop e da VAR-Palmares, duas organizações terroristas. Era da área de inteligência. Que se saiba, nunca matou ninguém, mas as organizações de que ela era um dos “seres inteligentes” mataram, sim. Em tempo de Comissão da Verdade, preferem fingir que isso é mentira. Mas é verdade! Com efeito, isso nada tem a ver com a essência do cristianismo.
Em entrevista, Dilma já declarou que reza quando o avião balança — “uma rezadinha”, ela disse. É o que chamo de Teologia da Cumulonimbus. Ainda candidata dos primeiros dias, foi ao programa de Datena, chamou Nossa Senhora de “deusa” — fundando, então, o politeísmo cristão! — e se disse devota dessa entidade. O entrevistador, querendo puxar papo para ver se a conversa rendia, indagou: “De qual Nossa Senhora?”. Ela não hesitou: “Ah, de Nossa Senhora de forma geral”. A Nossa Senhora de Forma Geral é a padroeira dos políticos que estão tentando dar um truque nos católicos, afetando uma fé que não têm. No fim das contas, acham que religião é uma besteira, coisa de gente atrasada, do miolo mole. Já andam até dizendo que o cérebro dos crentes é menos desenvolvido do que o dos ateus e agnósticos. Imaginem que prodígios não teriam realizado Santo Agostinho, Santo Tomás, Pascal e Descartes se tivessem um cérebro como o de Dilma Rousseff ou de Cristina Kirchner… Adiante.
Não era católica, mas precisava se fingir porque isso poderia lhe custar votos. Gabriel Chalita, aquele rapaz pio, a arrastou para uma missa em Aparecida, onde ela se atrapalhou um tantinho ao se persignar. Desdisse várias entrevistas concedidas quando ministra e passou a se declarar contrária à legalização do aborto. Tornada presidente da República, escolheu para o Ministério da Mulher uma fanática do abortismo, que confessara em entrevista, que publiquei aqui, ter participado de uma ONG que atuara na Colômbia, à revelia do governo daquele país, ensinado as mulheres a praticar o, pasmem!, autoaborto! A própria ministra confessava, nessa entrevista, que atuara como aborteira sem nem mesmo ser médica. Tudo isso é fato, não boato. Nada disso precisa de “comissão da verdade”. São fatos que dispensam mentiras oficiais.
Às bobagens da hora
Dilma está em Roma para a entronização do papa, que acontece hoje. A história nos poupou do espetáculo de ter lá o Luiz Inácio Apedeuta da Silva. Depois de ter dado algumas diretrizes a Barack Obama, ele não se dispensaria de ser o farol do papa nesta era de incertezas, não é mesmo? Mas Dilma quase não nos deixa com saudade de seu Pigmalião.
Dilma está em Roma para a entronização do papa, que acontece hoje. A história nos poupou do espetáculo de ter lá o Luiz Inácio Apedeuta da Silva. Depois de ter dado algumas diretrizes a Barack Obama, ele não se dispensaria de ser o farol do papa nesta era de incertezas, não é mesmo? Mas Dilma quase não nos deixa com saudade de seu Pigmalião.
Leio na Folha, em reportagem de Felipe Seligman, que Dilma decidiu dar algumas dicas ao papa e, acreditem, um discreto puxão de orelha no Sumo Pontífice. Foi até mais ousada do que Cristina Kirchner. Ensinou a devota da “deusa” Nossa Senhora de Forma Geral:
“Eu acho que ele tem um papel a cumprir. [A defesa dos pobres] é uma postura importante. É claro que o mundo pede hoje além disso. Que as pessoas sejam compreendidas e que as opções diferenciadas das pessoas sejam compreendidas”.
“Eu acho que ele tem um papel a cumprir. [A defesa dos pobres] é uma postura importante. É claro que o mundo pede hoje além disso. Que as pessoas sejam compreendidas e que as opções diferenciadas das pessoas sejam compreendidas”.
A fala deixa entrever que, para Dilma, a Igreja Católica anda descolada do mundo. Com 10 anos à frente do governo brasileiro, é razoável que puxe a orelha de um trono de dois mil anos. Cumpre indagar: qual diferença a Igreja Católica não respeita? O cristianismo é justamente a religião que nasce das diferenças, que se anulam pela conversão! Ademais, a Igreja pretende falar ao mundo — e fala mesmo, ou não se daria tamanha importância ao papa —, mas suas orientações valem para seus fiéis. Tampouco os Estados nacionais estão obrigados a seguir seus princípios. Por que, afinal, é tão importante que a Igreja diga “sim” a práticas que se chocam com seus próprios fundamentos?
Quem disse que a Igreja não respeita as “opções diferenciadas”, seja lá o que ela tenha querido dizer com isso? Alguém tem notícia de fiéis perseguidos pela Igreja Católica, dentro e fora dos templos, por conta de suas escolhas? Dilma não é católica. Dilma não sabe nada do catolicismo. Dilma não é nem mesmo obrigada a saber — razão por que deveria, então, calar-se. Mas dá para entender. Tem em mente os padrões de certa política brasileira, não é? A Igreja abraça o pecador, mas não o pecado. É diferente dos petistas, por exemplo, que ficam logo com os dois: o Zé Dirceu vira herói, e a corrupção passiva e a formação de quadrilha são elevadas à condição de arte. É o que os petistas chamam de “opções diferenciadas”. Aliás, a base de apoio de Dilma é uma verdadeira coleção de… opções diferenciadas no cotejo com a moral e os bons costumes.
A Folha informa que Dilma foi indagada sobre a possibilidade de a Igreja atuar na defesa de “políticas progressistas”. Segundo a presidente, o papa não parece ser alguém que “irá defender esse tipo de posição”. Que “tipo de posição”? Do que ela fala? O que é ser “progressista”? A defesa da morte, por exemplo, se confunde com o progresso? Quando cardeal em Buenos Aires, Jorge Bergoglio andava entre os pobres. Bom jesuíta, jamais ficou encastelado.
A presidente disse ainda que é “uma honra ter um papa latino-americano” e que isso é uma afirmação da “região”. Barbaridade! Um papa perde a pátria. Para que a “região se afirmasse”, seria necessário, em primeiro lugar, que tivesse uma pauta e uma visão de mundo comuns, o que é falso. Nem os membros do Mercosul se entendem. A verdade é que os autoritários do subcontinente estão infelizes com a escolha. A banda ideológica à qual falam — embora menos, Dilma também — está é insatisfeita com a escolha. Os tiranetes acham que o papa Francisco pode colaborar com uma guinada conservadora na região.
Quem dera fosse verdade! Uma guinada que conservasse a democracia!
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