Que fim levou aquela que já foi a maior rede social do país e por onde andam alguns dos seus membros mais ativos
Hoje esvaziado, site vive onda nostálgica que reverencia suas hilárias comunidades em outros fóruns na internet
Maurício Cid, que criou 1.024 comunidades e agora tem blog “Não Salvo”, é um dos “órfãos”
Roberto Kaz - O Globo
João Mascarenhas foi dono da maior comunidade que existiu, a “Eu odeio acordar cedo”, com 6,1 milhões de usuários: vendeu-a em 2009, por R$ 4 mil.O Globo / Camilla Maia
RIO — Uma das última vezes que escrevi uma frase no Orkut foi em abril de 2010. Eu tinha 28 anos, morava em São Paulo e acabara de aparecer, por acaso, no programa de Ana Maria Braga. Uma parente, que me vira na TV, escrevera na minha página da comunidade social: “Ninguém aparece na Ana Maria Braga para responder ‘pegadinhas’ impunemente!” Retruquei com uma piada (“Flagrado pela própria família!”), e fechei a página. Era 19 de abril de 2010. Desde então, meu perfil no Orkut tornou-se um moribundo virtual.
Criado em janeiro de 2004 pelo engenheiro turco Orkut Büyükkökten, de quem herdou o nome, o Orkut foi, por seis anos, a maior rede social da internet no Brasil — de onde vinha metade dos 70 milhões de usuários que chegou a ter. Em 2008, o Google — empresa que opera o Orkut — transferiu o controle do site da Califórnia para Belo Horizonte. A iniciativa, que visava fortalecer o site ainda mais no país, teve efeito limitado: dali a dois anos, o Orkut seria ultrapassado pelo Facebook (a rede social de Marck Zuckerberg, que congrega mais de um bilhão de usuários mundo afora). Em fevereiro deste ano, de acordo com estimativa feita a partir de cem mil computadores pela ComScore, consultoria que mede a audiência da internet, o Orkut teve 17 milhões de visitantes no Brasil. O número foi quatro vezes menor do que o registrado para o Facebook no mesmo período.
— Entrei pela última vez há quatro meses, e foi melancólico — lembra, por telefone, o jornalista Alexandre Inagaki, ex-curador de mídias sociais da Campus Party (maior feira de internet no Brasil). — As comunidades mais interessantes estavam paradas, minha página estava cheia de spams escabrosos. O Orkut virou um museu de grandes novidades.
Desde que há internet, há troca de mensagens. Desde que há troca de mensagens, há comunidades sociais. A primeira, Classmates, foi criada em 1995, para congregar estudantes de escolas e universidades americanas. Nos anos seguintes surgiram MirC, MySpace, LinkedIn, MSN (esse extinto pela Microsoft no ano passado, por falta de uso). Todas tiveram relativo sucesso no país, mas nada que se comparasse à hegemonia conquistada pelo Orkut.
Nascido numa empresa americana, o Orkut visava, inicialmente, o mercado americano. Em janeiro de 2004 — primeiro mês de funcionamento —, dos dez países com mais usuários, o Brasil ocupava a oitava colocação. Em abril daquele ano, já subira para terceiro, atrás dos Estados Unidos e do Japão. Dois meses depois, no dia 23 de junho, conquistou a primazia — posto do qual jamais seria retirado. Havia ali um traço da sociedade brasileira, mas também um acaso: em paralelo, outras redes sociais cresciam em outros países (Hi5 no México, Friendster na Malásia, Facebook nos Estados Unidos).
O Orkut surgiu de forma excludente: entrava-se na rede mediante convite. Da primeira leva de brasileiros a se aventurar, constavam a jornalista Cora Rónai e o antropólogo Hermano Vianna. O meu convite chegou em março de 2005, por intermédio de uma amiga. Nós tínhamos 23 anos, estávamos no segundo ano de Jornalismo, conversávamos muito pelo computador. No Orkut, há resquícios de mensagens nossas sobre um dente siso que ela tirara, sobre o quarto casamento de Roberto Justus e sobre a festa de uma amiga de quem éramos próximos, e com quem nunca mais falamos.
Para advogado, rede é um documento histórico sobre o Brasil
Estão marcados, no meu histórico, o dia em que consegui meu primeiro emprego (“Caracas!!!! Qual vai ser o seu horário???”, perguntou uma amiga), o dia em que sofri um acidente, que me deixou um mês acamado (“Vc tá melhor???? Fiquei sabendo”, escreveu minha prima), o dia em que entrei para uma comunidade de fãs do deputado Paulo Maluf (“Vou te espancar!”, bradou uma paulistana).
Está lá a primeira mensagem que recebi de uma moça que viria a ser minha namorada (“Você é capcioso”) e a última que ela escreveu antes de terminarmos (“Você está sendo irônico?”). Entre março de 2005 e agosto de 2011, 2.344 mensagens foram escritas por amigos no meu perfil. Elas formam um retrato do que eu fui (ou aparentei ser) naquele período — mas não só. Quando o foco é ampliado para todos os perfis, de todos os usuários que restaram, há, ali, um retrato do que foi uma parcela do Brasil naquele período.
— O Orkut é o documento mais importante de dado primário da década passada, tão importante quanto os processos judiciais — diz o advogado especializado em direito digital Ronaldo Lemos. — No futuro, pesquisadores que forem ao Orkut vão entender numa escala microscópica o que estava acontecendo no país naquele momento. Está tudo lá: moda, política, sem falar na inclusão social.
Diretor do Centro de Tecnologia e da Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Lemos defende que o conteúdo do Orkut deveria ser preservado pela Biblioteca Nacional ou pelo próprio Google (embora não tenha tido uma conversa formal com nenhuma das duas instituições). A ideia é calcada no exemplo da Library of Congress, a biblioteca do congresso americano que, desde 2010, compilou 170 bilhões de mensagens escritas no microblog Twitter, acreditando no valor histórico que possam vir a ter.
Ele diz não conhecer uma única pessoa que acesse o Orkut regularmente. Suas visitas à comunidade costumam ser melancólicas:
— Fico deprimido, sempre que entro, com as propagandas pedindo para eu me converter ao Google+ (rede social criada pela empresa americana em 2011, como tentativa de responder ao avanço do Facebook). O Google quer que todo mundo saia do Orkut.
Hoje, o usuário que tenta acessar o Orkut se depara com uma mensagem do próprio Google oferecendo um “upgrade de seu perfil”. Quem aceita tem todas as fotos e informações abduzidas pelo Google+. Quem ignora permanece, qual o último marinheiro a deixar o navio, na página do Orkut.
Procurado ao longo de uma semana, o Google respondeu com uma declaração genérica sobre a possibilidade de o Orkut ser extinto (a exemplo do que vai ocorrer com o aplicativo Google Reader em julho): “Construímos muitas integrações entre o Orkut e o Google+, incluindo a possibilidade de unificação de perfis e também de compartilhamento de posts entre eles.” Declarou ainda que não há planos de juntar as duas comunidades.
Moribundo, mas ainda valioso
De acordo Alex Banks, diretor-executivo da ComScore, usuários do Orkut entram na rede sete vezes ao mês (contra 44 do Facebook). Permanecem durante 40 minutos (contra 12 horas no Facebook). Dos remanescentes, 98,4% têm perfil na rede de Zuckerberg. Ainda assim, ele acredita que o Orkut não esteja condenado:
— O anunciante quer número de cliques, e 17 milhões de visitantes ainda é muita coisa.
Já Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil, ONG que recebe denúncias de crimes na internet, é menos otimista: de 2005 a dezembro de 2012 (quando foi ultrapassado pelo Facebook), o Orkut foi o site mais denunciado por crimes de ódio, racismo ou pedofilia.
— O Orkut de fato já morreu, embora não esteja desativado — sugere. — Eu gosto da ideia de ele permanecer no ar como um museu, mas será que o Google estaria disposto a manter equipe e servidores funcionando em nome da memória brasileira? Torço para que sim, mas não acredito.
Num passeio pelo Orkut, hoje, vê-se que algumas comunidades que eram gigantes continuam gigantes. “Eu amo a minha mãe” ainda congrega 4,6 milhões de membros. “Eu amo o meu pai” tem 2,5 milhões. Comunidades que tratam de times e seriados ainda têm audiência relativa. Na última semana, 20 pessoas comentavam a conquista da Taça Guanabara no grupo “Botafogo de Futebol e Regatas”. No mesmo período, dezenas de fãs lembraram passagens de “Crepúsculo” numa comunidade sobre a saga.
Mas distante desses temas, a paisagem é diferente. A principal comunidade dedicada ao Papa Francisco I, no Facebook, tem 38 mil membros. No Orkut, apenas 111 fiéis homenageiam o novo pontífice. Das comunidades que tratam da tragédia ocorrida na boate Kiss, em Santa Maria, a maior do Facebook tem 7 mil membros. No Orkut, são meros 35.
— Até o ano passado eu ainda entrava no Orkut para ver a comunidade do Palmeiras — conta o publicitário Bruno Predolin, de 26 anos, que trabalha com mídias sociais num agência paulistana. — Hoje vejo no Face.
Autor de 715 comunidades (dentre as quais “Meu plano de fuga na infância”, “Stalingrado, mano?” e “Não vi Beatles, mas vi Molejo”), Predolin chegou a ganhar um valor (ainda que simbólico) com os grupos que inventou: de 2010 a 2011, o canal HBO lhe pagava R$ 500 mensais para ter o link anunciado em suas comunidades. O publicitário — então apenas um estudante universitário — ficou surpreso com a oferta:
— Eu não tinha pretensão de ganhar dinheiro. Quando comecei a criar as comunidades estava na escola; só queria canalizar minhas ideias.
Predolin entra no Orkut uma vez ao mês:
— A chance do site dar a volta por cima é zero — crava.
Gerente de uma agência de turismo no Shopping Downtown, na Barra, João Mascarenhas (ou João Holden, como era conhecido no Orkut) foi dono da maior comunidade que existiu: “Eu odeio acordar cedo”, com 6,1 milhões de usuários — que o transformou numa figura “pública” na rede. Havia agremiações formadas por aqueles que o admiravam (“Fãs do João Holden”), detestavam (“Eu odeio o João Holden”) e que gostariam de estar em seu lugar (“Tenho inveja do João Holden”).
— No mundo do Orkut fiquei conhecido, mas fora dele ninguém sabia quem eu era — lembra hoje, aos 34 anos.
Vendeu sua comunidade em 2009, por cerca de R$ 4 mil. Nunca mais entrou no grupo.
Dono do blog de humor “NãoSalvo”, Maurício Cid, de 27 anos, foi autor de 1.024 comunidades. Vez por outra, relembra o Orkut em seu blog. Em fevereiro, listou uma série de perfis de usuários sob o título “24 motivos para ter saudades do Orkut”. Considera-se um nostálgico:
— Na internet, cinco anos atrás já é antigo. Não uso o Orkut, mas respeito: ele foi o RG virtual do brasileiro, o caminho para as pessoas entrarem na internet. Infelizmente perdeu a batalha para os spams e vírus.
No Facebook, “Sdds Orkut”
Existe atualmente, no Facebook, uma série de comunidades que veneram o Orkut. A maior delas, “Sdds Orkut” (Saudades Orkut), tem 67 mil usuários, que costumam postar páginas com erros de português famosos no site que marcou a inclusão digital das classes mais populares (um garoto exaltando seu “peito oral”, uma menina reclamando da “cituasão”). A segunda maior, “Unidos pelo Orkut”, é descrita como uma página “em prol da melhor rede social de todos os tempos”. A terceira, “Comunidades do Orkut”, é onde cerca de dez mil pessoas relembram os grupos mais inventivos (“Mussum Mano”, “Mao Tsé-Tang”, “Anão vestido de palhaço mata oito” e tantos outros que ilustram a abertura desta reportagem).
— A graça das comunidades estava na descrição delas — lembra a carioca Camila Harpias, de 27 anos. — Lembro de uma minha que se chamava “Fica com Deus”. Na descrição escrevi: “Até fico, mas ele é gatinho?”
Formada em Biomedicina, Camila trabalha, há dois anos, numa agência que coordena estratégias em redes socais. O convite veio em função de sua página no microblog Twitter (que tem 81 mil seguidores) — que, por sua vez, fez sucesso em função do que ela aprendera no período de Orkut.
— O Orkut foi um bom termômetro para eu saber o que dava certo ou não — diz.
É um roteiro que lembra o vivido por Danilo Miranda, de 26 anos. Por conta do Orkut, ele criou um blog, por conta do blog, trabalhou numa agência, por conta da agência, abriu a sua própria, no Rio Grande do Sul. Hoje, lamenta que o Orkut só seja lembrado por “nostálgicos e humoristas”:
— O Orkut era um parque de diversões, e cada comunidade era um brinquedo. Atualmente me dá a sensação de uma festa que acabou, e está sobrando um monte de bêbados.
Criado em janeiro de 2004 pelo engenheiro turco Orkut Büyükkökten, de quem herdou o nome, o Orkut foi, por seis anos, a maior rede social da internet no Brasil — de onde vinha metade dos 70 milhões de usuários que chegou a ter. Em 2008, o Google — empresa que opera o Orkut — transferiu o controle do site da Califórnia para Belo Horizonte. A iniciativa, que visava fortalecer o site ainda mais no país, teve efeito limitado: dali a dois anos, o Orkut seria ultrapassado pelo Facebook (a rede social de Marck Zuckerberg, que congrega mais de um bilhão de usuários mundo afora). Em fevereiro deste ano, de acordo com estimativa feita a partir de cem mil computadores pela ComScore, consultoria que mede a audiência da internet, o Orkut teve 17 milhões de visitantes no Brasil. O número foi quatro vezes menor do que o registrado para o Facebook no mesmo período.
— Entrei pela última vez há quatro meses, e foi melancólico — lembra, por telefone, o jornalista Alexandre Inagaki, ex-curador de mídias sociais da Campus Party (maior feira de internet no Brasil). — As comunidades mais interessantes estavam paradas, minha página estava cheia de spams escabrosos. O Orkut virou um museu de grandes novidades.
Desde que há internet, há troca de mensagens. Desde que há troca de mensagens, há comunidades sociais. A primeira, Classmates, foi criada em 1995, para congregar estudantes de escolas e universidades americanas. Nos anos seguintes surgiram MirC, MySpace, LinkedIn, MSN (esse extinto pela Microsoft no ano passado, por falta de uso). Todas tiveram relativo sucesso no país, mas nada que se comparasse à hegemonia conquistada pelo Orkut.
Nascido numa empresa americana, o Orkut visava, inicialmente, o mercado americano. Em janeiro de 2004 — primeiro mês de funcionamento —, dos dez países com mais usuários, o Brasil ocupava a oitava colocação. Em abril daquele ano, já subira para terceiro, atrás dos Estados Unidos e do Japão. Dois meses depois, no dia 23 de junho, conquistou a primazia — posto do qual jamais seria retirado. Havia ali um traço da sociedade brasileira, mas também um acaso: em paralelo, outras redes sociais cresciam em outros países (Hi5 no México, Friendster na Malásia, Facebook nos Estados Unidos).
O Orkut surgiu de forma excludente: entrava-se na rede mediante convite. Da primeira leva de brasileiros a se aventurar, constavam a jornalista Cora Rónai e o antropólogo Hermano Vianna. O meu convite chegou em março de 2005, por intermédio de uma amiga. Nós tínhamos 23 anos, estávamos no segundo ano de Jornalismo, conversávamos muito pelo computador. No Orkut, há resquícios de mensagens nossas sobre um dente siso que ela tirara, sobre o quarto casamento de Roberto Justus e sobre a festa de uma amiga de quem éramos próximos, e com quem nunca mais falamos.
Para advogado, rede é um documento histórico sobre o Brasil
Estão marcados, no meu histórico, o dia em que consegui meu primeiro emprego (“Caracas!!!! Qual vai ser o seu horário???”, perguntou uma amiga), o dia em que sofri um acidente, que me deixou um mês acamado (“Vc tá melhor???? Fiquei sabendo”, escreveu minha prima), o dia em que entrei para uma comunidade de fãs do deputado Paulo Maluf (“Vou te espancar!”, bradou uma paulistana).
Está lá a primeira mensagem que recebi de uma moça que viria a ser minha namorada (“Você é capcioso”) e a última que ela escreveu antes de terminarmos (“Você está sendo irônico?”). Entre março de 2005 e agosto de 2011, 2.344 mensagens foram escritas por amigos no meu perfil. Elas formam um retrato do que eu fui (ou aparentei ser) naquele período — mas não só. Quando o foco é ampliado para todos os perfis, de todos os usuários que restaram, há, ali, um retrato do que foi uma parcela do Brasil naquele período.
— O Orkut é o documento mais importante de dado primário da década passada, tão importante quanto os processos judiciais — diz o advogado especializado em direito digital Ronaldo Lemos. — No futuro, pesquisadores que forem ao Orkut vão entender numa escala microscópica o que estava acontecendo no país naquele momento. Está tudo lá: moda, política, sem falar na inclusão social.
Diretor do Centro de Tecnologia e da Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Lemos defende que o conteúdo do Orkut deveria ser preservado pela Biblioteca Nacional ou pelo próprio Google (embora não tenha tido uma conversa formal com nenhuma das duas instituições). A ideia é calcada no exemplo da Library of Congress, a biblioteca do congresso americano que, desde 2010, compilou 170 bilhões de mensagens escritas no microblog Twitter, acreditando no valor histórico que possam vir a ter.
Ele diz não conhecer uma única pessoa que acesse o Orkut regularmente. Suas visitas à comunidade costumam ser melancólicas:
— Fico deprimido, sempre que entro, com as propagandas pedindo para eu me converter ao Google+ (rede social criada pela empresa americana em 2011, como tentativa de responder ao avanço do Facebook). O Google quer que todo mundo saia do Orkut.
Hoje, o usuário que tenta acessar o Orkut se depara com uma mensagem do próprio Google oferecendo um “upgrade de seu perfil”. Quem aceita tem todas as fotos e informações abduzidas pelo Google+. Quem ignora permanece, qual o último marinheiro a deixar o navio, na página do Orkut.
Procurado ao longo de uma semana, o Google respondeu com uma declaração genérica sobre a possibilidade de o Orkut ser extinto (a exemplo do que vai ocorrer com o aplicativo Google Reader em julho): “Construímos muitas integrações entre o Orkut e o Google+, incluindo a possibilidade de unificação de perfis e também de compartilhamento de posts entre eles.” Declarou ainda que não há planos de juntar as duas comunidades.
Moribundo, mas ainda valioso
De acordo Alex Banks, diretor-executivo da ComScore, usuários do Orkut entram na rede sete vezes ao mês (contra 44 do Facebook). Permanecem durante 40 minutos (contra 12 horas no Facebook). Dos remanescentes, 98,4% têm perfil na rede de Zuckerberg. Ainda assim, ele acredita que o Orkut não esteja condenado:
— O anunciante quer número de cliques, e 17 milhões de visitantes ainda é muita coisa.
Já Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil, ONG que recebe denúncias de crimes na internet, é menos otimista: de 2005 a dezembro de 2012 (quando foi ultrapassado pelo Facebook), o Orkut foi o site mais denunciado por crimes de ódio, racismo ou pedofilia.
— O Orkut de fato já morreu, embora não esteja desativado — sugere. — Eu gosto da ideia de ele permanecer no ar como um museu, mas será que o Google estaria disposto a manter equipe e servidores funcionando em nome da memória brasileira? Torço para que sim, mas não acredito.
Num passeio pelo Orkut, hoje, vê-se que algumas comunidades que eram gigantes continuam gigantes. “Eu amo a minha mãe” ainda congrega 4,6 milhões de membros. “Eu amo o meu pai” tem 2,5 milhões. Comunidades que tratam de times e seriados ainda têm audiência relativa. Na última semana, 20 pessoas comentavam a conquista da Taça Guanabara no grupo “Botafogo de Futebol e Regatas”. No mesmo período, dezenas de fãs lembraram passagens de “Crepúsculo” numa comunidade sobre a saga.
Mas distante desses temas, a paisagem é diferente. A principal comunidade dedicada ao Papa Francisco I, no Facebook, tem 38 mil membros. No Orkut, apenas 111 fiéis homenageiam o novo pontífice. Das comunidades que tratam da tragédia ocorrida na boate Kiss, em Santa Maria, a maior do Facebook tem 7 mil membros. No Orkut, são meros 35.
— Até o ano passado eu ainda entrava no Orkut para ver a comunidade do Palmeiras — conta o publicitário Bruno Predolin, de 26 anos, que trabalha com mídias sociais num agência paulistana. — Hoje vejo no Face.
Autor de 715 comunidades (dentre as quais “Meu plano de fuga na infância”, “Stalingrado, mano?” e “Não vi Beatles, mas vi Molejo”), Predolin chegou a ganhar um valor (ainda que simbólico) com os grupos que inventou: de 2010 a 2011, o canal HBO lhe pagava R$ 500 mensais para ter o link anunciado em suas comunidades. O publicitário — então apenas um estudante universitário — ficou surpreso com a oferta:
— Eu não tinha pretensão de ganhar dinheiro. Quando comecei a criar as comunidades estava na escola; só queria canalizar minhas ideias.
Predolin entra no Orkut uma vez ao mês:
— A chance do site dar a volta por cima é zero — crava.
Gerente de uma agência de turismo no Shopping Downtown, na Barra, João Mascarenhas (ou João Holden, como era conhecido no Orkut) foi dono da maior comunidade que existiu: “Eu odeio acordar cedo”, com 6,1 milhões de usuários — que o transformou numa figura “pública” na rede. Havia agremiações formadas por aqueles que o admiravam (“Fãs do João Holden”), detestavam (“Eu odeio o João Holden”) e que gostariam de estar em seu lugar (“Tenho inveja do João Holden”).
— No mundo do Orkut fiquei conhecido, mas fora dele ninguém sabia quem eu era — lembra hoje, aos 34 anos.
Vendeu sua comunidade em 2009, por cerca de R$ 4 mil. Nunca mais entrou no grupo.
Dono do blog de humor “NãoSalvo”, Maurício Cid, de 27 anos, foi autor de 1.024 comunidades. Vez por outra, relembra o Orkut em seu blog. Em fevereiro, listou uma série de perfis de usuários sob o título “24 motivos para ter saudades do Orkut”. Considera-se um nostálgico:
— Na internet, cinco anos atrás já é antigo. Não uso o Orkut, mas respeito: ele foi o RG virtual do brasileiro, o caminho para as pessoas entrarem na internet. Infelizmente perdeu a batalha para os spams e vírus.
No Facebook, “Sdds Orkut”
Existe atualmente, no Facebook, uma série de comunidades que veneram o Orkut. A maior delas, “Sdds Orkut” (Saudades Orkut), tem 67 mil usuários, que costumam postar páginas com erros de português famosos no site que marcou a inclusão digital das classes mais populares (um garoto exaltando seu “peito oral”, uma menina reclamando da “cituasão”). A segunda maior, “Unidos pelo Orkut”, é descrita como uma página “em prol da melhor rede social de todos os tempos”. A terceira, “Comunidades do Orkut”, é onde cerca de dez mil pessoas relembram os grupos mais inventivos (“Mussum Mano”, “Mao Tsé-Tang”, “Anão vestido de palhaço mata oito” e tantos outros que ilustram a abertura desta reportagem).
— A graça das comunidades estava na descrição delas — lembra a carioca Camila Harpias, de 27 anos. — Lembro de uma minha que se chamava “Fica com Deus”. Na descrição escrevi: “Até fico, mas ele é gatinho?”
Formada em Biomedicina, Camila trabalha, há dois anos, numa agência que coordena estratégias em redes socais. O convite veio em função de sua página no microblog Twitter (que tem 81 mil seguidores) — que, por sua vez, fez sucesso em função do que ela aprendera no período de Orkut.
— O Orkut foi um bom termômetro para eu saber o que dava certo ou não — diz.
É um roteiro que lembra o vivido por Danilo Miranda, de 26 anos. Por conta do Orkut, ele criou um blog, por conta do blog, trabalhou numa agência, por conta da agência, abriu a sua própria, no Rio Grande do Sul. Hoje, lamenta que o Orkut só seja lembrado por “nostálgicos e humoristas”:
— O Orkut era um parque de diversões, e cada comunidade era um brinquedo. Atualmente me dá a sensação de uma festa que acabou, e está sobrando um monte de bêbados.
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