sábado, 16 de março de 2013

"Passei a acreditar em destino", diz estudante que socorreu ciclista atropelado na Paulista
Thiago Chagas dos Santos prestou os primeiros socorros ao ciclista David Santos Souza enquanto esperavam por 20 minutos a ambulância do Samu
Branca Nunes - VEJA
Bicicleta no local onde o ciclista foi atropelado na manhã deste domingo (10), na Avenida Paulista
Bicicleta no local onde o ciclista foi atropelado na manhã deste domingo (10), na Avenida Paulista (Nelson Antoine/Fotoarena)
Talvez porque os dois tenham “Santos” no nome, um anjo da guarda resolveu interferir para fazer com que o caminho de Thiago Chagas dos Santos cruzasse o de David Santos Souza. O ponto de convergência aconteceu às 5h45 do domingo, 10 de março, na Avenida Paulista, em São Paulo.
Desde a véspera, nada havia saído como Thiago planejara. Na noite do sábado, o estudante de publicidade soube, poucas horas antes do início, que fora cancelada por causa da chuva a festa em que trabalharia como DJ. Diante do imprevisto, trocou o estúdio que abrigaria o evento, ao lado da estação Carrão do metrô, na Zona Leste da capital, por uma boate na Bela Vista. O lugar pareceu ideal para comemorar o Dia do DJ e, simultaneamente, o aniversário de cinco anos de namoro. Como planejava beber, deixou o carro em casa.
Reprodução
Thiago Chagas dos Santos, estudante que socorreu o ciclista David Santos Souza, atropelado na Avenida Paulista em 10 de março de 2013
Thiago Chagas dos Santos, estudante que socorreu o ciclista David Santos Souza, atropelado na Avenida Paulista
Saiu da boate pouco depois das 5h e caminhou com os amigos em direção à estação Brigadeiro do metrô, na Avenida Paulista. Seria bem mais barato entrar em um dos vagões, seguir até a estação Conceição e embarcar num táxi para casa, na Avenida Washington Luis. Mas parou na catraca. De lá, ele e Agenor Pereira Júnior deram meia volta e subiram as escadas rolantes para pegar um táxi do outro lado da avenida. Foi então que Thiago viu o carro do estudante de psicologia Alex Kozloff Siwek, de 21 anos, atropelar David. Limpador de janelas em grandes edifícios, David seguia para o trabalho de bicicleta por uma das ciclofaixas de lazer que são montadas na cidade aos domingos - a ciclofaixa ainda não estava em operação no momento do acidente, mas os cones já estavam enfileirados na via.
O acidente - Thiago correu até David enquanto pedia para Agenor telefonar para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Naquele momento, colocou em prática todo o ensinamento aprendido nos três anos de faculdade de enfermagem, dois cursos técnicos – um de enfermagem e outro de assistência pré-hospitalar – e no curso de primeiros-socorros que frequentou durante as aulas para comissário de bordo.
Para evitar lesões na coluna, colocou David na posição correta, fez respiração boca a boca e massagem cardíaca, improvisou um torniquete com um cadarço para estancar o sangue do braço amputado e empenhou-se em manter o ciclista acordado. “Qual é o seu nome?”, perguntava. “Você se lembra do que aconteceu? Para onde você estava indo? O que você faz?”. As perguntas continuaram até a chegada da ambulância, 20 minutos depois.
David não se queixava de dores. Só o incomodava uma queimação nas pernas – sintoma de hemorragia. Uma voz comentou que ele estava sem o braço e David se desesperou. Procurava com a mão esquerda a parte amputada. “Eu perdi meu braço?”, repetia. Thiago procurava acalmá-lo: “Não, estou aqui segurando sua mão”.
Em vão, Agenor procurou insistentemente o braço de David. Até aquele momento, ninguém poderia imaginar que Alex, além de não prestar socorro ao atropelado, jogaria o membro num córrego imundo do outro lado da cidade.
Socorro - Com a chegada do Samu, Thiago ajudou os socorristas a enfaixarem o braço de David e seguiu com ele para o hospital. Também foi ele quem transmitiu a notícia terrível para a mãe de David, a empregada doméstica Antonia Santos.
Depois daquele domingo, Thiago e David encontraram-se pessoalmente apenas uma vez e conversaram por telefone. “Nos tornamos amigos”, conta Thiago. “A mãe dele me chamou de filho.”
São evidentes as mudanças sofridas pelo estudante de publicidade desde o dia do acidente. “Passei muito tempo da minha vida chateado, perguntando por que havia perdido tanto tempo com a faculdade de enfermagem. Hoje, sei que se não fosse esse conhecimento, talvez não tivesse conseguido ajudar o David”, diz Thiago. “Passei a acreditar em destino. Se tudo tivesse saído como programado, não era para eu estar ali.”
Thiago também vive dias de celebridade. “Muita gente que eu não conheço vem falar comigo na rua”, conta. “Eles agradecem e comentam que atitudes como a minha mostram que ainda há esperança na humanidade. Mas todos os dias nos prontos-socorros dezenas de pessoas fazem o que eu fiz”. As manifestações de humildade não o impedem de enxergar a realidade: “estou começando a ficar um pouquinho orgulhoso de mim”.
Quando lembra do dia do acidente, ele se pergunta como conseguiu agir com uma frieza que o surpreendeu. E o que pensa de Alex? “Foi tão frio quanto eu”, responde. “Ele teve uma hora e meia para pensar o que fazer com o braço antes de jogá-lo fora.”
Em sua página no Facebook, Thiago exibe seis citações de grandes escritores, filósofos e cineastas. Pelo que diz, agora entende melhor a definição de felicidade escrita por Érico Veríssimo: “Felicidade é a certeza de que nossa vida não está se passando inutilmente”.

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