Kristen Allen - Der Spiegel
A Alemanha foi contrária à invasão americana ao Iraque em 2003 e pouco mudou a respeito dessa posição uma década depois. Editorialistas alemães avaliaram os efeitos da guerra no equilíbrio global de poder e as conclusões deles não são positivas.
No 10º aniversário da invasão americana ao Iraque, o legado complicado do conflito continua se desdobrando.
Um dia antes do aniversário, o presidente Barack Obama prestou um tributo na terça-feira (19) aos quase 4.500 soldados americanos que morreram no conflito, além dos mais de 30 mil que foram feridos antes da retirada das tropas do país em 2011.
Mas a escala desses sacrifícios pessoais empalidece em comparação ao preço pago pela população iraquiana, cuja estimativa é de que mais de 100 mil foram mortos. Apesar de Obama ter feito oposição à guerra e ter concorrido à presidência prometendo retirar as tropas americanas do Iraque, a situação no país que elas deixaram para trás permanece frágil, na melhor das hipóteses.
Um recente aumento da inquietação política e da violência sectária no país foi novamente destacado na terça-feira, quando o grupo terrorista Al Qaeda reivindicou a responsabilidade por uma série de ataques suicidas, que deixaram aproximadamente 65 mortos. "Nós nos vingaremos", dizia uma declaração da Al Qaeda em um site jihadista.
Ignorando a forte oposição de muitos países à invasão – incluindo a Alemanha e a França– os Estados Unidos, sob o então presidente George W. Bush, começou a bombardear Bagdá, a capital iraquiana, em 20 de março de 2003, chamando a operação de "choque e espanto". A meta da guerra era derrubar o ditador iraquiano Saddam Hussein e eliminar as "armas de destruição em massa". Apesar de Saddam Hussein posteriormente ter sido encontrado, julgado e executado, nenhuma arma de destruição em massa foi encontrada.
A guerra custou ao governo americano centenas de bilhões de dólares e, segundo os editorialistas alemães, grande parte de sua credibilidade. No aniversário da invasão, eles analisaram o estado dos Estados Unidos e do Oriente Médio uma década depois da guerra.
O jornal "Süddeutsche Zeitung" de centro-esquerda escreveu:
"Há dez anos, quando as forças armadas americanas atacaram o Iraque com alguns poucos aliados que serviram como álibis, e então chegaram a Bagdá após poucos dias e expulsaram Saddam Hussein, os Estados Unidos experimentaram um sentimento coletivo de satisfação. O Iraque foi uma vingança por Nova York. Hoje é possível dizer isso francamente, porque havia naturalmente uma necessidade de retaliação, de uma demonstração de força. As justificativas públicas para a guerra foram periféricas em comparação: armas químicas, um programa nuclear e Saddam como o velho bicho-papão. Não, os Estados Unidos queriam restabelecer sua autoridade."
"Hoje, as políticas americanas em grande parte se recuperaram de seu ponto de vista de hiper -hegemonia. Mas a que preço? Ninguém mais pode dizer que ordem e estabilidade, muito menos democracia, podem ser conseguidas pela força das armas. E o país nem mesmo intimamente reconhece as imensas dívidas que acumulou à sombra de suas guerras. Ninguém também quer medir a perda de credibilidade que os Estados Unidos e o Ocidente sofreram no restante do mundo. Mas aqueles na Alemanha que triunfantemente apontariam seus dedos devem pensar duas vezes. Um estadismo elegante inexistiu na oposição divisora a George W. Bush."
"Na história, nem sempre há uma sequência clara de baixas. (...) Mas a guerra no Iraque gerou uma poderosa ruptura – tanto para os povos na região quanto nos Estados Unidos. Ela marcou o início de uma fase de profundas mudanças nas sociedades do mundo árabe, e o início de uma nova ordem mundial para os Estados Unidos. Prova disso vem com a visita do presidente Barack Obama a Israel–a primeira de sua presidência e uma em grande parte impotente. A Estátua da Liberdade ainda permanece no porto de Nova York, anunciando a missão dos Estados Unidos para o mundo. É uma missão que se tornou inimaginavelmente grande no Oriente Médio – tão grande que até mesmo os Estados Unidos devem humildemente reconhecer seus limites."
O jornal "Die Tageszeitung" de esquerda escreveu:
"A guerra no Iraque serve como outra lição de que o equilíbrio de poder doméstico e regional não pode ser mudado nem mesmo pela potência militar estrangeira mais opressiva. Essa é uma lição que é constantemente esquecida."
"O equilíbrio de poder no mundo árabe não seria alterado de modo sustentável por uma intervenção estrangeira, mas sim a partir de dentro –e mesmo assim seria um empreendimento difícil, como vimos nos últimos dois anos turbulentos de levantes. A guerra no Iraque provavelmente adiou as mudanças no mundo árabe em vários anos, porque os ditadores árabes puderam desacreditar seus movimentos democráticos domésticos com um simples: 'Vocês querem se tornar como o Iraque?' Porque o Iraque representa aquilo que os árabes não desejam: uma sociedade destruída e polarizada por uma intervenção estrangeira, e com uma população traumatizada. Foi apesar da guerra no Iraque, e não por causa dela, que uma década depois o mundo árabe deu início a mudanças. Elas são caóticas, turbulentas e de resultado imprevisível. Mas desta vez é algo autônomo."
O jornal conservador "Frankfurter Allgemeine Zeitung" escreveu:
"Foi uma guerra que os Estados Unidos basicamente escolheram para si mesmos, e que então foi decidida rapidamente com base em sua superioridade militar. Mas eles fracassaram em obter paz, se for para defini-la em termos mais amplos do que apenas a queda de Saddam Hussein. Eles não tinham um plano para ela. Seus motivos, circunstâncias e resultados tornaram a guerra no Iraque um fracasso estratégico aos olhos de muitos. (...) Os iraquianos tiveram que arcar com as consequências, assim como os americanos. O governo de George W. Bush estava tão convencido de sua 'missão' que conseguiu criar um enorme racha na comunidade ocidental. A abordagem levou a um confronto interno no Ocidente a respeito do cumprimento da lei internacional, algo que manchou a reputação dos Estados Unidos. O ceticismo diante de intervenções enfrentado pelo presidente Obama se deve em parte ao descrédito moral do país, além da quebra econômica do país."
"De qualquer forma, um episódio que teve início em um dia de final de verão (no Hemisfério Norte) em setembro de 2001 chegou ao fim. Sem o 'ataque contra a América', o governo Bush não teria caçado os líderes da Al Qaeda e seus colaboradores talebans no Afeganistão, e os Estados Unidos não teriam marchado contra o Iraque atrás de Saddam Hussein (cuja derrubada era a meta oficial da política americana desde o final dos anos 90). Milhares de soldados americanos e mais de 100 mil iraquianos morreram. Centenas de bilhões de dólares foram devorados por ambas as guerras.
De agora em diante, devido aos resultados terem sido tão limitados em comparação aos custos, os Estados Unidos praticarão maior contenção. Seu papel no levante na Líbia e no conflito na Síria já demonstram isso. Os Estados Unidos dificilmente entrarão novamente em uma guerra 'apenas' pelo bem da democracia no conturbado mundo árabe. Esse tipo de idealismo –ou furor neoconservador– não deverá ser despertado tão cedo. A pergunta é se a potência global agora está balançando de um extremo ao outro."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
No 10º aniversário da invasão americana ao Iraque, o legado complicado do conflito continua se desdobrando.
Um dia antes do aniversário, o presidente Barack Obama prestou um tributo na terça-feira (19) aos quase 4.500 soldados americanos que morreram no conflito, além dos mais de 30 mil que foram feridos antes da retirada das tropas do país em 2011.
Mas a escala desses sacrifícios pessoais empalidece em comparação ao preço pago pela população iraquiana, cuja estimativa é de que mais de 100 mil foram mortos. Apesar de Obama ter feito oposição à guerra e ter concorrido à presidência prometendo retirar as tropas americanas do Iraque, a situação no país que elas deixaram para trás permanece frágil, na melhor das hipóteses.
Um recente aumento da inquietação política e da violência sectária no país foi novamente destacado na terça-feira, quando o grupo terrorista Al Qaeda reivindicou a responsabilidade por uma série de ataques suicidas, que deixaram aproximadamente 65 mortos. "Nós nos vingaremos", dizia uma declaração da Al Qaeda em um site jihadista.
Ignorando a forte oposição de muitos países à invasão – incluindo a Alemanha e a França– os Estados Unidos, sob o então presidente George W. Bush, começou a bombardear Bagdá, a capital iraquiana, em 20 de março de 2003, chamando a operação de "choque e espanto". A meta da guerra era derrubar o ditador iraquiano Saddam Hussein e eliminar as "armas de destruição em massa". Apesar de Saddam Hussein posteriormente ter sido encontrado, julgado e executado, nenhuma arma de destruição em massa foi encontrada.
A guerra custou ao governo americano centenas de bilhões de dólares e, segundo os editorialistas alemães, grande parte de sua credibilidade. No aniversário da invasão, eles analisaram o estado dos Estados Unidos e do Oriente Médio uma década depois da guerra.
O jornal "Süddeutsche Zeitung" de centro-esquerda escreveu:
"Há dez anos, quando as forças armadas americanas atacaram o Iraque com alguns poucos aliados que serviram como álibis, e então chegaram a Bagdá após poucos dias e expulsaram Saddam Hussein, os Estados Unidos experimentaram um sentimento coletivo de satisfação. O Iraque foi uma vingança por Nova York. Hoje é possível dizer isso francamente, porque havia naturalmente uma necessidade de retaliação, de uma demonstração de força. As justificativas públicas para a guerra foram periféricas em comparação: armas químicas, um programa nuclear e Saddam como o velho bicho-papão. Não, os Estados Unidos queriam restabelecer sua autoridade."
"Hoje, as políticas americanas em grande parte se recuperaram de seu ponto de vista de hiper -hegemonia. Mas a que preço? Ninguém mais pode dizer que ordem e estabilidade, muito menos democracia, podem ser conseguidas pela força das armas. E o país nem mesmo intimamente reconhece as imensas dívidas que acumulou à sombra de suas guerras. Ninguém também quer medir a perda de credibilidade que os Estados Unidos e o Ocidente sofreram no restante do mundo. Mas aqueles na Alemanha que triunfantemente apontariam seus dedos devem pensar duas vezes. Um estadismo elegante inexistiu na oposição divisora a George W. Bush."
"Na história, nem sempre há uma sequência clara de baixas. (...) Mas a guerra no Iraque gerou uma poderosa ruptura – tanto para os povos na região quanto nos Estados Unidos. Ela marcou o início de uma fase de profundas mudanças nas sociedades do mundo árabe, e o início de uma nova ordem mundial para os Estados Unidos. Prova disso vem com a visita do presidente Barack Obama a Israel–a primeira de sua presidência e uma em grande parte impotente. A Estátua da Liberdade ainda permanece no porto de Nova York, anunciando a missão dos Estados Unidos para o mundo. É uma missão que se tornou inimaginavelmente grande no Oriente Médio – tão grande que até mesmo os Estados Unidos devem humildemente reconhecer seus limites."
O jornal "Die Tageszeitung" de esquerda escreveu:
"A guerra no Iraque serve como outra lição de que o equilíbrio de poder doméstico e regional não pode ser mudado nem mesmo pela potência militar estrangeira mais opressiva. Essa é uma lição que é constantemente esquecida."
"O equilíbrio de poder no mundo árabe não seria alterado de modo sustentável por uma intervenção estrangeira, mas sim a partir de dentro –e mesmo assim seria um empreendimento difícil, como vimos nos últimos dois anos turbulentos de levantes. A guerra no Iraque provavelmente adiou as mudanças no mundo árabe em vários anos, porque os ditadores árabes puderam desacreditar seus movimentos democráticos domésticos com um simples: 'Vocês querem se tornar como o Iraque?' Porque o Iraque representa aquilo que os árabes não desejam: uma sociedade destruída e polarizada por uma intervenção estrangeira, e com uma população traumatizada. Foi apesar da guerra no Iraque, e não por causa dela, que uma década depois o mundo árabe deu início a mudanças. Elas são caóticas, turbulentas e de resultado imprevisível. Mas desta vez é algo autônomo."
O jornal conservador "Frankfurter Allgemeine Zeitung" escreveu:
"Foi uma guerra que os Estados Unidos basicamente escolheram para si mesmos, e que então foi decidida rapidamente com base em sua superioridade militar. Mas eles fracassaram em obter paz, se for para defini-la em termos mais amplos do que apenas a queda de Saddam Hussein. Eles não tinham um plano para ela. Seus motivos, circunstâncias e resultados tornaram a guerra no Iraque um fracasso estratégico aos olhos de muitos. (...) Os iraquianos tiveram que arcar com as consequências, assim como os americanos. O governo de George W. Bush estava tão convencido de sua 'missão' que conseguiu criar um enorme racha na comunidade ocidental. A abordagem levou a um confronto interno no Ocidente a respeito do cumprimento da lei internacional, algo que manchou a reputação dos Estados Unidos. O ceticismo diante de intervenções enfrentado pelo presidente Obama se deve em parte ao descrédito moral do país, além da quebra econômica do país."
"De qualquer forma, um episódio que teve início em um dia de final de verão (no Hemisfério Norte) em setembro de 2001 chegou ao fim. Sem o 'ataque contra a América', o governo Bush não teria caçado os líderes da Al Qaeda e seus colaboradores talebans no Afeganistão, e os Estados Unidos não teriam marchado contra o Iraque atrás de Saddam Hussein (cuja derrubada era a meta oficial da política americana desde o final dos anos 90). Milhares de soldados americanos e mais de 100 mil iraquianos morreram. Centenas de bilhões de dólares foram devorados por ambas as guerras.
De agora em diante, devido aos resultados terem sido tão limitados em comparação aos custos, os Estados Unidos praticarão maior contenção. Seu papel no levante na Líbia e no conflito na Síria já demonstram isso. Os Estados Unidos dificilmente entrarão novamente em uma guerra 'apenas' pelo bem da democracia no conturbado mundo árabe. Esse tipo de idealismo –ou furor neoconservador– não deverá ser despertado tão cedo. A pergunta é se a potência global agora está balançando de um extremo ao outro."
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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