sábado, 16 de março de 2013

Governador da Bahia suspende item de concurso que exigia atestado de virgindade
Edital da Polícia Civil pedia avaliação ginecológica detalhada a candidatas, ou que comprovassem que eram virgens
Ione Luques - Ag. A TARDE
SALVADOR - O governador Jaques Wagner suspendeu, na tarde desta quinta-feira, o item do concurso público da Polícia Civil da Bahia que pedia atestado de virgindade a candidatas, ante a repercussão que o caso tomou. Ele comunicou a decisão através da rede social Twitter.
A mensagem diz: “Determinei a imediata suspensão dos itens que possam causar constrangimento ou discriminação às mulheres”.
As candidatas aos postos de delegada, escrivã e investigadora da Polícia Civil da Bahia, teriam que passar por ''avaliação ginecológica detalhada, contendo os exames de colposcopia, citologia e microflora''. Os exames são dispensados para as mulheres ''com hímen íntegro'. No entanto, a candidata nesta situação deveria comprovar que é virgem, através de atestado médico, com assinatura, carimbo e CRM do médico que o emitiu.
Na opinião da advogada trabalhista Rita de Cássia Vivas, o pedido dos exames de preventivo e do laudo comprovando a virgindade das candidatas é inconstitucional porque fere a intimidade, a privacidade e a dignidade da pessoa humana, garantidas pela Constituição, e também o direito de igualdade, pois não é pedido nenhum exame de tal natureza aos candidatos homens:
— É um absurdo. Exames desta natureza ferem a expressão sexual da mulher. Além de serem discriminatórios.
Segundo a advogada, os exames admissionais, sejam em concursos públicos ou em processos seletivos das empresas, devem estar relacionados exclusivamente à aptidão relacionados ao cargo. E, neste caso, o exame não é necessário ao exercício do cargo.
Rodrigo Bottrel Tostes, advogado trabalhista do Pinheiro Neto Advogados, endossa as declarações da colega. Segundo ele, apesar de não estar expressamente prevista a realização ou não deste tipo de avaliação médica na legislação, esta deve ser interpretada dentro da lei, que prevê a preservação da intimidade da pessoa:
A realização deste tipo de exame só seria recomendada se houvesse algum risco ou impedisse a atividade fim para qual o candidato está concorrendo, mas não pode de nenhuma maneira violar a intimidade da pessoa.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) informou, na noite desta quinta-feira, que, diante do recebimento, pela Ouvidoria do órgão, de denúncias sobre a exigência de exames clínicos ginecológicos a serem apresentados por candidatas aprovadas em concurso público da Polícia Civil da Bahia, irá solicitar esclarecimentos à Secretaria de Administração do Estado da Bahia. Na nota, a SPM reafirma ''seu compromisso contra qualquer ato de discriminação da mulher''.
O edital do concurso levou, na quarta-feira, a Ordem dos Advogados do Brasil a emitir “nota de repúdio” contra a norma.
“Essa exigência nos dias atuais é, extremamente, abusiva e desarrazoada em virtude da grave violação ao inciso III do art. 1º da Constituição Federal de 1988, que consagra o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como ao art. 5º do citado Diploma Legal, que dispõe sobre o Princípio da Igualdade e o Direito a Intimidade, Vida Privada, Honra e Imagem”, diz trecho da nota, cuja origem é a Comissão de Proteção aos Direitos da Mulher da OAB-BA.
A OAB alega ainda que “a imposição legal de critérios de admissão baseados em gênero, idade, cor ou estado civil configura uma forma gravosa de intervenção no âmbito da proteção à igualdade jurídica (CF, art. 5º, caput) e da regra que proíbe quaisquer desses requisitos como critério de admissão (art. 7º, XXX,CF), além das violações à Lei 9.029/95” e pontua: “exigir que as mulheres se submetam a tamanho constrangimento é, no mínimo, discriminatório, uma vez que tal exigência não tem qualquer relação com as atribuições do cargo, além de tornar mais oneroso o concurso para as candidatas do gênero feminino”.
Especialista em concursos públicos e direitos humanos, Sérgio Camargo ressalta que a mera previsão de se pedir exames ginecológicos dessa natureza e comprovação de virgindade, independentemente deste item do edital ser eliminatório ou não, já fere a liberdade de expressão sexual da mulher:
— Estão dando passos largos para trás. É uma limitação que pune o privilégio dado a mulher de procriação da espécie e endossa a submissão das mulheres aos homens. Neste caso, teria que haver uma medida voltada também aos homens. Como podemos comprovar a virgindade de um homem?
A Secretaria da Administração do Estado da Bahia (Saeb), responsável pelo edital, informou, por meio de nota, que os itens previstos no documento foram elaborados pela empresa organizadora do concurso, que é o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UNB). No documento, a Saeb informa que “a inclusão da questão é padrão e recorrente em concursos públicos similares em todo o país e não se configura uma cláusula restritiva, mas sim uma alternativa para as mulheres que, por ventura, queiram se recusar a realizar os exames citados no edital".
A Seab aponta que a cláusula é incorporada em diversos concursos no país para funções como analista administrativo, especialista em previdência e técnico administrativo, da Superintendência Nacional de Previdência Complementar, lançado em dezembro de 2011; além de para o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, de setembro de 2011.
O concurso disponibiliza 600 vagas, com salários variando de R$ 1.558,89 a R$ 9.155,28.

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