Yuri Dyachyshyn/AFP
9.set.2013 - Cigana de uma comunidade na aldeia de Pidvynogradiv, na Ucrânia, exibe os dentes de ouro, tradição em sua etnia
23 de julho de 2013. O deputado e prefeito centrista Gilles Bourdouleix perde o controle diante de um grupo de ciganos franceses instalados em um terreno agrícola de Cholet, perto de Nantes. Os romanis fazem a saudação nazista para lembrar que durante o Holocausto Hitler exterminou 800 mil ciganos. O prefeito responde: "Talvez Hitler não tenha matado o suficiente".Antes, em 4 de julho, o eurodeputado Jean-Marie Le Pen, ex-líder da Frente Nacional, inaugurou a temporada em Nice: "Vocês têm certa preocupação, parece, por causa de algumas centenas de ciganos que dão à cidade uma presença irritante e odorífera". "Não passa da pequena ponta do iceberg. A partir de 1º de janeiro de 2014, chegarão a Nice nada menos que 50 mil ciganos, porque os 12 milhões de romanis que vivem na Romênia, Bulgária e Hungria poderão se estabelecer livremente em todos os países europeus."
Le Pen exagera, porque a comunidade cigana europeia não ultrapassa os 10 milhões de pessoas. Mas o ex-paraquedista consegue seu objetivo: abrir a campanha das municipais de março de 2014. Durante o verão, prefeitos e cargos eleitos competem em soltar a maior barbaridade sobre os ciganos.
Quando parece que ninguém dá mais, esta semana o ministro do Interior, Manuel Valls, filho e neto de republicanos espanhóis, afirma que "o problema cigano só pode ser solucionado com expulsões", já que os romanis "não têm a vocação de se integrar, e sim de voltar a seus países".
Embora muitos desses 20 mil ciganos europeus sejam crianças, e alguns milhares residam na França há anos - o número se mantém há duas décadas -, Valls estima que "a integração só pode afetar uma minoria, porque seus modos de vida são extremamente diferentes dos nossos e se chocam com nossa cultura".
Depois, o ministro socialista anuncia que a França quer que a Europa só permita a livre circulação de romenos e búlgaros pelos aeroportos. "Assim os homens de negócios poderiam viajar."
Há anos o sociólogo Eric Fassin cunhou a fórmula "xenofobia de Estado" para explicar a política de identidade nacional de Nicolas Sarkozy.
"Era xenófobo porque marginalizava os estrangeiros, embora também tenha posto no alvo de forma ambígua os muçulmanos franceses", explica Fassin. "Agora o governo socialista acrescenta racismo à xenofobia. Valls evoca diferenças culturais e quer que a Europa trate de forma diferente empresários e ciganos."
O professor da Universidade de Paris 8 adverte que "a França não é exceção, mas a vanguarda de uma nova definição de Europa. A política econômica neoliberal que impôs a UE cria medo de xenofobia", explica.
"A França sabe que tem que dar algo aos eleitores para compensar sua insegurança econômica. Assim, à falta de pão, Valls propõe circo. O circo são os ciganos. A Europa prefere defender a política neoliberal antes que os direitos humanos. O critério é o mesmo que se usou nos anos 1930 contra os judeus, mas não se justifica dizendo que os outros são diferentes biologicamente, e sim culturalmente."
Fassin conclui: "A situação é muito grave porque representa o fim da Europa construída contra a ideia da raça depois da Segunda Guerra Mundial. Estamos na Europa dos mercados. Sim para os empresários romenos, não para os ciganos; essa é a vocação de Valls".
No Partido Socialista e no governo, as ideias do titular do Interior, o mais popular do gabinete, geraram críticas suaves. As pesquisas para 2014 são péssimas e a mercadoria eleitoral cigana está em alta.
O líder do Partido Socialista (PS), Harlem Désir, e sua antecessora, Martine Aubry, pediram sem êxito que Valls se retifique. A ecologista Cécile Duflot, ministra da Habitação, comparou Valls com Sarkozy e exigiu que Hollande "cure suas feridas".
Mas o presidente, que na campanha de 2012 condenou a política de seu antecessor e prometeu proteger "as populações ultraprecárias", se cala.
Bruxelas também respondeu com menos ardor do que empregou para censurar Sarkozy. A primeira vice-presidente da CE e comissária de Justiça e Direitos Fundamentais, Viviane Reding, disse que o assunto ciganos sempre volta "quando sopra o ar de eleições, para não falar do importante", e lembrou que a França "utiliza mal" as ajudas do Fundo Social Europeu (FSE).
Segundos dados da CE, os países mais generosos com os romanis são Irlanda, Hungria, Eslováquia e Espanha, que entre 2007 e 2013 destinaram 806 milhões de euros a esse coletivo e beneficiaram 100 mil pessoas.
Jonathan Todd, porta-voz do comissário de Assuntos Sociais e Inclusão, László Andor, confirma que a França recebeu 1,7 bilhão de euros do FSE no período 2007-2013 e que em 2010 obteve 16,8 milhões dos Fundos Regionais para "melhorar as moradias de suas minorias". Todd não sabe quanto Paris dedica aos ciganos. Segundo "Le Monde", a cifra atual são 4 milhões de euros. E segundo Reding o dinheiro "não chega aos prefeitos que têm problemas".
Paris se esquece de cumprir algumas leis. O relatório da Anistia Internacional "Condenados a ser errantes" afirma: "Os imigrantes ciganos continuam vivendo em condições indignas e são expulsos de seus lugares de residência de forma reiterada, sem ser consultados, informados ou realojados, descumprindo os compromissos com os direitos humanos".
A autora do estudo é Marion Cadier, uma jovem pesquisadora que percorreu durante um ano os acampamentos de Lille, Paris e Lyon. Para comprovar como se aplica a circular de agosto de 2012, que tentava definir a política de "firmeza e humanidade" do governo socialista.
"A conclusão", resume Cadier, "é que a circular é papel molhado, que há mais firmeza que humanidade e que os despejos forçados são ilegais além de inúteis, porque só contribuem para marginalizar ainda mais a comunidade cigana, para dificultar seu acesso à educação e o trabalho e transferir o problema de uma cidade para outra."
Segundo a Liga pelos Direitos Humanos (LDH), a República Francesa deixou sem teto mais de 10 mil ciganos no primeiro semestre de 2013, ignorando a norma que proíbe despejar no inverno e duplicando o ritmo de 2012, quando expulsou 11.982.
Cadier entrevistou dezenas de despejados. Adela, 26 anos, mãe de três filhos, vive em Île de France desde 2002 com seu marido, Gheorghe. Foram desalojados 15 vezes.
"Não fico na França porque seja bom, mas porque não tenho outra opção. Eu gostaria de um trabalho e uma casa, como todo mundo, e não ter de viver em um acampamento de barracos", diz.
Apesar das promessas, as repatriações diminuíram mas continuam existindo. Na primeira metade do ano Paris devolveu a seus países 424 ciganos. A LDH conta que continuam havendo ataques de bandos de moradores contra acampamentos. Coincidindo com o aumento das expulsões a cargo do Estado, o número de desalojados por agressões, incêndios e inundações passou de 1.007 pessoas no primeiro trimestre para 530 no segundo.
Certamente Adela, a jovem romena, não conhece "Outras Inquisições", o livro em que Borges explicava que, para que um problema seja realmente grande, convém lhe dar um sobrenome. Quando o sobrenome é étnico, o desastre está garantido, ironizava Borges. Dessa velha descoberta semântica derivam o "problema judeu" o "problema palestino", ou checheno... E, é claro, há séculos, o problema ancestral cigano. Com dois sobrenomes.
Expulsões
- Segundo a Liga pelos Direitos Humanos (LDH), a França deixou sem teto mais de 10 mil romanis no primeiro semestre de 2013, ignorando a norma que proíbe despejar no inverno e duplicando nesse período os casos registrados em todo 2012, quando expulsou 11.982.- Na primeira metade deste ano o governo do presidente François Hollande devolveu a seus países de origem 424 ciganos.
- O número de desalojados por incêndios, inundações e agressões baixou de 1.007 no primeiro trimestre para 530 no segundo.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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