quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Ciganos trocam a Romênia pela Alemanha em busca de melhores oportunidades
Lena Reich -Der Spiegel
Denis Charlet/AFP
Famílias ciganas fazem check-in no aeroporto de Lille, norte da França. Eles participam de um programa de retorno voluntário à Roménia
Famílias ciganas fazem check-in no aeroporto de Lille, norte da França. Eles participam de um programa de retorno voluntário à Roménia
Milhares de refugiados econômicos inundam Berlim todos os anos, incluindo muitos ciganos. Alguns acabam como sem-teto, muitos são insultados ou recebem cusparadas. Mas agora um novo programa tem como objetivo ajudar essas pessoas a encontrar empregos e apartamentos – e a começar uma nova vida.
Marietta está sentada no porta-malas de um carro com a porta traseira aberta enquanto um de seus filhos chora em seus braços. Ela tem vivido nesse Renault estacionado em frente à Igreja de St. Stephen, localizada no bairro berlinense de Wedding, desde abril deste ano. Ela tem 25 anos; seu filho, apenas 10 dias. O bebê nasceu na clínica municipal Virchow. Marietta já estava grávida quando viajou da Romênia para a Alemanha.
Marietta precisa de ajuda. De origem cigana, ela já teve dois filhos, que hoje têm quatro e seis anos, mas agora Marietta não consegue amamentar o recém-nascido. Seus seios estão inflamados e inchados. Marietta poderia buscar a ajuda das autoridades locais, mas ela tem medo que elas tirem seu bebê.
A família de Marietta compõe um contingente formado por milhares de pessoas que vêm do Leste Europeu para a Alemanha impulsionadas pela promessa de uma vida melhor. Pessoas como Marietta são frequentemente chamadas de trabalhadores migrantes, mas, na verdade, o termo não se encaixa a elas. Na realidade, essas pessoas vieram para a Alemanha como refugiados econômicos -- e vieram para ficar.
Cerca de 8.000 romenos e 14 mil búlgaros vivem atualmente em Berlim. Desses, cerca de 1.800 e 3.000, respectivamente, chegaram apenas no ano passado. A maioria vive em apartamentos, mas muitos acabam morando em seus carros, acampando em parques ou encontrando acomodações alternativas --com parentes ou amigos ou em abrigos de emergência. Acredita-se que existam dezenas de famílias vivendo em porões e sótãos, especialmente no bairro de Neukölln.
Marietta não conhece outra vida que não seja uma vida de pobreza. "Vivi em um carro desde que tinha dois anos de idade", diz ela. E, por isso, quando ela partiu de Bucareste para a Alemanha com seus pais, marido e filhos, em abril passado, ela não tinha nada a perder.
Berlim lança um "Plano de Ação" ambicioso
O marido de Marietta encontrou trabalho em uma empresa de demolição que lhe paga 4 euros por hora (US$ 5,41), principalmente para trabalhar à noite. Antes de Marietta dar à luz, ela mendigou por dinheiro nas ruas do sofisticado bairro berlinense de Mitte. A mendicância não proporcionava uma renda regular, mas sua família teve mais sorte do que a maioria de seus "colegas", como ela chama as outras pessoas que vivem nos carros estacionados na rua: dentro de poucos dias, eles terão seu próprio apartamento.
Para tentar ajudar pessoas como Marietta e sua família, a prefeitura da cidade de Berlim aprovou, em julho passado, um "Plano de Ação para a Integração dos Ciganos Estrangeiros". O projeto deverá melhorar as condições de vida dessas pessoas: elas terão um melhor acesso à educação, à saúde e ao mercado de trabalho. Como e se Berlim será realmente capaz de dispor dos recursos necessários para financiar objetivos tão nobres, no entanto, ainda é algo incerto.
Como parte do plano, as mulheres grávidas terão seus gastos com assistência médica, incluindo o parto, cobertos por um fundo de emergência caso elas não tenham dinheiro para arcar com essas despesas. Como a seguradora romena de Marietta se recusou a cobrir os custos de seu parto mais recente, ela pagou à clínica Virchow 2.000 euros (US$ 2.700) de seu próprio bolso.
Uma pequena parte dessa quantia ela havia economizado. O restante foi pago por um homem que se considera o líder do grupo de ciganos. Como ele conseguiu dinheiro não ficou claro. "Também existem romenos que têm dinheiro. Mas você não os vê nas ruas", disse esse líder. Foi ele quem encontrou o apartamento para Marietta e sua família morar. Ele fala alemão e pagou o depósito de 1.000 euros exigido pelo locatário. A família de Marietta vai lhe devolver o dinheiro em prestações.
Essas famílias chegaram a Berlim num momento em que os alugueis estão aumentando, o que fez com que as habitações com alugueis acessíveis ficassem escassas e deixou os abrigos públicos permanentemente cheios. Para pessoas como Marietta, a fuga da pobreza só parece levar a mais pobreza e a nenhuma perspectiva de vida nova.
Crianças ciganas sofrem discriminação
Mas Marietta é determinada. Mesmo que seja apenas por causa de seus filhos, ela não quer voltar para a Romênia. "Aqui, eles têm menos preocupações". De acordo com estimativas do Unicef (Fundo da Organização das Nações Unidas para a Infância), entre 300 mil e 400 mil crianças ciganas não frequentam a escola na Romênia. Aquelas que frequentam, sofrem discriminação por parte dos professores e, de acordo com a Unicef, as escolas que têm uma elevada percentagem de alunos ciganos são muitas vezes mal equipadas. O relatório 2013 da Anistia Internacional também criticou o fato de que as crianças ciganas estavam sendo matriculadas em escolas para deficientes.
Embora Marietta não tenha direito a uma vaga em um berçário para seus dois filhos mais novos, sua filha de 6 anos já estava matriculada na escola em meados de setembro passado.
A sobrinha de 13 anos de Marietta, Alessandra, por sua vez, já está no sexto ano na escola primária do bairro. Quando ela chegou a Berlim, vinda de Bucareste há cinco anos, ela não falava uma palavra de alemão. Mas Alessandra aprendeu a língua em um programa apoiado por sua escola, ao lado de crianças predominantemente de língua turca.
Aqui, também, o "Plano de Ação" de Berlim irá desempenhar um papel fundamental: durante os próximos dois anos, a prefeitura municipal quer implantar, no primeiro e no segundo graus das escolas, "grupos de estudo adicionais para os recém-chegados que não falem alemão".
O caso de Alessandra mostra o quão útil essa abordagem pode ser. Hoje ela fala alemão fluentemente. No entanto, Alessandra, sua irmã e seus pais viveram em um carro durante dois anos, até 2011. Em seguida, eles encontraram um apartamento de três quartos, mas quando o custo de vida subiu, eles não conseguiram mais pagar o aluguel e acabaram tendo que voltar a viver no carro.
Atualmente, Alessandra parece exausta. Seu rosto está inchado por causa do frio úmido e seus braços e pernas doem. Com frequência, seu professor tira sarro de sua situação habitacional na frente de sua classe. Alessandra comenta sobre uma criança de 10 anos que só pode assistir enquanto sua mãe levava um tapa no rosto de um transeunte. Por que ela foi atacada? "Porque ela é romena".
"Vamos banir os ciganos das cidades"
Marietta também comenta sobre os moradores locais que sempre olham para ela com raiva e que latem "palavras em alemão" que ela não entende. Jovens já cuspiram nela.
O preconceito contra os ciganos é generalizado. Em um estudo de longo prazo realizado há dois anos, mais de 40% dos entrevistados disseram que não gostariam se ciganos fossem morar em sua vizinhança. Cerca de um quarto dos participantes do levantamento expressou a opinião de que os ciganos deveriam ser "banidos dos centros das cidades".
Michael Kraft, da Associação Cultural do Sudeste da Europa, se queixou do fato de que nenhum dos principais partidos políticos transformou a integração dos refugiados econômicos em tema de discussão durante a recente campanha eleitoral. A associação presta assistência a refugiados, ciganos e trabalhadores migrantes. Onde quer que os funcionários da associação se deparem com famílias como essas, eles tentam conversar com elas, seja na rua ou em suas casas. Em consultas iniciais, eles oferecem orientação para a integração social e aconselhamento jurídico, além de acompanharem as pessoas ao escritório das autoridades locais.
Ocasionalmente, Kraft e seus colegas se deparam com recusas por parte dos abordados. "Pode levar anos até que as famílias confiem em nós e aceitem a nossa ajuda", disse um colega de trabalho de Kraft. "Mas nós queremos e precisamos chegar a essas famílias, que muitas vezes passaram por traumáticas experiências de guerra ou que tiveram que ficar fugindo".
Kraft conhece muito bem o ressentimento a que essas pessoas frequentemente são expostas na Alemanha. "Temo que a nossa sociedade não tenha a disponibilidade e a abertura necessárias para lidar adequadamente com a questão da imigração e suas diversas manifestações".
Pouco tempo depois, Marietta já está morando em seu novo apartamento. As paredes estão sem papel de parede, as janelas estão vazando. O aluguel está sendo pago pelo centro de emprego. Marietta coloca seu bebê, que está dormindo, no berço dobrável. Seus dois outros filhos estão no sofá próximo ao berço. Não há muito espaço no apartamento de dois quartos para uma família de sete pessoas. Grossos cobertores foram pendurados na frente das janelas. Marietta sorri feliz. No entanto, ela ainda teme que, se o edifício for reformado no ano que vem, o aluguel suba e o auxílio moradia já não seja suficiente para pagar pelo aluguel do apartamento. Se isso ocorrer, a busca de Marietta começará novamente.
Tradutor: Cláudia Gonçalves      

Nenhum comentário: