Fidelius Schmid e Andreas Ulrich - Der Spiegel
Daniel Roland/AFP
Policiais carregam manifestante após operação para retirar acampamento do movimento "Ocupe" em frente ao prédio do Banco Central Europeu, em Frankfurt, na Alemanha
Ainda restam duas horas para abertura das portas, mas Gerd não quer correr o risco de ser recusado desta vez. "Eu cheguei tarde demais ontem e não consegui uma cama", diz o homem de 57 anos. Seu cabelo loiro e fino está molhado, ele tem cicatrizes no queixo e na testa e seu hálito cheira a álcool.
Gerd prefere passar a tarde esperando na chuva do que partir de mãos vazias de novo. Três africanos e sete europeus do Leste também estão aguardando na fila. O programa de abrigo de emergência de Hamburgo, com suas acomodações improvisadas em um ex-prédio de escritórios próximo da estação central de trem da cidade, oferece 230 leitos. Como ele não consegue acomodar todos aqueles que chegam na maioria das noites, alguns dos moradores de rua de Hamburgo são forçados a dormir em mesas e cadeiras.
Munique, Stuttgart, Colônia e outras cidades alemãs enfrentam um problema semelhante: há mais pessoas procurando ajuda do que há espaço nos abrigos de emergência e de moradores de rua. A população de sem-teto na Alemanha cresceu acentuadamente nos últimos anos, em parte devido ao crescente afluxo de romenos, búlgaros e outros europeus carentes do Leste. Desde que seus países de origem ingressaram na União Europeia em 2007, búlgaros e romenos passaram a ter direito de entrar na Alemanha sem vistos ou permissões de residência.
Alguns que têm pouco dinheiro ou habilidades, mas desejam permanecer mais do que três meses, abrem um negócio, geralmente fictício, e então trabalham ilegalmente em canteiros de obras por apenas 3 euros por hora. Em 2011, o número de búlgaros na Alemanha cresceu em mais de 22 mil, enquanto o de romenos subiu em 36 mil. Milhares de novos imigrantes têm formação superior, são trabalhadores capacitados ou estudantes universitários, mas entre eles também estão trabalhadores diaristas e mendigos. Os mais pobres acabam nos abrigos para moradores de rua, ou por não terem dinheiro ou por tratarem os abrigos de emergência como hotéis gratuitos.
A Associação das Cidades Alemãs se queixa de que as municipalidades precisam lidar com as consequências da "migração da pobreza" do Leste Europeu, e que as cidades não contam com recursos suficientes para fornecer moradia e atendimento médico para todos os recém-chegados.
Abusando do sistema
As condições nos abrigos de emergência da Alemanha expõem o outro lado da liberalidade de uma Europa aberta. Os imigrantes do Leste estão provocando uma luta pela sobrevivência às margens da sociedade entre pessoas que não têm quase nada.
"A imigração é um problema que está crescendo há anos", mas os autores de políticas se mantiveram calados a respeito durante todo esse tempo, diz Thomas Specht, diretor-administrativo da Força-Tarefa Federal Alemã para Desabrigados (BAG). Segundo seus números, em 2011, mais de 15% das pessoas nos programas de assistência para moradores de rua eram estrangeiras. O percentual atual de imigrantes nos programas de assistência "provavelmente é maior", diz Specht, especialmente nas grandes cidades. Nos programas de assistência emergenciais de inverno, abrigos adicionais são montados para impedir que os moradores de rua morram congelados durante os meses frios, quando capacidade extra frequentemente é necessária.
Estes últimos são abrigos de pernoite emergenciais despojados, onde os especialistas estimam que metade dos visitantes é de estrangeiros. Em um abrigo em Spaldingstrasse, em Hamburgo, cerca de dois terços são da Romênia, Bulgária e Polônia. Em uma ocasião, um ônibus da Romênia estacionou em frente ao prédio, de onde desembarcaram 12 trabalhadores diaristas. Quando as autoridades alfandegárias checaram os documentos dos usuários do abrigo, elas descobriram que oito supostos moradores de rua possuíam empresas registradas e supostamente estavam trabalhando como operários de baixa remuneração. Os migrantes econômicos "abusam do programa de emergência de inverno e tomam espaço dos moradores de rua", diz Detlef Scheele, responsável pela pasta social de Hamburgo.
Preocupação em tornar as coisas atraentes demais
Scheele, um social-democrata, supostamente está se referindo a pessoas como Johnny, que sabe como trabalhar com drywall, mas também trabalha como garçom. Ou Claudio, que aceita qualquer trabalho que consegue, ou Nello, um tratorista. Sua esposa e sua filha mais nova estão morando no estúdio de seu filho em Colônia, mas não há espaço suficiente para ele lá.
Todos os três estão esperando do lado de fora de um antigo consultório de veterinário na estação de bonde Eifelwall de Colônia, que abre às 19h. Há cerca de 30 pessoas lá, e a língua mais comum falada ali é o romeno. Nelle tem dormido ali nos últimos seis meses, mas ainda não encontrou emprego. "Voltar não é uma opção", ele diz. "Não há nada para mim em casa, só pobreza."
O abrigo, que abriu neste inverno, foi montado para acomodar o excedente do abrigo regular para moradores de rua. Ele fornece roupa de cama, toalhas, banho quente e sanduíches, o que é mais do que alguns moradores de rua têm no Leste Europeu. No abrigo de emergência, as pessoas dormem em camas dobráveis sem travesseiros e comida não é fornecida. Mas pelo menos o aquecimento funciona.
As acomodações espartanas representam o esforço de Colônia para lidar com o afluxo. Em Dortmund, a prefeitura assumiu a posição de que pessoas sem-teto de outros países da UE "não eram sem-teto em seus países de origem, mas, em vez disso, se tornaram deliberadamente sem-teto ao viajarem como cidadãos da UE", e portanto não têm direito de estadia nos abrigos alemães para moradores de rua. Segundo um porta-voz da prefeitura, aqueles que não têm onde ficar após às 22h30, quando o clima fica muito frio, podem passar a noite na sala de espera.
Até o ano passado, Munique tentou acomodar moradores de rua do Leste Europeu em seu programa de assistência de inverno. Então, a cidade criou uma solução especial para pessoas "sem direito a acomodação", isto é, imigrantes. A Organização Protestante de Ajuda de Munique opera dois abrigos de emergência no ex-quartel militar Bayernkaserne, que fornece 176 espaços em beliches em um prédio, e 39 em outro. Mas a Bayernkaserne só abre quando as temperaturas caem abaixo de zero ou quando há uma tempestade de inverno severa.
As autoridades em várias cidades estão preocupadas em fazer suas acomodações para pessoas sem-teto parecerem atraentes demais, já que nenhuma cidade quer se transformar em ímã para um novo grupo de moradores de rua. "A notícia rapidamente se espalha sobre os lugares onde as condições são boas, fazendo as autoridades locais se preocuparem com a chegada de muitos sem-teto à cidade", diz um assistente-social que prefere permanecer anônimo.
A notícia também se espalhou de que os fundos estão ficando mais escassos agora que mais necessitados estão chegando do Leste Europeu. "Eles não têm facilitado as coisas", diz Karl-Heinz, que está sentado no abrigo Gulliver para moradores de rua, sob uma ponte próxima da estação central de Colônia, ao lado de dois outros homens, chamados Rolf e Dick. O abrigo oferece chuveiros por 0,50 euro e tomadas para carregar celulares gratuitamente. Rolf diz que está ficando cada vez mais difícil encontrar um lugar, apesar desse não ser o maior problema para ele e seus amigos. "Nós ganhamos menos dinheiro mendigando porque eles estão aqui", diz Dick, referindo-se aos moradores de rua do exterior, "e não encontramos mais garrafas retornáveis, porque eles também saem à procura delas".
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Policiais carregam manifestante após operação para retirar acampamento do movimento "Ocupe" em frente ao prédio do Banco Central Europeu, em Frankfurt, na Alemanha
Ainda restam duas horas para abertura das portas, mas Gerd não quer correr o risco de ser recusado desta vez. "Eu cheguei tarde demais ontem e não consegui uma cama", diz o homem de 57 anos. Seu cabelo loiro e fino está molhado, ele tem cicatrizes no queixo e na testa e seu hálito cheira a álcool.
Gerd prefere passar a tarde esperando na chuva do que partir de mãos vazias de novo. Três africanos e sete europeus do Leste também estão aguardando na fila. O programa de abrigo de emergência de Hamburgo, com suas acomodações improvisadas em um ex-prédio de escritórios próximo da estação central de trem da cidade, oferece 230 leitos. Como ele não consegue acomodar todos aqueles que chegam na maioria das noites, alguns dos moradores de rua de Hamburgo são forçados a dormir em mesas e cadeiras.
Munique, Stuttgart, Colônia e outras cidades alemãs enfrentam um problema semelhante: há mais pessoas procurando ajuda do que há espaço nos abrigos de emergência e de moradores de rua. A população de sem-teto na Alemanha cresceu acentuadamente nos últimos anos, em parte devido ao crescente afluxo de romenos, búlgaros e outros europeus carentes do Leste. Desde que seus países de origem ingressaram na União Europeia em 2007, búlgaros e romenos passaram a ter direito de entrar na Alemanha sem vistos ou permissões de residência.
Alguns que têm pouco dinheiro ou habilidades, mas desejam permanecer mais do que três meses, abrem um negócio, geralmente fictício, e então trabalham ilegalmente em canteiros de obras por apenas 3 euros por hora. Em 2011, o número de búlgaros na Alemanha cresceu em mais de 22 mil, enquanto o de romenos subiu em 36 mil. Milhares de novos imigrantes têm formação superior, são trabalhadores capacitados ou estudantes universitários, mas entre eles também estão trabalhadores diaristas e mendigos. Os mais pobres acabam nos abrigos para moradores de rua, ou por não terem dinheiro ou por tratarem os abrigos de emergência como hotéis gratuitos.
A Associação das Cidades Alemãs se queixa de que as municipalidades precisam lidar com as consequências da "migração da pobreza" do Leste Europeu, e que as cidades não contam com recursos suficientes para fornecer moradia e atendimento médico para todos os recém-chegados.
Abusando do sistema
As condições nos abrigos de emergência da Alemanha expõem o outro lado da liberalidade de uma Europa aberta. Os imigrantes do Leste estão provocando uma luta pela sobrevivência às margens da sociedade entre pessoas que não têm quase nada.
"A imigração é um problema que está crescendo há anos", mas os autores de políticas se mantiveram calados a respeito durante todo esse tempo, diz Thomas Specht, diretor-administrativo da Força-Tarefa Federal Alemã para Desabrigados (BAG). Segundo seus números, em 2011, mais de 15% das pessoas nos programas de assistência para moradores de rua eram estrangeiras. O percentual atual de imigrantes nos programas de assistência "provavelmente é maior", diz Specht, especialmente nas grandes cidades. Nos programas de assistência emergenciais de inverno, abrigos adicionais são montados para impedir que os moradores de rua morram congelados durante os meses frios, quando capacidade extra frequentemente é necessária.
Estes últimos são abrigos de pernoite emergenciais despojados, onde os especialistas estimam que metade dos visitantes é de estrangeiros. Em um abrigo em Spaldingstrasse, em Hamburgo, cerca de dois terços são da Romênia, Bulgária e Polônia. Em uma ocasião, um ônibus da Romênia estacionou em frente ao prédio, de onde desembarcaram 12 trabalhadores diaristas. Quando as autoridades alfandegárias checaram os documentos dos usuários do abrigo, elas descobriram que oito supostos moradores de rua possuíam empresas registradas e supostamente estavam trabalhando como operários de baixa remuneração. Os migrantes econômicos "abusam do programa de emergência de inverno e tomam espaço dos moradores de rua", diz Detlef Scheele, responsável pela pasta social de Hamburgo.
Preocupação em tornar as coisas atraentes demais
Scheele, um social-democrata, supostamente está se referindo a pessoas como Johnny, que sabe como trabalhar com drywall, mas também trabalha como garçom. Ou Claudio, que aceita qualquer trabalho que consegue, ou Nello, um tratorista. Sua esposa e sua filha mais nova estão morando no estúdio de seu filho em Colônia, mas não há espaço suficiente para ele lá.
Todos os três estão esperando do lado de fora de um antigo consultório de veterinário na estação de bonde Eifelwall de Colônia, que abre às 19h. Há cerca de 30 pessoas lá, e a língua mais comum falada ali é o romeno. Nelle tem dormido ali nos últimos seis meses, mas ainda não encontrou emprego. "Voltar não é uma opção", ele diz. "Não há nada para mim em casa, só pobreza."
O abrigo, que abriu neste inverno, foi montado para acomodar o excedente do abrigo regular para moradores de rua. Ele fornece roupa de cama, toalhas, banho quente e sanduíches, o que é mais do que alguns moradores de rua têm no Leste Europeu. No abrigo de emergência, as pessoas dormem em camas dobráveis sem travesseiros e comida não é fornecida. Mas pelo menos o aquecimento funciona.
As acomodações espartanas representam o esforço de Colônia para lidar com o afluxo. Em Dortmund, a prefeitura assumiu a posição de que pessoas sem-teto de outros países da UE "não eram sem-teto em seus países de origem, mas, em vez disso, se tornaram deliberadamente sem-teto ao viajarem como cidadãos da UE", e portanto não têm direito de estadia nos abrigos alemães para moradores de rua. Segundo um porta-voz da prefeitura, aqueles que não têm onde ficar após às 22h30, quando o clima fica muito frio, podem passar a noite na sala de espera.
Até o ano passado, Munique tentou acomodar moradores de rua do Leste Europeu em seu programa de assistência de inverno. Então, a cidade criou uma solução especial para pessoas "sem direito a acomodação", isto é, imigrantes. A Organização Protestante de Ajuda de Munique opera dois abrigos de emergência no ex-quartel militar Bayernkaserne, que fornece 176 espaços em beliches em um prédio, e 39 em outro. Mas a Bayernkaserne só abre quando as temperaturas caem abaixo de zero ou quando há uma tempestade de inverno severa.
As autoridades em várias cidades estão preocupadas em fazer suas acomodações para pessoas sem-teto parecerem atraentes demais, já que nenhuma cidade quer se transformar em ímã para um novo grupo de moradores de rua. "A notícia rapidamente se espalha sobre os lugares onde as condições são boas, fazendo as autoridades locais se preocuparem com a chegada de muitos sem-teto à cidade", diz um assistente-social que prefere permanecer anônimo.
A notícia também se espalhou de que os fundos estão ficando mais escassos agora que mais necessitados estão chegando do Leste Europeu. "Eles não têm facilitado as coisas", diz Karl-Heinz, que está sentado no abrigo Gulliver para moradores de rua, sob uma ponte próxima da estação central de Colônia, ao lado de dois outros homens, chamados Rolf e Dick. O abrigo oferece chuveiros por 0,50 euro e tomadas para carregar celulares gratuitamente. Rolf diz que está ficando cada vez mais difícil encontrar um lugar, apesar desse não ser o maior problema para ele e seus amigos. "Nós ganhamos menos dinheiro mendigando porque eles estão aqui", diz Dick, referindo-se aos moradores de rua do exterior, "e não encontramos mais garrafas retornáveis, porque eles também saem à procura delas".
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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