Argentina congelada
Governo de Cristina Kirchner insiste na receita desestabilizadora de medidas dramáticas e autoritárias para controlar a inflação
FSP
A quase sempre convulsionada Argentina exibe desempenho econômico superior ao de países maiores da América Latina, com exceção do Chile. Nos 20 anos de 1992 a 2011, sua renda per capita cresceu a 3,7% ao ano, contra 3,9% no Chile, mas ao dobro do ritmo brasileiro e ao triplo do mexicano.
O tumulto argentino, seus colapsos dramáticos e recuperações vertiginosas suscitam desacordos apaixonados entre comentaristas, polêmica revivida outra vez agora, com o "modelo Kirchner" a apresentar sinais de fadiga extrema.
O governo de Cristina Kirchner arrancou de setores do varejo o compromisso de congelar preços ao menos até maio. Na semana que passou, Kirchner impôs um teto aos preços dos combustíveis. Segundo medidas extraoficiais, a inflação anual ronda 25%; segundo o governo, seria menos de 11%.
Desde 2007, quando o governo interveio no instituto estatal de estatísticas, o índice de preços calculado por instituições particulares sempre supera o oficial. O governo tem reprimido até a divulgação de cálculos privados de inflação.
O congelamento é motivado pela proximidade das eleições parlamentares de outubro. Mas a lista de intervenções estatais é longa.
O governo impôs severos controles cambiais, procurando limitar a compra e a remessa de dólares para o exterior, tradicional recurso de defesa argentino contra crises. Sinal da tensão econômica, a diferença entre a cotação oficial do dólar e a paralela chegou a 40%.
O governo ainda regula importações e exportações, toma medidas protecionistas drásticas (que muito afetam o Brasil, aliás), manipula fundos públicos e ameaça empresas. Se não bastasse, uma disputa com credores na Justiça americana pode redundar em junho em nova declaração de default (inadimplência) do governo.
Por mais que Néstor e Cristina Kirchner tenham tido mérito de retirar a Argentina de uma grande depressão, a insistência em lidar com problemas de fundo com medidas extraordinárias tornou-se contraproducente.
Os sintomas da crise são a inflação, a volta do deficit público e a queda das reservas internacionais. Sinais evidentes da síndrome de poupança e investimento escassos, de um modelo de crescimento ora insustentável.
O desempenho argentino nas últimas décadas indica que o país tem potencial de recuperação, desde que o governo normalize fundamentos econômicos, faça um acordo de paz com o mercado e deixe de recorrer a remendos que apenas adiam de forma perigosa o inevitável ajuste. Receita, aliás, que muito bem faria o governo brasileiro em adotar.
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