domingo, 14 de abril de 2013

Haitianos revivem no Acre a miséria de um país
Cerca de1,3 mil refugiados vivem em situação precária e disputam a escassa comida
Pablo Pereira - OESP

A disputa no braço por uma quentinha no começo das tardes de quinta e sexta-feira dentro de um galpão na periferia de Brasileia, no Acre, era o reflexo de uma tragédia humanitária que começou em janeiro de 2010 no Haiti e chegou ao Brasil com força dias atrás pela fronteira com o Peru. Passados três anos do terremoto que devastou o país caribenho, 1,3 mil refugiados haitianos lotam um acampamento, passam horas deitados em colchões, sobre placas de papelão, à espera de uma autorização para ingressar oficialmente no território brasileiro. A esse contingente somaram-se nos últimos dias 69 senegaleses, dois nigerianos e até um indiano.
"Perdemos o controle da situação", admitiu no final da tarde calorenta de sexta-feira o secretário de Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão. Diante do aumento no volume de imigrantes nos últimos 25 dias, o local que abrigava 250 pessoas recebeu pelo menos mais mil viajantes. Só entre quinta e sexta-feira, 50 pessoas desembarcaram de táxis e ônibus com suas malas e a esperança de carimbar documentos que lhes permitam viver legalmente no Brasil.
Vendo que a situação se agravara, o governador do Acre, Tião Viana (PT), decretou situação de emergência humanitária na quarta-feira para atrair atenção de órgãos federais de apoio. Assessores de Viana afirmam que o Itamaraty vem ignorando a situação dos haitianos e deixando para o Estado a administração do problema migratório.
A iniciativa do governador deu resultado. Uma força-tarefa da burocracia federal, composta por diversos ministérios e órgãos federais, baixou em Brasileia na tarde de sexta-feira para tentar aliviar a pressão no município, que possui cerca de 25 mil habitantes.
Enquanto as autoridades brasileiras se envolvem em uma retórica burocrática, os imigrantes sofrem com as precárias condições do alojamento de Brasileia. O principal problema é o tempo de demora para a concessão dos papéis necessários para que oficializem sua condição de refugiados. A delegacia da Polícia Federal existente em Epitaciolândia - cidade vizinha, de 15 mil habitantes - estava preparada para atender 30 pessoas por dia nos últimos meses. Com a avalanche de pedidos e o decreto de emergência, tenta agora acelerar os processos com o reforço de funcionários da Receita Federal, responsável pela concessão de CPFs. A promessa é emitir uma centena de documentos e aliviar a pressão em um mês, permitindo aos imigrantes a obtenção de documentos para a posterior retirada da carteira de trabalho especial, em Rio Branco. Sem a documentação, empresas interessadas em contratar os haitianos não conseguem completar a seleção dos trabalhadores.
Emprego. "As companhias chegam para buscar gente mas ainda não temos os documentos na mão", disse Jonathan Philisten, de 40 anos, que deixou quatro filhos em Porto Príncipe para se aventurar pelo Brasil. Falando em espanhol, o haitiano contou que deixou seu país porque queria ir "para qualquer lugar onde tenha trabalho". Ao lado dele, Elias Ribas, 24 anos, da República Dominicana, apontava para a mulher, Julissa, da mesma idade. "Ela está grávida de cinco meses", ressaltou. "Queremos ir para Rio." Cozinheiro, ele acredita que pode encontrar trabalho para recomeçar a vida longe da terra natal. Seguindo a onda dos haitianos, Ribas reclamou da falta de água no reservatório, instalado ao lado do galpão - que às 14h de sexta-feira estava seco. Pouco depois, uma camionete chegou com galões de 20 litros de água, vendidos ao governo por R$ 4,50 e fornecidos todos os dias por um posto de combustível da região.
O indiano Abdul Hoqui enfrentava ainda com esperança a rotina de espera. "Estou aqui há um mês e três dias", disse. Apesar da dura realidade, o nigeriano Sunday Gbesinmi Ebietomere, de 41 anos, ex-funcionário de um aeroporto de seu país, considera o Brasil a esperança para uma vida nova.
É o que deseja também o haitiano Servil Compere, de 26 anos, que chegou no último dia 5 em busca de um irmão que já trabalha em Santa Catarina. Para ele, um emprego significa um recomeço sonhado há meses. Servil contou que foi salva-vidas em Porto Príncipe, antes do terremoto. Encostado em uma árvore, olhava o tumulto da distribuição de comida. "Eu trabalhava na Defesa Civil", dizia, enquanto exibia uma carta de recomendação, escrita em espanhol, atestando suas habilidades e com o número do passaporte. Compere espera que seus documentos sejam liberados para que possa procurar o irmão, Villaduin, que está vivendo na cidade catarinense de Porto Belo.
Depois de passar a tarde perambulando pela cidade, percorrendo a pé cerca de 3 quilômetros entre o abrigo de Brasileia e a Rua Santos Dumont, em Epitaciolândia - onde fica a Delegacia da PF - já era noite quando Jonathan Philisten recebeu uma boa notícia. Sua jornada de imigrante não documentado, morador do abrigo de refugiados, seria trocada por uma viagem de cerca de 4 mil quilômetros até a região de Maringá, no Paraná, para trabalhar em uma granja de frangos.

Imigrantes são mão de obra no Paraná
O Estado de S.Paulo
Foram quatro dias de expectativa, reuniões com autoridades e entrevistas com haitianos candidatos a emprego na empresa Frango Canção, de Indianópolis, cidade de 7 mil habitantes na região de Maringá, no Paraná. Mas o executivo Osni Manteli conseguiu. Encheu um ônibus com 47 passageiros, haitianos que deixaram Brasileia às 4 horas de sexta-feira rumo ao Sul para mudar de vida numa granja de frangos. No começo da noite de quinta-feira, depois de conversar até com o secretário de Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão, o executivo fechou sua lista de contratações com 47 nomes.
"Estou levando até três pessoas a mais do que eu esperava contratar aqui hoje", comemorava ele. Depois do quarto dia de espera por liberação de documentos dos haitianos ele finalmente se preparava para percorrer os cerca de 230 quilômetros que separam a cidade da divisa com a capital Rio Branco.
Durante todo o dia de sexta-feira ele e o pessoal recrutado passariam por mais uma etapa da burocracia exigida para os migrantes: uma carteira de trabalho especial, concedida pelo Ministério do Trabalho. Depois, a estrada rumo à vida nova. A empresa tem 6 mil trabalhadores e atualmente está em expansão, com 200 vagas a preencher.
Manteli explicou que essa é a segunda vez que ele contrata haitianos. O primeiro grupo, com dez trabalhadores, foi para o Paraná em novembro. "Dos dez que contratamos, perdemos somente um, que desistiu", contava ele ao secretário Nilson Mourão, em rápida reunião à tarde. "Se formos comparar, os trabalhadores brasileiros que nos deixam são 50%", disse ele.
Para Nilson Mourão, a iniciativa de Manteli é um alento. "Precisamos de gente como o senhor. O senhor está dando uma contribuição muito importante nesse momento de emergência para nós", afirmou o secretário no escritório improvisado montado na casa que fica diante do abrigo dos haitianos.
Com um sorriso no rosto e disposto a correr atrás da oportunidade de trabalho oferecida pela granja de frangos, Jonathan Philisten ouviu de Osni Manteli que o grupo seria hospedado em três casas alugadas pela empresa para os trabalhadores. "A renda deles está em torno de R$ 1,2 mil por mês e nós vamos garantir as despesas deles por três meses", explicava o executivo. "Depois deste prazo eles vão pagar o aluguel e serão responsáveis por suas despesas", completou. / P.P.







 

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