Manfred Ertel - Der Spiegel
Sakis Mitrolidis/AFP
Neonazistas do partido de extrema-direita Aurora Dourada realiza ato em Tessalônica, GréciaEm nenhum lugar da Europa os neonazistas e extremistas de direita estão se beneficiando tanto da crise financeira quanto em Atenas. Enquanto eles aterrorizam o país com violência, a polícia se abstém e a justiça está impotente.
O Teatro Municipal em Piraeus, na Grécia, estava banhado em uma luz sinistra, com holofotes amarelos e tochas vermelhas iluminando a fachada neoclássica do teatro, que agora servia de cenário para um espetáculo macabro: pelo menos 1.000 neonazistas e seus partidários estavam reunidos para uma marcha, e suas bandeiras vermelhas com um símbolo preto grande parecido com uma suástica erguiam-se nos degraus da frente.
O partido extremista de direita Chrysy Avgi, ou Aurora Dourada, convocou uma essa manifestação para protestar pelo incêndio no escritório local do partido –e para dar mais uma demonstração de força.
Cercado por um grupo de brutamontes musculosos, o líder do partido, Nikos Michaloliakos, 55, gritava: "Ninguém pode nos deter –nem as bombas, nem toda a sua sujeira. Nos triunfaremos!" Seus ouvintes, muitos escondidos por capuzes pretos, respondiam com um estrondoso "Zito! Zito!" A frase literalmente significa algo como "Vida longa!", mas o efeito é muito mais como "Heil!" –e isso é deliberado. Muitos também levantavam o braço direito, enquanto a polícia permanecia nas laterais. Os extremistas de direita então pegaram suas tochas e marcharam pelo centro desta cidade portuária. Estrangeiros e jovens vestidos com roupas alternativas fugiam das ruas antes que chegassem. Havia cheiro de perigo no ar.
Agressores de direita vêm espalhando medo e terror na Grécia por meses. Quanto pior a crise financeira e quanto mais duros os cortes orçamentários impostos pelos credores europeus, pior o terror nas ruas. Estrangeiros foram atacados, homossexuais caçados e esquerdistas assaltados. Alguns foram espancados até a morte. Há partes de Atenas nas quais refugiados e membros das minorias não ousam mais sair à noite, e as ruas estão ecoando de tão vazias. Comerciantes estrangeiros preferiram fechar as portas, enquanto jornalistas e políticos que criticam esses desdobramentos são ameaçados ou atacados.
O jornal "Ta nea", descreveu as condições como similares às da Alemanha de Weimar. Vassiliki Georgiadou, professor de ciências políticas em Atenas, também chama a situação de um "ambiente como os anos 30 na Alemanha, contra os judeus e suas empresas".
Nas eleições parlamentares de outubro de 2009, o Aurora Dourada teve apenas 0,29% dos votos. Mas nas eleições em maio do ano passado e nas novas eleições subsequentes em junho, o partido extremista de direita subitamente obteve quase 7% dos votos, assegurando 18 assentos no Parlamento do país.
As pesquisas agora mostram o partido com 10 a 12% de apoio dos eleitores. Junto com outros grupos nacionalistas de direita, isso deixa o bloco nacionalista com cerca de 20%. E agora esses extremistas estão praticando o que antes apenas pregavam.
Violência nas ruas
Em 2005, o jornal mensal francês "Le Monde Diplomatique" publicou que o líder do partido, Michaloliakos, havia advertido: "Quando formos fortes, não teremos piedade. Não seremos democráticos".Na época, as declarações de Michaloliakos foram ridicularizadas, mas agora o partido e seus seguidores estão provando a seriedade de suas ameaças nas ruas de Atenas. Em alguns bairros do centro da cidade onde moram muitos refugiados, pequenos bandos de extremistas que se dizem "stormtroopers"-em uma alusão à organização paramilitar nazista Sturmabteilung (SA), mais conhecida como "camisas marrons" - passaram a patrulhar as ruas a pé ou de motocicleta, atacando estrangeiros e esquerdistas a tal ponto que muitos precisam ser hospitalizados. Eles usam porretes, tacos de beisebol, facas e, em alguns casos, até armas de fogo.
Organizações de direitos humanos registraram centenas desse tipo de ataques, e a lista está crescendo diariamente. Os ataques são "sistemáticos e organizados" em sua execução e "têm motivação inquestionavelmente racial" foi a conclusão alcançada no final do verão passado por 19 organizações de assistência trabalhando ao lado do Alto Comissariado para Refugiados da ONU. Desde então, a situação só piorou.
Muitas vítimas dessa violência nem buscam mais a polícia, que parece simpatizar com os extremistas. Nos locais de votação especificamente designados para a polícia, o Aurora Dourada recebeu até 23,7% dos votos.
As vítimas dos ataques contam como os policiais estavam mais interessados em verificar seus vistos de residência do que em encontrar os perpetradores –ou simplesmente as mandaram embora. Testemunhas também relatam incidentes de colaboração aberta. Um exemplo ocorreu em outubro na frente do Teatro Hytirio, em Atenas, depois que três membros do Parlamento representando o Aurora Dourada lideraram uma gangue para impedir uma peça que estava sendo apresentada. Quando Christos Pappas, um dos parlamentares, entrou no ônibus da polícia para soltar um dos homens presos, os policiais nada fizeram.
"A polícia não é mais uma organização independente", diz Dimitris Kyriazidis, membro do Parlamento da ND (Nova Democracia), partido governante conservador. Kyriazidis foi policial e fundador de um sindicato de policiais. Ele critica o fracasso do governo em processar criminalmente os casos como "falha da democracia".
Oficialmente, o Aurora Dourada nega qualquer participação ou responsabilidade pelos incidentes. Mas, na maior parte dos casos, seus membros são encontrados no meio das atividades. Na cidade portuária de Rafina, por exemplo, os parlamentares do Aurora Dourada chefiaram os grupos que varreram os mercados locais, batendo nos comerciantes estrangeiros e destruindo suas bancas.
Mais tarde, o parlamentar neonazista Georgis Germenis descreveu o evento como "um passeio", acrescentando, "depois, fizemos o que o Aurora Dourada precisa fazer". Um colega do partido, Kostas Barbarousis, vangloriou-se: "Restauramos a ordem".
Além disso, tem o porta-voz do partido, Ilias Kasidiaris, principal ideólogo do Aurora Dourada, que deu um tapa em um membro comunista do Parlamento na frente das câmeras em um programa de televisão e jogou um copo de água na cara de um político de esquerda.
No verão passado, quando a polícia grega confrontou uma gangue de motocicleta do Aurora Dourada, vestida de preto, que tinha acabado de espancar tanto vários estrangeiros que terminaram no hospital, a filha do líder do partido, Michaloliakos, estava entre os presos. E depois da morte por facadas de um paquistanês em Atenas, a busca pela polícia em uma casa de um suspeito revelou enormes quantidades de propaganda do Aurora Dourada. Kyriazidis, ex-presidente do sindicato da polícia e parlamentar do ND, chamou o Aurora Dourada de "gangue de assassinos".
Os extremistas são brutais e implacáveis. Eles recentemente começaram a atacar os hospitais para expulsar as enfermeiras "ilegais" e os pacientes estrangeiros. Jovens membros do grupo também estão começando a se unir nas escolas e a aterrorizar os professores.
Laços com os neonazistas alemães
Dos 18 membros do partido no Parlamento, 17 atualmente estão sendo processados para que percam sua imunidade parlamentar. As petições já foram aprovadas em pelo menos cinco esses casos. Evangelos Venizelos, líder do partido socialista do país, Pasok-- que foi vice-primeiro-ministro--, preferiria banir o partido neonazista inteiramente.Mas os líderes do Aurora Dourada não estão particularmente preocupados. Eles se sentem encorajados por sua força nas urnas e validados pelos resultados de suas táticas de intimidação. Na única conferência com a imprensa que o partido já fez, na noite das eleições parlamentares, os jornalistas e operadores de câmera receberam uma ordem: "Levantem-se! Mostrem respeito! Qualquer um que não se levantar terá de sair!" E os representantes da mídia obedeceram.
Isso tornou ainda mais impressionante quando o líder do partido, Michaloliakos, apareceu no dia 1º de fevereiro posando para os fotógrafos no Parlamento com dois supostos jornalistas – alemães, nada menos. Na realidade, os homens eram famosos neonazistas que tinham vindo à Grécia como líderes de uma delegação de cerca de 30 extremistas de direita alemães.
Esses laços com a Alemanha fizeram todo sentido, pois os ideólogos do Aurora Dourada acreditam que seguem a tradição de modelos históricos de comportamento. Nas poucas entrevistas que deu, Michaloliakos não conseguiu esconder a verdade sobre suas opiniões.
Sobre Adolf Hitler, ele diz: "Uma figura histórica, que não é julgada objetivamente". Sobre o Holocausto: "Um exagero". Sobre Auschwitz e suas câmeras de gás: "Não houve câmeras de gás; é uma mentira"
E ainda assim, os investigadores gregos estão tendo dificuldades em levar os extremistas à justiça. Nikos Ornerakis vem investigando a onda de terror de direita do país desde o dia 1º de dezembro, mas é o único promotor público trabalhando na questão e nem pode contar com um secretário para ajudá-lo. Os extremistas de esquerda, por outro lado, estão há anos sob observação de várias comissões especiais.
"É um grande problema", diz Ornerakis, que investigou 30 casos até agora, mas nenhum deles vindo da polícia. Em vez disso, todos foram "tirados dos jornais". O governo grego tem planos de estabelecer 68 delegacias no país dedicadas a combater o racismo e crimes de ódio – eventualmente.
"Até agora, porém, não há nem um precedente legal para investigar e julgar os crimes", explica o investigador, porque eles não são classificados como ofensa pelo código criminal grego. "Isso é algo que precisa ser mudado urgentemente", diz Ornerakis.
Isso e tantas outras coisas neste país, que clama ter inventado a democracia.
Traduzido do alemão por Ella Ornstein e do inglês por Deborah Weinberg
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