sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reino Unido que Thatcher deixou nos 90 é menos igualitária nos dias de hoje
M. Á. Bastenier - El Pais
Johnny Eggitt/AFP

Margaret Thatcher recebe aplausos após conferência do Partido Conservador britânico em Blackpool, Inglaterra.  Imagem de 13/10/1989 -
Margaret Thatcher recebe aplausos após conferência do Partido Conservador britânico em Blackpool, Inglaterra. Imagem de 13/10/1989 
A senhora Thatcher foi uma personagem de Dickens e seu hábitat natural só poderia ser a Inglaterra, embora mais propriamente a de meados do século 19, quando a segunda revolução industrial esvaziava os campos e enchia as cidades de bairros suburbanos, e nas "poorhouses" se alojavam crianças que puderam inspirar Oliver Twist. Entretanto, tendo nascido no primeiro terço do século passado e ocupado Downing Street entre 1979 e 1990, só uma extrema banalização da linguagem poderia transformá-la em progenitora de uma revolução - ou contrarrevolução.
A Dama de Ferro - termo cunhado por um jornalista do diário soviético "Estrela Vermelha" em 1976 - não desmontou, nem provavelmente o propôs, o Estado do bem-estar social, e sem ela teria ocorrido igualmente o advento do neoliberalismo econômico, embora a senhora tenha feito par com o presidente americano Ronald Reagan para lhe dar carta de legitimidade.
Em setembro de 1979, quando Thatcher formou seu primeiro gabinete, tinham perdido 12 milhões de jornadas de trabalho por ação sindical e a inflação estava em 17%, depois de vários anos de governo trabalhista. Ao que a filha de um quitandeiro do interior, metodista de nascimento e com convicções capazes de desafiar a razão pôs fim foi ao consenso dos chamados progressistas, de quem Harold MacMillan havia sido o último representante, e juntamente ao poder dos sindicatos. O adubo dessa operação foi o combate thatcheriano contra um sentimento generalizado de decadência, que alguém chamou de melancolia pós-colonial, provavelmente associado à liquidação dos penúltimos florões do império em 1971, com o anúncio da retirada A Leste de Suez.
Nessa conjuntura, Margaret Thatcher mostrou o que seus partidários elogiavam como "caráter" e seus adversários, "obstinação"; para "orgulho nacional" e para outros "patriotada"; e, se falarmos da privatização das ferrovias, "eficácia" ou "irresponsabilidade de classe".
Na intersecção de conceitos tão opostos, a primeira-ministra, nascida Roberts e casada com um homem de negócios, Dennis Thatcher, que sempre a apoiou em sua carreira - atrás de toda grande mulher costuma haver um homem que mantém a casa -, também inovou em questões de estilo. Não porque fosse a primeira mulher a assumir tão alto cargo político no Ocidente, já que sua condição feminina só se fazia notar pelos chapéus e bolsas que usava estoicamente, senão porque ela, ou melhor, seus assessores, fizeram novo uso do marketing político.
Foi assim que se tornou famosa pelo "U turn" - mude você -, porque, certamente, ela "não estava disposta a fazê-lo"; ou o mais histórico que pronunciou na conferência do Partido Conservador em 1980: "the lady is not for turning" - a senhora não vai retificar -, que lembrava uma obra de teatro em versos, "The Lady Is Not for Burning" - a senhora não é para queimar -, de Christopher Fry, que, embora estreada em 1948, havia sido representada em algumas ocasiões.
Mas jamais gozou do voto de uma maioria indiscutível de seus concidadãos; seu melhor resultado eleitoral foram 44% dos votos, o que no sistema britânico abrange, em todo caso, grandes maiorias parlamentares. E mesmo assim o mundo tinha que confabular para admitir seus maiores triunfos. Em março de 1981, uma cisão do trabalhismo, que formou um efêmero partido social-democrata, e sobretudo a descabelada aventura do general Galtieri, apelidado de o Patton do Plata pelos ares que se dava de general americano, que mandou a tropa tomar as Malvinas indefesas em abril de 1982, produziram, com a vitória de um exército profissional sobre soldados de reposição argentinos, valiosos créditos eleitorais.
Mas, além de como se avaliem os méritos de uma figura sempre imponente, há prestidigitações impossíveis de fazer com sua memória. Não se pode ser ao mesmo tempo thatcherista e europeísta, e menos ainda patriota espanhol. Como ouvi relatar em uma ocasião lorde Dahrendorf, o alemão transportado para o St. Antony's College de Oxford, a dama "odiava os alemães, desprezava os franceses porque não paravam de perder guerras e desconfiava dos meridionais". Aos que tiveram a ideia de dar seu nome a uma rua em Madri, seria preciso recordar que os únicos locais de Londres que lembram o espanhol - Trafalgar e Vigo - evocam vitórias britânicas.
E os fatos são tão obstinados quanto a própria dama. A Grã-Bretanha que ela legou a seus herdeiros nos anos 1990 é hoje a menos igualitária que se conhece desde a vitória trabalhista em 1945.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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