Brincando
de desmontar a ordem institucional
O Globo
Não nasceu sob um signo favorável a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
que pretende limitar os poderes do Supremo Tribunal Federal. Segundo o líder do
PT na Câmara, José Guimarães, a proposta “não é assunto do partido, e a matéria
não foi discutida na bancada”.
O presidente da Casa, deputado Henrique Alves, declarou que a decisão da
Comissão de Constituição e Justiça foi “inusitada”, e que não instalará a
comissão especial encarregada do assunto enquanto não tiver “uma definição muito
clara do que é o respeito e a harmonia dos poderes”. Sábias palavras, ecoadas
pelo vice-presidente da República, Michel Temer, para quem “houve uma demasia. A
palavra última há de ser sempre a do Poder Judiciário, especialmente em matéria
de constitucionalidade”.
Entraram, assim, em ação os bombeiros, o que é consolador, mas sem que se
desfaça totalmente o clima criado pela proposta “inusitada” da CCJ da Câmara. De
um dia para a noite, sem discussão, tira-se da cartola uma armação destinada a
tolher as ações do Supremo. Qual sua origem? Uma comissão da Câmara de que fazem
parte dois “mensaleiros” e um político que, se sair do Brasil, será preso pela
Interpol.
A PEC aprovada por unanimidade pela CCJ estabelece que, quando o STF declarar
a inconstitucionalidade de emendas à Constituição aprovadas pelo Congresso, isso
não produzirá efeito imediato. A decisão da Corte será submetida à apreciação do
Congresso. Se deputados e senadores votarem contra a decisão do STF, recorre-se
à consulta popular.
Assim, com uma penada, revoga-se o ordenamento jurídico do país, baseado na
separação dos poderes, e entra-se no terreno da “democracia popular” tão
estimada por esquemas como o chavismo e o kirchnerismo (que acaba de enfiar
goela abaixo do seu Congresso uma proposta nesses moldes).
Não é preciso muito esforço (bastando examinar a composição da CCJ) para ver
nessa proposta, que parece natimorta, mais um dos movimentos de reação ao
julgamento do “mensalão”. Quer-se, de todos os modos, castigar o Supremo por ter
cumprido o seu papel.
Um dos argumentos para isso é dizer que o Supremo vai além das suas
atribuições. Uma das peculiaridades do nosso sistema institucional é uma
Constituição detalhista, carregada de regulações que poderiam caber
perfeitamente em leis ordinárias. Enquanto essa situação perdurar, o STF estará
mesmo um pouco por toda parte, sobrecarregado de atribuições. Mas isso não lhe
retira o papel de fiel da balança no jogo dos três poderes.
Basta examinar com cuidado o julgamento do “mensalão” para verificar que ali
existiram, em doses generosas, o trabalho sério e o discernimento que parecem
estar longe do alcance da CCJ da Câmara.
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