David Crossland - Der Spiegel
Emily Wabitsch/AFP
Neonazistas marcham em uma comunidade judaica, carregando faixas e bandeiras na Alemanha
Adiar o julgamento do terrorismo neonazista é tanto uma maldição quanto uma bênção, diz a mídia alemã. Por um lado, envolve inconvenientes e estresse para os parentes das 10 vítimas. Pelo outro, deve permitir um novo processo de distribuição de autorizações para a imprensa, mais seguro, e assim minimizar as chances de recursos.
A decisão da Suprema Corte Regional de Munique de adiar o maior julgamento de neonazistas desde a Segunda Guerra Mundial devido a uma intensa controvérsia em torno da falta de assentos dedicados à mídia estrangeira foi recebida com reações mistas –os advogados das famílias das 10 vítimas do NSU (Nacional Socialista Subterrâneo), cujo único sobrevivente, Beate Zschäpe, está sendo julgado, ficaram irritados com o custo e a inconveniência que o adiamento representará para os parentes das vítimas. Passagens e reservas de hotel terão de ser canceladas, e as folgas, transferidas. Alguns agora não conseguirão mais participar do julgamento, que deve começar no dia 6 de maio, depois que a data original de 17 de abril foi cancelada.
A Corte Federal Constitucional, respondendo a uma reclamação legal de um jornal turco, determinou que a Justiça de Munique deve permitir melhor acesso a jornalistas estrangeiros, uma vez que nenhum jornal turco conseguiu lugares no tribunal. O procedimento de seleção aplicado pela corte, que seguiu a ordem de chegada dos pedidos, foi criticado até por representantes da mídia alemã, que disseram que apresentou falhas desde o início. A recusa inicial da corte de Munique em corrigir o procedimento levou a reações de revolta, porque a maior parte das vítimas do trio terrorista do NSU descendia de turcos.
A decisão da Corte Constitucional permitiu que a Justiça de Munique disponibilizasse três assentos extras para repórteres turcos, em um ajuste menor que teria permitido que o julgamento começasse na data prevista. Entretanto, o reinício do processo de autorização deixará o julgamento menos vulnerável a recursos, dizem alguns comentadores da mídia alemã. Todos concordam que a corte de Munique demonstrou intransigência e insensibilidade e não compreendeu as dimensões do julgamento – e acham aconselhável que repense sua abordagem antes do início do julgamento.
O jornal conservador "Die Welt" escreve: O adiamento "significará uma sobrecarga adicional aos parentes das vítimas. Eles haviam se preparado emocionalmente para o julgamento e agora enfrentarão desafios logísticos. Eles terão de cancelar sua programação de viagem e remarcar suas licenças no trabalho. Os parentes estão pagando o preço – inclusive literalmente- pela falta de sensibilidade demonstrada pela corte, que fracassou em reconhecer que este caso tem dimensões maiores do que a busca pela verdade e pelos culpados. Contudo, recomeçar do zero é a coisa certa a fazer em termos legais. O processo de inscrição da imprensa foi falho de formas que vão além da falta de assentos para a mídia estrangeira".
"Alguns membros da imprensa evidentemente foram notificados com mais antecedência do que outros, o que é um infração da proibição constitucional ao tratamento desigual. Então é melhor voltar ao começo, desta vez com regras transparentes e com um resultado que não poderá ser subsequentemente criticado."
"É inquestionavelmente embaraçoso e difícil para os parentes, mas não seria razoável retratar isto como um fracasso completo do sistema judiciário alemão e taxar a corte do mesmo amadorismo demonstrado pela investigação dos assassinatos do NSU desenvolvida pelas autoridades de segurança."
O jornal conservador "Frankfurter Allgemeine Zeitung" diz: "A série de assassinatos terroristas de extrema direita mais chocante que a República Federal Alemã já viu iria a julgamento na quarta-feira (17) – os crimes geraram acusações que o Estado não foi capaz de proteger os cidadãos de raízes estrangeiras e não quis investigar suas mortes. Depois do suicídio dos supostos assassinos diretamente envolvidos, havia uma esperança justificada que um julgamento público e justo poderia esclarecer a responsabilidade individual pelos crimes monstruosos."
"Mas o próprio julgamento do NSU está começando a parecer trágico. É claro que era adequado distribuir as autorizações aos membros da imprensa de acordo com a ordem de chegada dos pedidos de inscrição. Mas o processo tem que oferecer chances iguais e, sob inspeção mais cuidadosa, essa igualdade não foi garantida. Houve tempo suficiente para corrigir os erros admitidos no processo de acreditação –também com vistas à possibilidade de recursos."
"A corte poderia ter colocado alguns assentos a mais para a mídia estrangeira a tempo do julgamento ocorrer na quarta-feira, como originalmente previsto", disse o jornal.
"Agora, há riscos de uma nova batalha por assentos e mais pessoas serão afetadas. Isso vai intensificar a pressão que já é alta sobre o julgamento, em torno do qual há expectativas exageradas."
O "Berliner Zeitung", de esquerda, diz: "O fracasso das autoridades em investigar os assassinatos do NSU abalou a fé de muitos imigrantes no sistema de justiça alemão, e os preparativos para o julgamento dificilmente melhoraram as coisas. Pelo contrário, o juiz que preside o processo, Manfred Götzl, não parece ter chegado perto de entender o significado e dimensão desse julgamento".
O "Die Tageszeitung", de esquerda, escreve: "A decisão da corte foi compreensível e correta. É verdade que a decisão da Corte Constitucional na sexta-feira deu ao tribunal a flexibilidade para alocar três assentos adicionais para a mídia turca. Mas os juízes em Karlsruhe também pensaram na possibilidade de repetir todo o processo de distribuição de autorizações. Diante de todas as irregularidades que deixaram não apenas a imprensa turca em desvantagem faz sentido optar por um processo de licenciamento legalmente seguro. Nenhum lado deve poder ameaçar entrar com recurso devido a um acesso supostamente inadequado do público ao julgamento".
"Um grande contingente de assentos deve ser dedicado à mídia internacional. Três assentos de 50 seria uma solução de emergência, 20 seriam apropriados".
O "Süddeutsche Zeitung", de centro-esquerda, diz: "O adiamento é uma salvação assim como um fiasco, porque deixa claro o fracasso da corte e porque envolve maior estresse, especialmente para os parentes das vítimas. Por outro lado, entretanto, é uma salvação porque ajustes ao acaso teriam levado a um risco de novos erros. A corte está se dando um tempo para reflexão – espera-se. Refletir sobre o quê? Sobre o fato que um julgamento por um crime não é algo 'que se resolve rapidamente' –o que dizem ser um talento especial do juiz que está presidindo este caso. Não é uma questão de rigidez, e sim de sensibilidade humana e legal. O julgamento deve se aproximar ao máximo da verdade –de forma que proteja os direitos dos parentes, leve em conta o sofrimento das vítimas e cumpra a lei."
Tradutor: Deborah Weinberg
Neonazistas marcham em uma comunidade judaica, carregando faixas e bandeiras na Alemanha
Adiar o julgamento do terrorismo neonazista é tanto uma maldição quanto uma bênção, diz a mídia alemã. Por um lado, envolve inconvenientes e estresse para os parentes das 10 vítimas. Pelo outro, deve permitir um novo processo de distribuição de autorizações para a imprensa, mais seguro, e assim minimizar as chances de recursos.
A decisão da Suprema Corte Regional de Munique de adiar o maior julgamento de neonazistas desde a Segunda Guerra Mundial devido a uma intensa controvérsia em torno da falta de assentos dedicados à mídia estrangeira foi recebida com reações mistas –os advogados das famílias das 10 vítimas do NSU (Nacional Socialista Subterrâneo), cujo único sobrevivente, Beate Zschäpe, está sendo julgado, ficaram irritados com o custo e a inconveniência que o adiamento representará para os parentes das vítimas. Passagens e reservas de hotel terão de ser canceladas, e as folgas, transferidas. Alguns agora não conseguirão mais participar do julgamento, que deve começar no dia 6 de maio, depois que a data original de 17 de abril foi cancelada.
A Corte Federal Constitucional, respondendo a uma reclamação legal de um jornal turco, determinou que a Justiça de Munique deve permitir melhor acesso a jornalistas estrangeiros, uma vez que nenhum jornal turco conseguiu lugares no tribunal. O procedimento de seleção aplicado pela corte, que seguiu a ordem de chegada dos pedidos, foi criticado até por representantes da mídia alemã, que disseram que apresentou falhas desde o início. A recusa inicial da corte de Munique em corrigir o procedimento levou a reações de revolta, porque a maior parte das vítimas do trio terrorista do NSU descendia de turcos.
A decisão da Corte Constitucional permitiu que a Justiça de Munique disponibilizasse três assentos extras para repórteres turcos, em um ajuste menor que teria permitido que o julgamento começasse na data prevista. Entretanto, o reinício do processo de autorização deixará o julgamento menos vulnerável a recursos, dizem alguns comentadores da mídia alemã. Todos concordam que a corte de Munique demonstrou intransigência e insensibilidade e não compreendeu as dimensões do julgamento – e acham aconselhável que repense sua abordagem antes do início do julgamento.
O jornal conservador "Die Welt" escreve: O adiamento "significará uma sobrecarga adicional aos parentes das vítimas. Eles haviam se preparado emocionalmente para o julgamento e agora enfrentarão desafios logísticos. Eles terão de cancelar sua programação de viagem e remarcar suas licenças no trabalho. Os parentes estão pagando o preço – inclusive literalmente- pela falta de sensibilidade demonstrada pela corte, que fracassou em reconhecer que este caso tem dimensões maiores do que a busca pela verdade e pelos culpados. Contudo, recomeçar do zero é a coisa certa a fazer em termos legais. O processo de inscrição da imprensa foi falho de formas que vão além da falta de assentos para a mídia estrangeira".
"Alguns membros da imprensa evidentemente foram notificados com mais antecedência do que outros, o que é um infração da proibição constitucional ao tratamento desigual. Então é melhor voltar ao começo, desta vez com regras transparentes e com um resultado que não poderá ser subsequentemente criticado."
"É inquestionavelmente embaraçoso e difícil para os parentes, mas não seria razoável retratar isto como um fracasso completo do sistema judiciário alemão e taxar a corte do mesmo amadorismo demonstrado pela investigação dos assassinatos do NSU desenvolvida pelas autoridades de segurança."
O jornal conservador "Frankfurter Allgemeine Zeitung" diz: "A série de assassinatos terroristas de extrema direita mais chocante que a República Federal Alemã já viu iria a julgamento na quarta-feira (17) – os crimes geraram acusações que o Estado não foi capaz de proteger os cidadãos de raízes estrangeiras e não quis investigar suas mortes. Depois do suicídio dos supostos assassinos diretamente envolvidos, havia uma esperança justificada que um julgamento público e justo poderia esclarecer a responsabilidade individual pelos crimes monstruosos."
"Mas o próprio julgamento do NSU está começando a parecer trágico. É claro que era adequado distribuir as autorizações aos membros da imprensa de acordo com a ordem de chegada dos pedidos de inscrição. Mas o processo tem que oferecer chances iguais e, sob inspeção mais cuidadosa, essa igualdade não foi garantida. Houve tempo suficiente para corrigir os erros admitidos no processo de acreditação –também com vistas à possibilidade de recursos."
"A corte poderia ter colocado alguns assentos a mais para a mídia estrangeira a tempo do julgamento ocorrer na quarta-feira, como originalmente previsto", disse o jornal.
"Agora, há riscos de uma nova batalha por assentos e mais pessoas serão afetadas. Isso vai intensificar a pressão que já é alta sobre o julgamento, em torno do qual há expectativas exageradas."
O "Berliner Zeitung", de esquerda, diz: "O fracasso das autoridades em investigar os assassinatos do NSU abalou a fé de muitos imigrantes no sistema de justiça alemão, e os preparativos para o julgamento dificilmente melhoraram as coisas. Pelo contrário, o juiz que preside o processo, Manfred Götzl, não parece ter chegado perto de entender o significado e dimensão desse julgamento".
O "Die Tageszeitung", de esquerda, escreve: "A decisão da corte foi compreensível e correta. É verdade que a decisão da Corte Constitucional na sexta-feira deu ao tribunal a flexibilidade para alocar três assentos adicionais para a mídia turca. Mas os juízes em Karlsruhe também pensaram na possibilidade de repetir todo o processo de distribuição de autorizações. Diante de todas as irregularidades que deixaram não apenas a imprensa turca em desvantagem faz sentido optar por um processo de licenciamento legalmente seguro. Nenhum lado deve poder ameaçar entrar com recurso devido a um acesso supostamente inadequado do público ao julgamento".
"Um grande contingente de assentos deve ser dedicado à mídia internacional. Três assentos de 50 seria uma solução de emergência, 20 seriam apropriados".
O "Süddeutsche Zeitung", de centro-esquerda, diz: "O adiamento é uma salvação assim como um fiasco, porque deixa claro o fracasso da corte e porque envolve maior estresse, especialmente para os parentes das vítimas. Por outro lado, entretanto, é uma salvação porque ajustes ao acaso teriam levado a um risco de novos erros. A corte está se dando um tempo para reflexão – espera-se. Refletir sobre o quê? Sobre o fato que um julgamento por um crime não é algo 'que se resolve rapidamente' –o que dizem ser um talento especial do juiz que está presidindo este caso. Não é uma questão de rigidez, e sim de sensibilidade humana e legal. O julgamento deve se aproximar ao máximo da verdade –de forma que proteja os direitos dos parentes, leve em conta o sofrimento das vítimas e cumpra a lei."
Tradutor: Deborah Weinberg
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