segunda-feira, 15 de abril de 2013

Classe média invade chalés na Espanha
Sem ter como pagar aluguel, famílias ocupam propriedades que não foram vendidas também por causa da crise
Invasores dizem querer negociar aluguel com quem construiu; país tem mais de 3 milhões de imóveis vazios
MARÍA MARTÍN - FSP
O pintor Carlos Antonio Leite, 33, acaba de inaugurar uma casa em Valdemoro, um povoado a 30 km do centro de Madri. É um chalé de 200 m², três andares, garagem, jardim e pátio avaliado em R$ 800 mil.
É o sonho de muitas famílias. Seria uma casa perfeita para morar com a mulher e os dois filhos, de quatro e nove anos --não fosse o fato de não ser dele e ainda não ter água nem luz.
Leite já não pode pagar seu aluguel e resolveu ocupar uma casa alheia. Junto com ele, chegaram outras 50 famílias, quatro delas brasileiras, que perderam suas casas e transformaram em lar meia centena de chalés como o de Leite.
Finalizados em 2008, quando estourou a crise na Espanha, apenas três deles foram vendidos. O resto ficou abandonado, pichado e foi alvo de ladrões que levaram até as torneiras. Os próprios vizinhos legítimos ajudaram as famílias a entrarem pela garagem.
"Eu trabalho, mas as coisas não estão bem. Quando vim para cá, há oito anos, ganhava € 2.000 por mês (R$ 5.200), mas agora não chego aos € 800 (R$ 2.000)", justifica Leite, que pagava um aluguel de € 500.
Antes da crise, os invasores de casas abandonadas eram jovens anarquistas. Neste último ano, com quase 6 milhões de desempregados, famílias até agora consideradas de classe média também começaram a ocupar.
Entre 2001 e 2011, a Espanha tornou-se líder na construção de moradias na Europa, erguendo quase 5 milhões de casas no período --um crescimento de 24%. Com a chegada da crise e a restrição do financiamento, porém, muitas nunca foram compradas, e outras nem sequer concluídas.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o país tem atualmente mais de 3 milhões de imóveis vazios.
O mecânico brasileiro Roberto, 50, é outro que ocupou um chalé com a família.
"Há um ano que estou sem emprego, sobrevivo de bicos e o salário de cozinheira da minha mulher é de só € 700. Pagando € 600 de aluguel, imagine o que a gente come?", conta Roberto, que não quis se identificar por esconder, há meses, sua situação da família no Brasil.
"Entrei porque estava aberto e abandonado, consertei tudo devagar. Não quero morar de graça; quero negociar com o proprietário para pagar um aluguel social", diz Roberto.
Procurado pela Folha, o responsável pela construção dos chalés não respondeu. Jornais espanhóis, contudo, dizem que ele estaria disposto a negociar um aluguel com os novos inquilinos. O que não se sabe é se o proprietário denunciará as famílias.
Como no Brasil, os invasores só podem ser despejados por ordem de um juiz. A saída depende de um processo judicial que pode demorar até dois anos.

Suicídios levam lei hipotecária ao centro do debate
MM - FSP
O caso dos chalés de Valdemoro ilustra a situação de muitas famílias na Espanha.
Na porta de um dos chalés, Ana, garçonete desempregada, conta: "Compramos apartamento em 2007 [por R$ 500 mil]. Conseguimos pagar por três anos hipoteca de € 890 (R$ 2.300) por mês, mas depois subiu para € 1.250 (R$ 3.200) e ficou impossível de assumir."
Na Espanha, quem não consegue pagar a hipoteca deve entregar a casa ao banco para saldar seu débito. Mas, na maioria dos casos, a dívida é altíssima --o valor da casa quando comprada é bem maior que o atual.
O casal Lúcia e Felipe tentou negociar, sem sucesso: "O banco leiloou e ninguém comprou. Ficamos sem casa e com dívida". "Não pode haver casa sem gente e gente sem casa", diz Rafael Mayoral, advogado da Plataforma Afetados pela Hipoteca.
Só depois de casos de suicídio a questão dos 500 despejos executados por dia em 2012 passou à linha de frente midiática e política. A PAH obteve 1,5 milhão de assinaturas para propor no Congresso a mudança da lei hipotecária, que muitos veem como abusiva.

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