Sven Böll - Der Spiegel
Um novo partido de protesto alemão está propondo a gradual reintrodução das moedas nacionais de países altamente endividados da zona do euro. Embora o porta-voz do partido insista que a ideia é capaz de resolver os problemas de todo mundo, ela tem um grande problema: os economistas concordam que ela não vai funcionar.
Bernd Lucke, porta-voz do recém-criado partido Alternativa para a Alemanha, não é um professor de economia comum. Dar as respostas mais complicadas para as perguntas mais simples costuma ser uma das marcas registradas de sua profissão. Mas o economista de Hamburgo adota uma abordagem exatamente oposta. Ele tem uma solução simples até mesmo para o problema mais complicado do momento.
Lucke e seu bando de seguidores acreditam que a crise do euro pode ser resolvida se os países do Sul da Europa saírem da união monetária - não como um big bang, mas lenta e calmamente. O professor quer ver esses países ejetados da união monetária de forma civilizada, de modo que sua retirada ocorra tão suave e harmoniosamente quanto a saída de um integrante do coral da escola.
E qual é a cura milagrosa de Lucke para uma ruptura sem efeitos colaterais? Ele propõe que os países do Sul da Europa introduzam moedas paralelas – ou seja, que ressuscitem o dracma, a peseta, o escudo e a lira, ao lado do euro. Os bancos centrais desses países então atrelariam essas moedas ao euro a taxas fixas. O professor essencialmente quer combinar o melhor dos dois mundos, permitindo que a Grécia, Espanha, Portugal e Itália permaneçam conectadas à zona do euro e ainda recebam suas próprias moedas. Isso lhes permitiria desvalorizar suas moedas e ainda ter uma forma calculável de pagamento à sua disposição. Ao mesmo tempo, defende Lucke, isso reduzirá o custo de seus produtos nos mercados mundiais, sem que os seus títulos percam valor da noite para o dia.
É um remédio com o qual o professor e porta-voz do partido quer evitar o cenário de horror que a maioria dos economistas associam a um rompimento repentino da zona do euro: falências bancárias, colapsos financeiros e demissões em massa. Em outras palavras, uma crise financeira e econômica que muitos acreditam que poderia superar facilmente as consequências catastróficas da falência do Lehman Brothers. Mas moedas paralelas forem introduzidas, sugere Lucke, os riscos podem ser reduzidos. A retirada do euro seria feita "de forma ordenada e certamente cautelosa", e poderia ser revertida após alguns anos com o retorno total à união monetária.
O plano que Lucke defende é certamente atraente, mas tem uma desvantagem: ele não funciona. "A moeda paralela é a pior maneira concebível para resolver a crise do euro", diz Peter Bofinger, membro do Conselho Alemão de Especialistas em Economia, que aconselha o governo. E Clemens Fuest, chefe do Centro para Pesquisa Econômica Europeia (ZEW), vê "desvantagens consideráveis" no conceito.
Ao mesmo tempo, os bancos centrais teriam de se comprometer a desvalorizar gradualmente os novos dracmas, escudos, pesetas e liras em relação ao euro. Isto faria com que os bens produzidos pelos países em crise ficassem mais baratos e portanto mais atraentes nos mercados globais. Lucke espera que isso leve a um aumento das exportações e a um novo boom econômico.
Esta pode ser sua intenção, mas não vai acontecer. "Lucke age como você se houvesse a possibilidade de ficar meio grávida", diz Bofinger. Os cidadãos do sul da Europa sabem muito bem que uma desvalorização gradual está longe de ser o suficiente para fazer suas economias domésticas competitiva novamente. O verdadeiro valor da dracma ou do escudo é muitas vezes menor do que o do euro. Assim, o que poderia acontecer é o que sempre acontece quando duas moedas diferentes, com valores estáveis circulam numa economia: as pessoas vão tentar trocar suas divisas nacionais por euros o mais rápido possível, ou vão simplesmente transferir suas economias para o exterior. Em vez de estimular a economia, o novo regime monetário poderia muito bem provocar uma expansão da economia paralela.
Como resultado, ocorreria o oposto do que Lucke e seus colegas críticos da zona do euro querem alcançar. Em vez de mais certeza, a suposta cura milagrosa só criaria mais incerteza. As pessoas teriam de manter duas contas, e ninguém poderia prever o valor de seu dinheiro no dia seguinte. As consequências seriam fatais.
A principal razão pela qual o dinheiro foi bem-sucedido como uma forma de pagamento é que ele torna a compra e venda de bens e serviços calculáveis. Mas, se metade da fatura de cada comerciante tiver de ser paga numa moeda volátil no futuro, este benefício logo se perderia. "Um sistema monetário que ninguém entende está fadado ao fracasso", diz Fuest, presidente do ZEW. "Quando duas moedas competem num país, a mais fraca sempre fica para trás."
Quer se trate de dólares ou marcos alemães, a moeda forte sempre prevaleceu sobre a moeda fraca. Os cidadãos dos Bálcãs e da América Latina estavam apenas seguindo uma regra econômica: moedas estáveis são preferidas para poupar, enquanto as fracas são gastas o mais rápido possível – ou simplesmente trocadas.
Não se deve assumir que os gregos, italianos, espanhóis e portugueses ficarão satisfeitos quando suas antigas moedas, viciadas em inflação, retornarem, especialmente uma vez que o dracma e outras moedas nacionais têm uma desvantagem psicológica: elas são imediatamente estigmatizadas como moedas da pobreza. Parte do propósito da proposta de Lucke é reduzir os custos trabalhistas no sul da Europa. Se implementada, isso significaria que alguém na Grécia que recebia 2.000 euros por mês no passado, teria que se virar com mil euros e mil dracmas no futuro – e aceitar a desvalorização do dracma.
Mas isso também exacerba os desequilíbrios sociais. Aqueles que conseguirem transferir seus ativos em euros para o exterior em tempo serão poupados da desvalorização da moeda flexível. Mas aqueles que recebem metade de sua renda em dracmas serão feitos de tolos. Isso só poderia ser evitado com rigorosos controles de capital, que dificilmente poderiam ser permanentemente aplicados na União Europeia.
E mesmo que todos os cidadãos se comportem na prática da forma que Lucke imagina, os bancos do sul da Europa estariam ameaçados por cancelamentos substanciais de dívidas, talvez até mesmo pela falência. Porque os saldos das contas de seus clientes, bem como as suas dívidas com clientes estrangeiros, ainda seriam denominadas em euros, enquanto metade das quantias recebíveis no país consistiria de uma moeda em desvalorização, os bancos rapidamente veriam grandes buracos se desenvolvendo em seus balanços. Os euros ficariam de um lado, enquanto metade do outro lado poderia ser de dracmas ou escudos. Até mesmo os credores mais estáveis logo se veriam oprimidos por este princípio contábil.
Estados acabariam com dívidas maiores
Os governos do sul europeu também seriam duramente atingidos. Enquanto o tesouro nacional de Atenas, Roma, Madri e Lisboa têm grandes dívidas em euro no exterior, metade de suas receitas fiscais futuras consistiria ou dracmas ou escudos, que gradualmente perderiam valor. Empresas que emprestaram dinheiro de credores estrangeiros, como o Deutsche Bank ou o Commerzbank, enfrentariam os mesmos problemas.
O fracasso previsível dos bancos, empresas e governos do sul da Europa afetaria a indústria financeira mundial, mas especialmente na Alemanha. Reivindicações dos credores alemães contra mutuários da Península Ibérica, Itália e Grécia chegam a mais de 200 bilhões de euros. Uma parte considerável desse dinheiro provavelmente seria perdido.
No final, isso mostra que as consequências do conceito de moeda paralela de Lucke são comparáveis aos da saída da união monetária, tanto para os próprios países quanto para os outros membros da zona do euro. Só com uma sorte grande essas consequências poderiam ser pelo menos um pouco atenuadas.
Até Lucke provavelmente percebe que sua proposta não resolveria realmente os atuais problemas. No que diz respeito aos efeitos colaterais de sua receita, ele responde com uma ressalva típica: "Não é preciso dizer", escreve ele, "que a transição para uma segunda moeda nacional implica uma série de problemas técnicos."
Traduzido do alemão por Christopher Sultan e do inglês por Eloise De Vylder
Bernd Lucke, porta-voz do recém-criado partido Alternativa para a Alemanha, não é um professor de economia comum. Dar as respostas mais complicadas para as perguntas mais simples costuma ser uma das marcas registradas de sua profissão. Mas o economista de Hamburgo adota uma abordagem exatamente oposta. Ele tem uma solução simples até mesmo para o problema mais complicado do momento.
Lucke e seu bando de seguidores acreditam que a crise do euro pode ser resolvida se os países do Sul da Europa saírem da união monetária - não como um big bang, mas lenta e calmamente. O professor quer ver esses países ejetados da união monetária de forma civilizada, de modo que sua retirada ocorra tão suave e harmoniosamente quanto a saída de um integrante do coral da escola.
E qual é a cura milagrosa de Lucke para uma ruptura sem efeitos colaterais? Ele propõe que os países do Sul da Europa introduzam moedas paralelas – ou seja, que ressuscitem o dracma, a peseta, o escudo e a lira, ao lado do euro. Os bancos centrais desses países então atrelariam essas moedas ao euro a taxas fixas. O professor essencialmente quer combinar o melhor dos dois mundos, permitindo que a Grécia, Espanha, Portugal e Itália permaneçam conectadas à zona do euro e ainda recebam suas próprias moedas. Isso lhes permitiria desvalorizar suas moedas e ainda ter uma forma calculável de pagamento à sua disposição. Ao mesmo tempo, defende Lucke, isso reduzirá o custo de seus produtos nos mercados mundiais, sem que os seus títulos percam valor da noite para o dia.
É um remédio com o qual o professor e porta-voz do partido quer evitar o cenário de horror que a maioria dos economistas associam a um rompimento repentino da zona do euro: falências bancárias, colapsos financeiros e demissões em massa. Em outras palavras, uma crise financeira e econômica que muitos acreditam que poderia superar facilmente as consequências catastróficas da falência do Lehman Brothers. Mas moedas paralelas forem introduzidas, sugere Lucke, os riscos podem ser reduzidos. A retirada do euro seria feita "de forma ordenada e certamente cautelosa", e poderia ser revertida após alguns anos com o retorno total à união monetária.
O plano que Lucke defende é certamente atraente, mas tem uma desvantagem: ele não funciona. "A moeda paralela é a pior maneira concebível para resolver a crise do euro", diz Peter Bofinger, membro do Conselho Alemão de Especialistas em Economia, que aconselha o governo. E Clemens Fuest, chefe do Centro para Pesquisa Econômica Europeia (ZEW), vê "desvantagens consideráveis" no conceito.
É impossível ficar "meio grávida"
Para começar, o plano de Lucke é extremamente confuso. Para garantir que ambas as moedas podem coexistir de forma ordenada, o plano prevê o uso de euros apenas para pagamentos em dinheiro. Metade de todas as transferências bancárias, no entanto, seriam feitas nas novas moedas. Isto significa que um comerciante grego que cobra 100 euros por seus serviços receberia 50 euros e 50 dracmas no futuro. Todos os acordos de crédito nacionais também seriam divididos entre as moedas paralelas no futuro. Só os saldos bancários existentes dos cidadãos provavelmente ficariam isentos da conversão, e todas as relações de empréstimo transnacionais continuariam sendo acertadas em euros.Ao mesmo tempo, os bancos centrais teriam de se comprometer a desvalorizar gradualmente os novos dracmas, escudos, pesetas e liras em relação ao euro. Isto faria com que os bens produzidos pelos países em crise ficassem mais baratos e portanto mais atraentes nos mercados globais. Lucke espera que isso leve a um aumento das exportações e a um novo boom econômico.
Esta pode ser sua intenção, mas não vai acontecer. "Lucke age como você se houvesse a possibilidade de ficar meio grávida", diz Bofinger. Os cidadãos do sul da Europa sabem muito bem que uma desvalorização gradual está longe de ser o suficiente para fazer suas economias domésticas competitiva novamente. O verdadeiro valor da dracma ou do escudo é muitas vezes menor do que o do euro. Assim, o que poderia acontecer é o que sempre acontece quando duas moedas diferentes, com valores estáveis circulam numa economia: as pessoas vão tentar trocar suas divisas nacionais por euros o mais rápido possível, ou vão simplesmente transferir suas economias para o exterior. Em vez de estimular a economia, o novo regime monetário poderia muito bem provocar uma expansão da economia paralela.
Como resultado, ocorreria o oposto do que Lucke e seus colegas críticos da zona do euro querem alcançar. Em vez de mais certeza, a suposta cura milagrosa só criaria mais incerteza. As pessoas teriam de manter duas contas, e ninguém poderia prever o valor de seu dinheiro no dia seguinte. As consequências seriam fatais.
A principal razão pela qual o dinheiro foi bem-sucedido como uma forma de pagamento é que ele torna a compra e venda de bens e serviços calculáveis. Mas, se metade da fatura de cada comerciante tiver de ser paga numa moeda volátil no futuro, este benefício logo se perderia. "Um sistema monetário que ninguém entende está fadado ao fracasso", diz Fuest, presidente do ZEW. "Quando duas moedas competem num país, a mais fraca sempre fica para trás."
Meio a meio só em teoria
Isto também é corroborado por experiências históricas. Moedas paralelas foram estabelecidas em muitos países no passado. O marco alemão era uma moeda comum nos Balcãs na década de 1990, e o dólar norte-americano é popular em vários países latino-americanos hoje. El Salvador até mesmo declarou o dólar como sua moeda oficial em 2001.Quer se trate de dólares ou marcos alemães, a moeda forte sempre prevaleceu sobre a moeda fraca. Os cidadãos dos Bálcãs e da América Latina estavam apenas seguindo uma regra econômica: moedas estáveis são preferidas para poupar, enquanto as fracas são gastas o mais rápido possível – ou simplesmente trocadas.
Não se deve assumir que os gregos, italianos, espanhóis e portugueses ficarão satisfeitos quando suas antigas moedas, viciadas em inflação, retornarem, especialmente uma vez que o dracma e outras moedas nacionais têm uma desvantagem psicológica: elas são imediatamente estigmatizadas como moedas da pobreza. Parte do propósito da proposta de Lucke é reduzir os custos trabalhistas no sul da Europa. Se implementada, isso significaria que alguém na Grécia que recebia 2.000 euros por mês no passado, teria que se virar com mil euros e mil dracmas no futuro – e aceitar a desvalorização do dracma.
Mas isso também exacerba os desequilíbrios sociais. Aqueles que conseguirem transferir seus ativos em euros para o exterior em tempo serão poupados da desvalorização da moeda flexível. Mas aqueles que recebem metade de sua renda em dracmas serão feitos de tolos. Isso só poderia ser evitado com rigorosos controles de capital, que dificilmente poderiam ser permanentemente aplicados na União Europeia.
E mesmo que todos os cidadãos se comportem na prática da forma que Lucke imagina, os bancos do sul da Europa estariam ameaçados por cancelamentos substanciais de dívidas, talvez até mesmo pela falência. Porque os saldos das contas de seus clientes, bem como as suas dívidas com clientes estrangeiros, ainda seriam denominadas em euros, enquanto metade das quantias recebíveis no país consistiria de uma moeda em desvalorização, os bancos rapidamente veriam grandes buracos se desenvolvendo em seus balanços. Os euros ficariam de um lado, enquanto metade do outro lado poderia ser de dracmas ou escudos. Até mesmo os credores mais estáveis logo se veriam oprimidos por este princípio contábil.
Estados acabariam com dívidas maiores
Os governos do sul europeu também seriam duramente atingidos. Enquanto o tesouro nacional de Atenas, Roma, Madri e Lisboa têm grandes dívidas em euro no exterior, metade de suas receitas fiscais futuras consistiria ou dracmas ou escudos, que gradualmente perderiam valor. Empresas que emprestaram dinheiro de credores estrangeiros, como o Deutsche Bank ou o Commerzbank, enfrentariam os mesmos problemas.
O fracasso previsível dos bancos, empresas e governos do sul da Europa afetaria a indústria financeira mundial, mas especialmente na Alemanha. Reivindicações dos credores alemães contra mutuários da Península Ibérica, Itália e Grécia chegam a mais de 200 bilhões de euros. Uma parte considerável desse dinheiro provavelmente seria perdido.
No final, isso mostra que as consequências do conceito de moeda paralela de Lucke são comparáveis aos da saída da união monetária, tanto para os próprios países quanto para os outros membros da zona do euro. Só com uma sorte grande essas consequências poderiam ser pelo menos um pouco atenuadas.
Até Lucke provavelmente percebe que sua proposta não resolveria realmente os atuais problemas. No que diz respeito aos efeitos colaterais de sua receita, ele responde com uma ressalva típica: "Não é preciso dizer", escreve ele, "que a transição para uma segunda moeda nacional implica uma série de problemas técnicos."
Traduzido do alemão por Christopher Sultan e do inglês por Eloise De Vylder
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