Olhar imediato
Míriam Leitão - O GloboO Brasil tem olhado muito para o imediato e pouco para as tendências. Olha o saldo comercial de cada mês esperando que ele volte para o azul, sem ver que o mundo inteiro está negociando alianças comerciais poderosas. Acredita que o investimento virá com os pacotes do governo, e há uma crise de confiança sobre as empresas brasileiras e do empresariado em relação ao crescimento.
O número da inflação estourou o teto, e o governo diz que é alta sazonal de alimentos. Existem preços que vão cair, mas o mundo está atravessando o nono ano consecutivo em que fatores climáticos extremos afetam safras de commodities.
Os alimentos têm ficado mais caros na média. Além do mais, a inflação subiu estruturalmente do centro para o teto da meta. O país está sem espaço para acomodar choques. E eles sempre acontecem.
O governo comemora a revisão que fez nos contratos de energia elétrica, que foi o grupo que mais puxou a inflação para baixo. Como não comemorar uma conta de luz mais baixa? É ótima notícia.
As más noticias que ninguém quer ouvir são as várias pressões elevando estruturalmente o preço da energia, a opacidade dos subsídios públicos na construção das hidrelétricas, e o uso das térmicas que anulará parte do efeito da queda dos preços. Pior, as empresas elétricas, sejam estatais ou privadas, ficaram sem capacidade de investir.
O grupo de Eike Batista foi tão celebrado como exemplo do capitalismo brasileiro e hoje está rondando o governo atrás de socorro. Tomara que ele supere os problemas que estão transformando em pó suas ações, mas ele se alavancou com IPOs em que prometeu o que não estava preparado para entregar e em empréstimos do BNDES para os quais deu como garantia ações cujo valor está se desfazendo.
Do laboratório do governo saem pacotes frequentes e, mesmo assim, o país está crescendo cada vez menos. Os dados mostram que o crescimento anual desenha uma escadinha que desce.
O pibinho de 2012 não foi um ponto fora da curva, é o país que não tem conseguido crescer. Os dados de investimento desenham a mesma descendente: o país teve no ano passado queda da taxa de investimento.
No comércio exterior o mais sério não é o fato de que no primeiro trimestre de 2013 houve déficit, depois de termos nos acostumado com superávits. É que o volume de comércio não cresce e as escolhas que o Brasil tem feito são erradas ou estão atrasadas.
Há quem admita no governo que o comércio exterior anda mal. Os Estados Unidos negociam acordo com a Europa, a Ásia se une a países do pacífico do lado de cá do mundo, a China negocia acordos com os seus vizinhos da Ásia e com a África. O mundo gira, a lusitana roda, mas o Brasil não sai do lugar. Os Estados Unidos negociam acordos bilaterais com vários países da América do Sul.
O Mercosul está hoje na mão da Argentina: um país em crise cambial, com ágio no dólar paralelo. O controle do câmbio na Argentina espanta até as empresas brasileiras; como podemos nos manter atados a eles nas negociações de comércio internacional?
As cinco estatais criadas em dois anos e quatro meses de governo Dilma fizeram algo pelo crescimento? Foram apenas mais cadeiras a serem oferecidas aos integrantes da aliança governamental, como se 39 ministérios não fossem o suficiente.
O governo tem olhos apenas para as eleições de 2014 — tipo ideia fixa, obsessiva —, não o olhar para o horizonte à frente, necessário para agir preventivamente.
A oposição permanece dividida e mais interessada nas brigas intestinas e na administração das ambições do que em saber o que propor como alternativa diante do quadro de dificuldades do país.
Uma nova candidatura apareceu dentro da órbita governamental. Parece, na sua ambiguidade, estar cunhando moeda de troca, e não oferecendo uma alternativa. Enquanto isso, o Congresso se esforça em bases diárias para perder a confiança do cidadão.
As projeções da maioria dos economistas do mercado financeiro só conseguem acertar se forem de curtíssimo prazo. A série histórica revela erros crassos. É o que preocupa, e não o fato de que na semana passada a inflação estourou o teto da meta.
Este é apenas um dos sintomas do mal nacional: a falta de visão de para onde afinal de contas se quer ir.
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