Toru Hanai/Reuters
Shinzo Abe, líder do Partido Liberal-Democrata (PLD), foi nomeado primeiro-ministro do Japão em dezembro de 2012
Com a chegada do secretário de Estado americano John Kerry ao Japão, o primeiro-ministro Shinzo Abe está causando agitação. Conhecido por seus esforços agressivos para reviver a economia do Japão, sua retórica nacionalista e por sua abertura ao poderio militar, ele também está pressionando o Japão a ser mais assertivo em direitos humanos.
Apesar de uma democracia vibrante em casa, os diplomatas que guiam a política externa do Japão são famosos por sua cautela em direitos humanos. Para evitar perturbar relações amistosas com outros países, prejudicar os interesses econômicos do Japão ou correr o risco de ouvir críticas ao sobre o passado de guerra do Japão, eles discutem direitos humanos, se é que o fazem, apenas discretamente, atrás de portas fechadas. Tóquio geralmente vota com seus aliados ocidentais em assuntos de direitos humanos na ONU, mas quase nunca toma a iniciativa, com medo de se expor.
Abe pode estar mudando isso. Logo após chegar ao poder, ele ordenou aos diplomatas japoneses para que assumissem a liderança no esforço do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para estabelecer uma comissão de inquérito para reunir evidências dos crimes da Coreia do Norte contra a humanidade.
Os governos japoneses sempre enfrentaram pressão doméstica para resolver os casos de seus cidadãos abduzidos por Pyongyang décadas atrás, aparentemente para ensino da língua japonesa para espiões coreanos. Mas de volta à iniciativa da ONU, Abe teve que aceitar que o destino dos abduzidos refletia a negação sistemática dos direitos de qualquer um na Coreia do Norte. Essa é uma conclusão razoável, mas nenhum governo japonês anterior esteve disposto a chegar a ela.
Muitos outros governos se mostraram desinteressados a respeito de uma comissão de inquérito para a Coreia do Norte. Alguns reprovavam a despesa (modesta). Outros questionavam sua utilidade. Outros temiam desviar a atenção do programa nuclear norte-coreano.
Trabalhando com a Coreia do Sul, o Japão confrontou esse ceticismo. E foi bem-sucedido. No mês passado, o Conselho de Direitos Humanos lançou por unanimidade uma comissão de inquérito. Os líderes norte-coreanos agora estão notificados de que evidências de seus crimes serão oficialmente coletadas, o que significa a possibilidade de julgamentos internacionais se não mudarem seu comportamento.
Essa nova assertividade em direitos humanos foi prenunciada em um discurso feito por Abe em janeiro. Ele abraçou uma política externa construída em torno dos "valores fundamentais da liberdade, democracia, direitos humanos básicos e o estado de direito". Um líder japonês raramente fez um pedido desses, muito menos agiu a respeito.
Mas Abe terá muita dificuldade para implantar sua visão. No mês passado, a poderosa burocracia da política externa do Japão resistiu a uma resolução paralela da ONU a respeito do fracasso do Sri Lanka em investigar seriamente os ataques indiscriminados por seus militares, que causaram a morte de 40 mil civis nos meses finais de seu conflito com o grupo rebelde Tigres da Libertação do Tâmil Eelam, quatro anos atrás.
A resolução foi aprovada por grande maioria. Mas o Japão, agindo com sua cautela tradicional, se absteve.
Nós perguntamos ao principal diplomata do Japão no Sri Lanka a respeito de como o Japão pode estar tão fora de sincronia com seus pares. Ele apresentou várias desculpas, mas o fator principal parecia ser o desejo de manter boas relações com o Sri Lanka, apesar da falta de evidência de que a diplomacia discreta do Japão tenha mais influência do que a pressão visível da ONU.
Talvez o maior desafio de direitos humanos do Japão seja a China. Dado o passado de guerra do Japão, ele teve particularmente dificuldade em levantar preocupações de direitos humanos na China, mas após quase 70 anos, é hora de um líder forte superar esse obstáculo.
Como muitos outros, o Japão limita o assunto a aproximadamente um "diálogo sobre direitos humanos" uma vez ao ano. Geralmente envolve burocratas se encontrando sem nenhuma pessoa de fora presente e com pouca revelação sobre o que foi dito. Durante o restante do ano, as autoridades podem citar essa charada para evitar tratarem da repressão na China.
O resultado não faz bem aos direitos do povo chinês e nem para a reputação do Japão. Resta ao povo chinês pensar no Japão como preocupado em supostamente tentar roubar "suas ilhas", mas indiferente em relação aos seus direitos. Na era do Sina Weibo, a versão chinesa do Twitter, e ataques permitidos pelo governo contra a embaixada japonesa, a opinião pública chinesa importa.
Por décadas, a política externa do Japão foi construída em torno do país como uma nação doadora, com poucas condições impostas. O Japão foi extraordinariamente generoso, mas a China agora também pode jogar esse jogo, com bolsos bem mais profundos.
Abe parece reconhecer que o Japão está desperdiçando seu maior ativo na política externa – sua democracia. Construir uma política externa em torno da promoção da democracia – e dos direitos essenciais para ela – exigirá a superação do ponto de vista esclerosado dos mandarins do Ministério das Relações Exteriores. A resposta à iniciativa do Japão para a Coreia do Norte mostra que grande parte do mundo apreciará Tóquio assumindo esse papel de liderança. John Kerry deve encorajar isso.
(Kenneth Roth é diretor-executivo e Kanae Doi é o diretor para o Japão do Human Rights Watch)
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Shinzo Abe, líder do Partido Liberal-Democrata (PLD), foi nomeado primeiro-ministro do Japão em dezembro de 2012
Com a chegada do secretário de Estado americano John Kerry ao Japão, o primeiro-ministro Shinzo Abe está causando agitação. Conhecido por seus esforços agressivos para reviver a economia do Japão, sua retórica nacionalista e por sua abertura ao poderio militar, ele também está pressionando o Japão a ser mais assertivo em direitos humanos.
Apesar de uma democracia vibrante em casa, os diplomatas que guiam a política externa do Japão são famosos por sua cautela em direitos humanos. Para evitar perturbar relações amistosas com outros países, prejudicar os interesses econômicos do Japão ou correr o risco de ouvir críticas ao sobre o passado de guerra do Japão, eles discutem direitos humanos, se é que o fazem, apenas discretamente, atrás de portas fechadas. Tóquio geralmente vota com seus aliados ocidentais em assuntos de direitos humanos na ONU, mas quase nunca toma a iniciativa, com medo de se expor.
Abe pode estar mudando isso. Logo após chegar ao poder, ele ordenou aos diplomatas japoneses para que assumissem a liderança no esforço do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para estabelecer uma comissão de inquérito para reunir evidências dos crimes da Coreia do Norte contra a humanidade.
Os governos japoneses sempre enfrentaram pressão doméstica para resolver os casos de seus cidadãos abduzidos por Pyongyang décadas atrás, aparentemente para ensino da língua japonesa para espiões coreanos. Mas de volta à iniciativa da ONU, Abe teve que aceitar que o destino dos abduzidos refletia a negação sistemática dos direitos de qualquer um na Coreia do Norte. Essa é uma conclusão razoável, mas nenhum governo japonês anterior esteve disposto a chegar a ela.
Muitos outros governos se mostraram desinteressados a respeito de uma comissão de inquérito para a Coreia do Norte. Alguns reprovavam a despesa (modesta). Outros questionavam sua utilidade. Outros temiam desviar a atenção do programa nuclear norte-coreano.
Trabalhando com a Coreia do Sul, o Japão confrontou esse ceticismo. E foi bem-sucedido. No mês passado, o Conselho de Direitos Humanos lançou por unanimidade uma comissão de inquérito. Os líderes norte-coreanos agora estão notificados de que evidências de seus crimes serão oficialmente coletadas, o que significa a possibilidade de julgamentos internacionais se não mudarem seu comportamento.
Essa nova assertividade em direitos humanos foi prenunciada em um discurso feito por Abe em janeiro. Ele abraçou uma política externa construída em torno dos "valores fundamentais da liberdade, democracia, direitos humanos básicos e o estado de direito". Um líder japonês raramente fez um pedido desses, muito menos agiu a respeito.
Mas Abe terá muita dificuldade para implantar sua visão. No mês passado, a poderosa burocracia da política externa do Japão resistiu a uma resolução paralela da ONU a respeito do fracasso do Sri Lanka em investigar seriamente os ataques indiscriminados por seus militares, que causaram a morte de 40 mil civis nos meses finais de seu conflito com o grupo rebelde Tigres da Libertação do Tâmil Eelam, quatro anos atrás.
A resolução foi aprovada por grande maioria. Mas o Japão, agindo com sua cautela tradicional, se absteve.
Nós perguntamos ao principal diplomata do Japão no Sri Lanka a respeito de como o Japão pode estar tão fora de sincronia com seus pares. Ele apresentou várias desculpas, mas o fator principal parecia ser o desejo de manter boas relações com o Sri Lanka, apesar da falta de evidência de que a diplomacia discreta do Japão tenha mais influência do que a pressão visível da ONU.
Talvez o maior desafio de direitos humanos do Japão seja a China. Dado o passado de guerra do Japão, ele teve particularmente dificuldade em levantar preocupações de direitos humanos na China, mas após quase 70 anos, é hora de um líder forte superar esse obstáculo.
Como muitos outros, o Japão limita o assunto a aproximadamente um "diálogo sobre direitos humanos" uma vez ao ano. Geralmente envolve burocratas se encontrando sem nenhuma pessoa de fora presente e com pouca revelação sobre o que foi dito. Durante o restante do ano, as autoridades podem citar essa charada para evitar tratarem da repressão na China.
O resultado não faz bem aos direitos do povo chinês e nem para a reputação do Japão. Resta ao povo chinês pensar no Japão como preocupado em supostamente tentar roubar "suas ilhas", mas indiferente em relação aos seus direitos. Na era do Sina Weibo, a versão chinesa do Twitter, e ataques permitidos pelo governo contra a embaixada japonesa, a opinião pública chinesa importa.
Por décadas, a política externa do Japão foi construída em torno do país como uma nação doadora, com poucas condições impostas. O Japão foi extraordinariamente generoso, mas a China agora também pode jogar esse jogo, com bolsos bem mais profundos.
Abe parece reconhecer que o Japão está desperdiçando seu maior ativo na política externa – sua democracia. Construir uma política externa em torno da promoção da democracia – e dos direitos essenciais para ela – exigirá a superação do ponto de vista esclerosado dos mandarins do Ministério das Relações Exteriores. A resposta à iniciativa do Japão para a Coreia do Norte mostra que grande parte do mundo apreciará Tóquio assumindo esse papel de liderança. John Kerry deve encorajar isso.
(Kenneth Roth é diretor-executivo e Kanae Doi é o diretor para o Japão do Human Rights Watch)
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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