sábado, 13 de abril de 2013

Mentiras públicas minam confiança em líderes políticos na Europa
Celestine Bohlen - NYT                         
Reuters
O ex-ministro britânico de Energia, Chris Huhne, renunciou no ano passado após acusação de passar para a carteira de motorista da mulher a perda de pontos por uma infração que ele teria cometido, evitando assim perder sua habilitação
O ex-ministro britânico de Energia, Chris Huhne, renunciou no ano passado após acusação de passar para a carteira de motorista da mulher a perda de pontos por uma infração que ele teria cometido, evitando assim perder sua habilitação
No mês passado no Reino Unido, um ex-ministro do governo foi para a prisão por fazer sua esposa receber os pontos em sua carteira de motorista em 2003 pelas multas de excesso de velocidade recebidas por ele.
Na França, outro ex-ministro está enfrentando acusações de lavagem de dinheiro e evasão fiscal após ter reconhecido que há muito possui contas bancárias não declaradas, primeiro na Suíça, depois em Cingapura.
Em ambos os casos, os crimes em si seriam suficientes para a desgraça total e ruína política; ambos foram forçados a renunciar.
Mas o que realmente chocou foram as mentiras --deslavadas, repetidas inúmeras vezes, para familiares e amigos, líderes políticos e parlamentares, investigadores e a imprensa, sempre com seriedade e indignação.
No caso de Chris Huhne, o ex-ministro da Energia britânico e importante membro do Partido Liberal Democrata, a mentira durou uma década. No final de 2011, ele não estava mais se esquivando da verdade; ele já estava passando por cima dela. "Fico contente em dizer que há uma investigação oficial a respeito de tudo isso", ele disse. "Eu espero que os resultados coloquem um fim a esse assunto."
Dois anos depois, pouco antes de ser sentenciado a oito meses de prisão, Huhne foi à televisão britânica para pedir desculpas. Ele disse que tudo começou com "uma infração relativamente menor", mas que as mentiras logo assumiram vida própria. "Isso tende a sair de controle", disse Huhne.
Na França, o desempenho de Jerome Cahuzac foi ainda mais impressionante, já que como ministro do Orçamento, ele estava encarregado de caçar aqueles que burlam o fisco.
Em um vídeo que continua sendo exibido na televisão francesa, Cahuzac declara perante a Assembleia Nacional que não tinha, nem nunca teve uma conta bancária na Suíça. Quando um repórter de televisão o olhou nos olhos e pediu que dissesse a verdade, ele repetiu a mesma mentira, a mesma que disse ao presidente François Hollande, aos seus colegas ministros socialistas e todos aqueles que sondaram a alegação sobre a conta bancária secreta, que veio à tona em dezembro passado no "Mediapart", um site investigativo.
"Eu sou aquele para quem ele mais mentiu --não uma vez, não 10 vezes, mas muito mais", disse o chefe de Cahuzac, o ministro das Finanças, Pierre Moscovici, ao "New York Times". "Ele me disse de modo enérgico que não tinha nada a ver com esse assunto."
Como todos na França, Serge Hefez ficou tanto pasmo quanto fascinado com a audácia de Cahuzac. "Ele mentiu por muito tempo com muita confiança", disse Hefez, um psiquiatra e psicanalista que costuma analisar os políticos franceses.
Em 2008, Hefez, que é especializado em terapia familiar, escreveu um livro sobre a obsessão da França por seu presidente narcisista, Nicolas Sarkozy. Quando Dominique Strauss-Kahn reconheceu na televisão francesa em 2011 que cometeu uma "falha moral" durante seu encontro sexual com uma camareira de hotel em Nova York, um jornal francês pediu a Hefez que analisasse o desempenho: ele o considerou pouco convincente.
No caso de Cahuzac, Hefez percebeu uma pista no blog do ex-ministro, postado em 2 de abril, o dia em que ele parou de mentir. Nele, o ministro disse que achou que poderia evitar de confrontar o passado que "queria" superar.
"Eu considerei esse 'queria' absolutamente espetacular", disse Hefez, falando em seu pequeno consultório no centro de Paris. "Foi como se ele dissesse, 'Eu queria que o passado nunca tivesse existido, o que significa que ele existia'."
Esse tipo de desejo fantasioso é comum em crianças, disse Hefez. Ele comparou Cahuzac a um menino confrontado por seus pais após encontrarem o pote de geleia perdido no armário dele. "Ele os olha nos olhos e diz: 'Não fui eu', e continua mentindo, com convicção, a ponto de os pais começarem a duvidar, a pensar que talvez o estejam acusando injustamente --talvez tenha sido a faxineira", ele disse.
Para uma criança, disse Hefez, o pensamento pode ser mais poderoso que a verdade, particularmente se o que estiver em jogo seja sua boa imagem aos olhos de seus pais, que são sua autoridade máxima. Para os políticos, ele disse, esse desejo pode ser explosivo, precisamente por terem autoridade.
"Todos nós já mentimos por vários motivos", disse Hefez, "mas para aqueles no poder, há uma sensação de que nada pode detê-los. Eles acreditam que tudo lhes é permitido."
Na França, "l'affaire Cahuzac" se transformou em um debate sobre a impunidade desfrutada pela elite francesa. Alguns dizem que a estratégia de mentiras de Cahuzac saiu diretamente do manual político dos anos 80, quando os políticos franceses eram capazes de negar a verdade impunemente.
De lá para cá, a sociedade mudou, mesmo que alguns políticos ainda se agarrem aos modos antigos. O público está menos disposto a fazer vista grossa e a imprensa está menos cúmplice em manter os segredos abertos –como os excessos sexuais de Strauss-Kahn, ou a preferência de Cahuzac por pagamento em dinheiro em sua clínica de transplante capilar.
Agora são as mentiras, talvez ainda mais que os crimes, que minam a confiança da população. O fato de Cahuzac ter uma conta bancária na Suíça foi "bem desagradável", disse Hefez, "mas ninguém ficará espantado".
Mas "trair a confiança, a confiança de todos, isso é sério", ele disse, "porque as sociedades não funcionam sem confiança".
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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