Juan Moreno - El Pais
Andrea Comas/Reuters
O rei Juan Carlos da Espanha deixa hospital de Madri após cirurgia no quadril; ele se acidentou durante um safári na África, no ano passado
Andrea Comas/Reuters
O rei Juan Carlos da Espanha deixa hospital de Madri após cirurgia no quadril; ele se acidentou durante um safári na África, no ano passado
O rei Juan Carlos tinha um acordo com seu povo: ele seria régio, e eles o respeitariam. Mas agora que ele descumpriu sua parte no contrato, os espanhóis rapidamente estão descartando a deles. Será hora de dissolver a monarquia espanhola?
Não está claro se o acordo continua valendo, depois de todos os escândalos. Mas, há mais de 30 anos, havia um entendimento tácito entre os espanhóis e seu rei: por um lado, Juan Carlos personificaria a união de uma nação que tem dificuldades com a unidade; por outro lado, ele garantiria que os espanhóis não teriam que se envergonhar da família real.
Juan Carlos, supostamente, teria um casamento exemplar e preferivelmente tranquilo com Sofia, assim como garantiria que seu filho, o príncipe herdeiro Felipe, ficaria longe das confusões. Em troca, todo espanhol ficaria ao lado do rei e o defenderia firmemente contra todas as críticas.
Havia algo de profundamente espanhol nesse contrato. Fazia parte do país tanto quanto a preferência dos espanhóis por almoçar tarde ou sua incapacidade de fabricar carros decentes. A imprensa aderiu a ele, os políticos aderiram e também os sindicatos, os representantes da igreja e até aqueles que secretamente viam Juan Carlos como o desocupado mais caro da Espanha. Ninguém criticava o rei. Ele estava acima disso, mesmo que algumas vezes ele dissesse coisas ridículas. Para os alemães, o relacionamento da Espanha com o rei Juan Carlos lembra seu relacionamento com o ex-chanceler Helmut Schmidt.
Tudo ia bem até uma alemã entrar na vida do rei: a princesa Corinna zu Sayn-Wittgenstein-Sayn, nascida Larsen, que é de Frankfurt e não nasceu na aristocracia. Ela se casou com o príncipe Casimir zu Sayn-Wittgenstein-Sayn e manteve o nome depois do divórcio.
Corinna ajudou a organizar o safari, o que alimentou os rumores que ela era mais do que apenas uma boa amiga. Algo mudou na Espanha naquele momento. Se tinha havido críticas à família real até então, elas eram direcionadas aos genros. Um tinha se divorciado da filha de Juan Carlos, Elena, e aparentemente tinha um problema com cocaína, enquanto o outro está envolvido em um escândalo de corrupção.
Mas agora os espanhóis também passaram a falar do próprio monarca. Surgiram livros críticos da monarquia. Um deles, por exemplo, lida com o sofrimento estoico da rainha Sofia diante dos muitos casos do marido. Subitamente, o príncipe herdeiro passou a ser mais popular que o pai. Quase metade dos espanhóis hoje acham que Felipe deveria assumir o trono.
Também estão sendo levantadas questões sobre um maior envolvimento de Juan Carlos com o genro acusado, Iñaki Urdangarin, do que a família real queria que o público acreditasse. Por fim, a justiça também tem e-mails ligando Urdangarin com a amiga do rei, Corinna. Então, Corina piorou tudo dando três grandes entrevistas, nas quais ela reafirmou sua amizade com o rei e negou ter qualquer relação com as desagradáveis fraudes. Infelizmente, ela também mencionou que tinha desempenhado tarefas "delicadas e confidenciais" para o governo espanhol, por causa de suas boas conexões. Essa possibilidade assusta muitos espanhóis. Apesar de o governo ter prontamente negado a alegação, o chefe de inteligência foi chamado a testemunhar sobre o assunto no Parlamento.
Juan Carlos certamente sabia que os espanhóis não eram necessariamente monarquistas, em parte porque seu predecessor, Charles 4º, praticamente entregou o país a Napoleão em 1808. Mas eles também são agradecidos. Depois da ditadura de Franco, Juan Carlos defendeu o caminho para a democracia e corajosamente se opôs ao golpe militar de 1981, ao menos de acordo com o relato oficial.
Por essa razão, nenhum espanhol reclamava dos discursos frios de Natal ou das viagens de luxo de esqui e de barco a vela. Nem mesmo da manutenção de $ 34 milhões de euros (em torno de R$ 68 milhões) de seus palácios e jardins. Para eles, ele era um símbolo da democracia, não da coroa.
Mas agora a Espanha e seu rei estão passando por um choque de realidade nada confortável. A crise mostrou ao país onde certamente não está: entre os principais países da Europa. E Juan Carlos também subitamente percebeu que, enquanto os espanhóis são pacientes e agradecidos, não são tolos.
Isso explica por que em breve poderá ressurgir uma ideia que vem rondando o país desde o safari de elefantes: será hora de dissolver a monarquia espanhola?
Tradutor: Deborah Weinberg
Não está claro se o acordo continua valendo, depois de todos os escândalos. Mas, há mais de 30 anos, havia um entendimento tácito entre os espanhóis e seu rei: por um lado, Juan Carlos personificaria a união de uma nação que tem dificuldades com a unidade; por outro lado, ele garantiria que os espanhóis não teriam que se envergonhar da família real.
Juan Carlos, supostamente, teria um casamento exemplar e preferivelmente tranquilo com Sofia, assim como garantiria que seu filho, o príncipe herdeiro Felipe, ficaria longe das confusões. Em troca, todo espanhol ficaria ao lado do rei e o defenderia firmemente contra todas as críticas.
Havia algo de profundamente espanhol nesse contrato. Fazia parte do país tanto quanto a preferência dos espanhóis por almoçar tarde ou sua incapacidade de fabricar carros decentes. A imprensa aderiu a ele, os políticos aderiram e também os sindicatos, os representantes da igreja e até aqueles que secretamente viam Juan Carlos como o desocupado mais caro da Espanha. Ninguém criticava o rei. Ele estava acima disso, mesmo que algumas vezes ele dissesse coisas ridículas. Para os alemães, o relacionamento da Espanha com o rei Juan Carlos lembra seu relacionamento com o ex-chanceler Helmut Schmidt.
Tudo ia bem até uma alemã entrar na vida do rei: a princesa Corinna zu Sayn-Wittgenstein-Sayn, nascida Larsen, que é de Frankfurt e não nasceu na aristocracia. Ela se casou com o príncipe Casimir zu Sayn-Wittgenstein-Sayn e manteve o nome depois do divórcio.
Algo mudou na Espanha
A maior parte dos espanhóis ouviu falar de Corinna pela primeira vez há mais ou menos um ano, quando seu rei quebrou o quadril em Botsuana. Depois de dizer a seu povo que perdia o sono ao pensar no desemprego dos jovens espanhóis, Juan Carlos, que na época era presidente honorário do braço espanhol do World Wildlife Fund (WWF), decidiu ir caçar elefantes. As pessoas ficaram revoltadas. Mais tarde, ele fez algo muito incomum: pediu desculpas.Corinna ajudou a organizar o safari, o que alimentou os rumores que ela era mais do que apenas uma boa amiga. Algo mudou na Espanha naquele momento. Se tinha havido críticas à família real até então, elas eram direcionadas aos genros. Um tinha se divorciado da filha de Juan Carlos, Elena, e aparentemente tinha um problema com cocaína, enquanto o outro está envolvido em um escândalo de corrupção.
Mas agora os espanhóis também passaram a falar do próprio monarca. Surgiram livros críticos da monarquia. Um deles, por exemplo, lida com o sofrimento estoico da rainha Sofia diante dos muitos casos do marido. Subitamente, o príncipe herdeiro passou a ser mais popular que o pai. Quase metade dos espanhóis hoje acham que Felipe deveria assumir o trono.
Também estão sendo levantadas questões sobre um maior envolvimento de Juan Carlos com o genro acusado, Iñaki Urdangarin, do que a família real queria que o público acreditasse. Por fim, a justiça também tem e-mails ligando Urdangarin com a amiga do rei, Corinna. Então, Corina piorou tudo dando três grandes entrevistas, nas quais ela reafirmou sua amizade com o rei e negou ter qualquer relação com as desagradáveis fraudes. Infelizmente, ela também mencionou que tinha desempenhado tarefas "delicadas e confidenciais" para o governo espanhol, por causa de suas boas conexões. Essa possibilidade assusta muitos espanhóis. Apesar de o governo ter prontamente negado a alegação, o chefe de inteligência foi chamado a testemunhar sobre o assunto no Parlamento.
Símbolo da democracia
Parece provável que Juan Carlos esteja passando por uma experiência similar ao resto do país: tanto a Espanha quanto o monarca estão acordando de um sonho, um sonho muito bom. Nem tanto tempo atrás, a Espanha era considerada um modelo europeu, com sua economia dinâmica, cozinha moderna e projetos de construção extraordinários.Juan Carlos certamente sabia que os espanhóis não eram necessariamente monarquistas, em parte porque seu predecessor, Charles 4º, praticamente entregou o país a Napoleão em 1808. Mas eles também são agradecidos. Depois da ditadura de Franco, Juan Carlos defendeu o caminho para a democracia e corajosamente se opôs ao golpe militar de 1981, ao menos de acordo com o relato oficial.
Por essa razão, nenhum espanhol reclamava dos discursos frios de Natal ou das viagens de luxo de esqui e de barco a vela. Nem mesmo da manutenção de $ 34 milhões de euros (em torno de R$ 68 milhões) de seus palácios e jardins. Para eles, ele era um símbolo da democracia, não da coroa.
Mas agora a Espanha e seu rei estão passando por um choque de realidade nada confortável. A crise mostrou ao país onde certamente não está: entre os principais países da Europa. E Juan Carlos também subitamente percebeu que, enquanto os espanhóis são pacientes e agradecidos, não são tolos.
Isso explica por que em breve poderá ressurgir uma ideia que vem rondando o país desde o safari de elefantes: será hora de dissolver a monarquia espanhola?
Tradutor: Deborah Weinberg
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