John Vinocur - IHT
Lionel Bonaventure/AFP
O presidente da França, François Hollande, fala sobre a situação dos conflitos em Mali em janeiro
Quando um entrevistador de TV pediu a François Hollande, na semana passada, que comentasse o que um repórter disse que grande parte do país estava pensando – se o presidente tem autoridade pessoal suficiente para tirar os franceses do buraco negro do crescimento zero, do desemprego e das perspectivas não passíveis de serem concretizadas –, o jornalista poderia muito bem ter ampliado sua pergunta.
Ele poderia ter levantado a seguinte questão: será que o próprio Hollande acredita que seus eleitores (campeões mundiais do pessimismo, de acordo com uma pesquisa realizada pelo BVA-Gallup Internacional em 51 países em 2011), cuja visão positiva do futuro da sociedade francesa atualmente está em 29%, têm determinação suficiente para sorver goles mais amargos e mais profundos do remédio da mudança?
Além de descrever a si próprio como o "chefe desta batalha", Hollande nunca abordou realmente sua própria autoridade. Mas ele forneceu uma resposta de relance sobre a questão relacionada à extensão do gosto francês pelas futuras tentativas de reforma diante das novas projeções de desaceleração do crescimento econômico e do aprofundamento dos déficits, que minam o compromisso do governo em alcançar as metas consolidadas da União Europeia (UE) para este ano.
O presidente socialista disse que a França sob a sua liderança já dispõe das medidas necessárias que servirão de ferramenta para reverter a taxa de desemprego de 10,6% – o que sugere que ele não está disposto a desafiar os sindicatos mais intransigentes em um teste regado a suor e lágrimas para verificar a capacidade dos franceses em suportar a dor.
Como assim?
Suponha que uma parcela significativa do problema está nas mãos dos cidadãos franceses, que durante décadas escolheram acreditar – e por que não? – em uma classe política que buscava proteger seu domínio sobre o status quo ao defender o conceito de uma França onde, com exceção de alguns poucos tropeços, tudo é para o melhor no melhor dos mundos possíveis.
Segundo Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o grande problema reside aí. O socialista francês Lamy insistiu na realização de reformas econômicas aceleradas no país. Mas, em entrevista à imprensa francesa, ele acrescentou: "eu acredito que os franceses não querem essas reformas, pois eles não conseguem ver o que elas lhes trariam. Os franceses acreditam que são uma ilha de felicidade temporária em um mundo cheio de catástrofes".
Jacques Julliard, comentarista político de esquerda que escreveu sobre a história da esquerda francesa, fez uma afirmação semelhante – mas mais dura – sobre seus compatriotas. Fazer a França mudar, ele disse, envolve "inverter a trajetória de um país que aceitou não fazer mais parte da linha de frente, que consentiu com sua própria humilhação e que se recusa a fazer sacrifícios".
Julliard não acredita que Hollande seja a causa dessa situação, mas o descreve como um homem que "não é suficientemente profético ou aventureiro" para orquestrar essa mudança.
É claro que isso não é apenas uma questão de 10 meses de reação limitada da esquerda.
Dez anos atrás, Nicolas Baverez, economista e ensaísta conservador, escreveu que todos os líderes franceses "cultivam o status quo e a rigidez", o que resulta em protecionismo, na definição estreita dos interesses da França e em uma relutância em transferir um nível significativo de soberania à União Europeia.
Nicolas Sarkozy posteriormente chegou ao poder depois de ter pregado a necessidade de uma "ruptura" nessa sociedade, ou seja, uma reforma total e consciente dos custos do modelo social francês, além do fim para o simbolismo negativo e anticompetitivo da semana de trabalho de 35 horas da França e um plano de ação afirmativa "à la française" para combater a alienação da comunidade muçulmana da França da integração e de uma assimilação adicional na sociedade.
Mas, uma vez no cargo, e não disposto a desafiar o seu próprio sentimento sobre os desejos do eleitorado – sentimento que já havia mudado –, Sarkozy abandonou o discurso de ação afirmativa e nunca baniu oficialmente o monumento da semana de 35 horas da excepcionalidade francesa. Ao concorrer à reeleição, ele tentou adotar como referências de campanha – mas em seguida desistiu – os padrões da economia e do mercado de trabalho alemães e instituí-los como seus objetivos econômicos. Mas era pedir demais dos eleitores franceses.
De fato, Sarkozy acabou se projetando mais como um protetor do modelo social francês do que como um reformista.
Com Hollande no comando, os franceses acabaram com o que o historiador e romancista francês Max Gallo me descreveu como a mentalidade de um "aposentado cuja renda é proveniente de investimentos – e não da aposentadoria". E o que Alain Minc, um economista que serviu como conselheiro próximo de Sarkozy, chama de "um país frágil e sem uma bússola. A seu modo, a França está mais doente do que a Itália devido ao ineficiente sistema produtivo francês".
Então, o que fazer? Com uma grande manifestação de autoridade Hollande poderia começar a estimular os franceses ao reivindicar os plenos poderes institucionais da presidência, da mesma forma que ocorreu com a histórica mudança de rumo orquestrada por François Mitterrand quando ele se afastou da economia socialista, em 1983.
Seria necessário um ato corajoso e exemplar, que tivesse um simbolismo universal, como a abolição oficial da semana de trabalho de 35 horas. Isso exigiria medidas práticas, como a redução de impostos e uma flexibilidade muito maior do mercado de trabalho francês. Além disso, seria preciso uma vontade semelhante à de Mitterrand para enfrentar e superar as greves e turbulências políticas – e exigiria uma grande coragem política por parte de Hollande.
Será que isso poderia acontecer? Considere o seguinte como resposta: quando Hollande foi perguntado na televisão, na semana passada, sobre os futuros níveis dos gastos públicos, ele respondeu: "nós vamos economizar em 2013, de modo que os franceses não terão que fazer nenhum esforço adicional".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
O presidente da França, François Hollande, fala sobre a situação dos conflitos em Mali em janeiro
Quando um entrevistador de TV pediu a François Hollande, na semana passada, que comentasse o que um repórter disse que grande parte do país estava pensando – se o presidente tem autoridade pessoal suficiente para tirar os franceses do buraco negro do crescimento zero, do desemprego e das perspectivas não passíveis de serem concretizadas –, o jornalista poderia muito bem ter ampliado sua pergunta.
Ele poderia ter levantado a seguinte questão: será que o próprio Hollande acredita que seus eleitores (campeões mundiais do pessimismo, de acordo com uma pesquisa realizada pelo BVA-Gallup Internacional em 51 países em 2011), cuja visão positiva do futuro da sociedade francesa atualmente está em 29%, têm determinação suficiente para sorver goles mais amargos e mais profundos do remédio da mudança?
Além de descrever a si próprio como o "chefe desta batalha", Hollande nunca abordou realmente sua própria autoridade. Mas ele forneceu uma resposta de relance sobre a questão relacionada à extensão do gosto francês pelas futuras tentativas de reforma diante das novas projeções de desaceleração do crescimento econômico e do aprofundamento dos déficits, que minam o compromisso do governo em alcançar as metas consolidadas da União Europeia (UE) para este ano.
O presidente socialista disse que a França sob a sua liderança já dispõe das medidas necessárias que servirão de ferramenta para reverter a taxa de desemprego de 10,6% – o que sugere que ele não está disposto a desafiar os sindicatos mais intransigentes em um teste regado a suor e lágrimas para verificar a capacidade dos franceses em suportar a dor.
Como assim?
Suponha que uma parcela significativa do problema está nas mãos dos cidadãos franceses, que durante décadas escolheram acreditar – e por que não? – em uma classe política que buscava proteger seu domínio sobre o status quo ao defender o conceito de uma França onde, com exceção de alguns poucos tropeços, tudo é para o melhor no melhor dos mundos possíveis.
Segundo Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o grande problema reside aí. O socialista francês Lamy insistiu na realização de reformas econômicas aceleradas no país. Mas, em entrevista à imprensa francesa, ele acrescentou: "eu acredito que os franceses não querem essas reformas, pois eles não conseguem ver o que elas lhes trariam. Os franceses acreditam que são uma ilha de felicidade temporária em um mundo cheio de catástrofes".
Jacques Julliard, comentarista político de esquerda que escreveu sobre a história da esquerda francesa, fez uma afirmação semelhante – mas mais dura – sobre seus compatriotas. Fazer a França mudar, ele disse, envolve "inverter a trajetória de um país que aceitou não fazer mais parte da linha de frente, que consentiu com sua própria humilhação e que se recusa a fazer sacrifícios".
Julliard não acredita que Hollande seja a causa dessa situação, mas o descreve como um homem que "não é suficientemente profético ou aventureiro" para orquestrar essa mudança.
É claro que isso não é apenas uma questão de 10 meses de reação limitada da esquerda.
Dez anos atrás, Nicolas Baverez, economista e ensaísta conservador, escreveu que todos os líderes franceses "cultivam o status quo e a rigidez", o que resulta em protecionismo, na definição estreita dos interesses da França e em uma relutância em transferir um nível significativo de soberania à União Europeia.
Nicolas Sarkozy posteriormente chegou ao poder depois de ter pregado a necessidade de uma "ruptura" nessa sociedade, ou seja, uma reforma total e consciente dos custos do modelo social francês, além do fim para o simbolismo negativo e anticompetitivo da semana de trabalho de 35 horas da França e um plano de ação afirmativa "à la française" para combater a alienação da comunidade muçulmana da França da integração e de uma assimilação adicional na sociedade.
Mas, uma vez no cargo, e não disposto a desafiar o seu próprio sentimento sobre os desejos do eleitorado – sentimento que já havia mudado –, Sarkozy abandonou o discurso de ação afirmativa e nunca baniu oficialmente o monumento da semana de 35 horas da excepcionalidade francesa. Ao concorrer à reeleição, ele tentou adotar como referências de campanha – mas em seguida desistiu – os padrões da economia e do mercado de trabalho alemães e instituí-los como seus objetivos econômicos. Mas era pedir demais dos eleitores franceses.
De fato, Sarkozy acabou se projetando mais como um protetor do modelo social francês do que como um reformista.
Com Hollande no comando, os franceses acabaram com o que o historiador e romancista francês Max Gallo me descreveu como a mentalidade de um "aposentado cuja renda é proveniente de investimentos – e não da aposentadoria". E o que Alain Minc, um economista que serviu como conselheiro próximo de Sarkozy, chama de "um país frágil e sem uma bússola. A seu modo, a França está mais doente do que a Itália devido ao ineficiente sistema produtivo francês".
Então, o que fazer? Com uma grande manifestação de autoridade Hollande poderia começar a estimular os franceses ao reivindicar os plenos poderes institucionais da presidência, da mesma forma que ocorreu com a histórica mudança de rumo orquestrada por François Mitterrand quando ele se afastou da economia socialista, em 1983.
Seria necessário um ato corajoso e exemplar, que tivesse um simbolismo universal, como a abolição oficial da semana de trabalho de 35 horas. Isso exigiria medidas práticas, como a redução de impostos e uma flexibilidade muito maior do mercado de trabalho francês. Além disso, seria preciso uma vontade semelhante à de Mitterrand para enfrentar e superar as greves e turbulências políticas – e exigiria uma grande coragem política por parte de Hollande.
Será que isso poderia acontecer? Considere o seguinte como resposta: quando Hollande foi perguntado na televisão, na semana passada, sobre os futuros níveis dos gastos públicos, ele respondeu: "nós vamos economizar em 2013, de modo que os franceses não terão que fazer nenhum esforço adicional".
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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