Adewale Maja Pearce - IHT
Meu país tem 175 milhões de habitantes, que falam mais de 500 línguas e
são renomados por sua incapacidade de conviverem. A culpa geralmente é
atribuída aos autores de mapas coloniais e é merecida. Mas os motivos
para nossa discórdia nacional são complexos –certamente muito mais
complicados para a mídia internacional compreender– de modo que os
relatos na imprensa das múltiplas antipatias entre nossos 250 grupos
étnicos geralmente são resumidos ao clichê: norte muçulmano enfrenta o
sul de maioria cristã pelo controle da riqueza do petróleo da Nigéria.
Como jornalista, eu entendo as dificuldades de resumir as loucuras do mundo. Pegue a violência desconcertante de Boko Haram. Eu fico tão confuso quanto qualquer pessoa com as motivações, táticas e metas do movimento terrorista islâmico –talvez porque eles mesmos parecem igualmente confusos. No início eles eram contrários aos cristãos sulistas viverem no norte, e explodiam igrejas para provar. Agora eles foram além de atacar figuras do establishment e passaram a massacrar seu próprio povo – até mesmo crianças – por serem contrários à educação ocidental.
Apesar de não admitir, nosso presidente, Goodluck Jonathan, compartilha essa confusão, mas – dada a dignidade de seu cargo e a realidade de eleições que serão realizadas em menos de um ano – ele aparentemente sente que deve parecer escorar a união nacional. Assim, neste mês, Jonathan lançou o Comitê Consultivo para a Conferência/Diálogo Nacional. O nome é desajeitado, as metas são incertas e as chances de sucesso são dúbias.
O fato é que nossas divisões são mais nebulosas do que nós nigerianos às vezes somos inclinados a reconhecer. Há, por exemplo, tantos muçulmanos quanto cristãos entre o povo Yoruba no sul. Mesmo assim, seria injusto sugerir que os nigerianos, como pessoas de toda parte, não nutrem estereótipos sobre seus compatriotas.
Por acaso eu sou membro dos yoruba que "adoram diversão" (como os britânicos nos caracterizaram nos primórdios do colonialismo). Nós temos uma reputação de gostarmos de discutir, de sermos encantadoramente traiçoeiros e altamente pragmáticos, tão frouxos moralmente quanto somos em nossa religião –pelo menos segundo os igbo, o outro grupo étnico dominante no sul. Por outro lado, alguns yoruba dizem que os igbo estariam dispostos a sacrificar seus próprios pais por dinheiro, que conseguem em grande parte por meio do comércio, às vezes de drogas.
Quanto a todas as "minorias" entre os dois grupos, não há como saber o que pretendem em meio à sua infinidade de línguas, que poucos entendem, mesmo se todos nós falássemos inglês.
Logo, qual foi o motivo por trás do pedido do presidente pelo diálogo – um pedido que pegou todos de surpresa? Por um lado, o momento foi estranho: por que, após 53 anos de independência, após guerras civis, golpes militares, rivalidades em torno do petróleo, as insanidades homicidas de Boko Haram e da resposta militar brutal que pode muito bem dividir o país, nós repentinamente precisamos dessa conferência?
Na verdade, a resposta é simples. Nós não precisamos, mas o presidente precisa. Eleições estão previstas para o início de 2015 e Jonathan pretende concorrer a um segundo mandato de quatro anos. Mas o caos civil e escândalos disseminados de corrupção apresentam algumas dificuldades. Mesmo assim, Jonathan é um político escolado e está claro que ele aprendeu a lição sobre como navegar em meio a problemas aparentemente insolúveis: quando você precisa desviar a atenção popular e ganhar tempo, sempre é possível convocar... uma conferência!
O presidente foi cuidadoso em não dar detalhes específicos. Ele apenas constituiu um comitê consultivo para deliberar sobre a "nomenclatura, estrutura e modalidades" de uma posterior Comissão para um Diálogo ou Conferência. Os nigerianos levam na esportiva esses jargões incompreensíveis: a conferência é amplamente desdenhada como apenas outro "lugar de discussão inútil".
Se a união nacional é tão importante, muitas pessoas se perguntam, o que impediu Jonathan de pedi-la no início de seu mandato? Poucos de nós se deixam enganar; nós entendemos as realidades do poder em um país onde a disputa por um cargo é um caso de faça ou morra. O poder político, afinal, é o único jogo disponível que assegura acesso ilimitado às riquezas do petróleo do país.
Mas seria injusto sugerir que Jonathan é responsável pelo governo mais corrupto da Nigéria – até porque seria difícil ser mais corrupto que seus antecessores. Segundo o Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime, entre a independência em 1960 e o retorno à democracia em 1999, os líderes da Nigéria e seus cúmplices roubaram perto de US$ 400 bilhões.
Todavia, os escândalos recentes oferecem espaço abundante para comparação. Um envolve reportagens de jornal alegando que o ministro dos Recursos do Petróleo da Nigéria, Diezani Alison-Madueke, concede rotineiramente contratos de óleo cru para empresas registradas às pressas por pessoas que nunca estiveram envolvidas no setor.
Outro envolve acusações de que a ministra da Aviação, Stella Oduah, gastou US$ 1,6 milhão em dois carros blindados que custam um quarto desse valor. Isso ocorreu semanas depois de outro acidente aéreo fatal, o sétimo durante seu mandato. Repetidos pedidos para que esses ministros sejam demitidos foram ignorados.
A Nigéria está convocando uma conferência sobre a união nacional quando deveríamos estar clamando pelo fim da corrupção que está muito próxima da essência de nossa discórdia civil, étnica e sectária. A decisão de convocar uma discussão inútil por delegados escolhidos a dedo que não sabem ao certo a natureza do que discutirão – além de que isso lhes fornecerá uma fatia do bolo nacional – não engana ninguém.
Dado o risco sempre presente de implosão da Nigéria – provocada pelos militantes do Delta do Níger produtor de petróleo, fundamentalistas islâmicos no nordeste, limpeza étnica na região centro-norte e sequestradores em toda parte – nós nigerianos divididos estamos unidos por uma verdade silenciosa: nós todos sabemos que não podemos continuar assim.
(Adewale Maja-Pearce é escritor, crítico e autor de " Remembering Ken Saro-Wiwa, and Other Essays".)
Como jornalista, eu entendo as dificuldades de resumir as loucuras do mundo. Pegue a violência desconcertante de Boko Haram. Eu fico tão confuso quanto qualquer pessoa com as motivações, táticas e metas do movimento terrorista islâmico –talvez porque eles mesmos parecem igualmente confusos. No início eles eram contrários aos cristãos sulistas viverem no norte, e explodiam igrejas para provar. Agora eles foram além de atacar figuras do establishment e passaram a massacrar seu próprio povo – até mesmo crianças – por serem contrários à educação ocidental.
Apesar de não admitir, nosso presidente, Goodluck Jonathan, compartilha essa confusão, mas – dada a dignidade de seu cargo e a realidade de eleições que serão realizadas em menos de um ano – ele aparentemente sente que deve parecer escorar a união nacional. Assim, neste mês, Jonathan lançou o Comitê Consultivo para a Conferência/Diálogo Nacional. O nome é desajeitado, as metas são incertas e as chances de sucesso são dúbias.
O fato é que nossas divisões são mais nebulosas do que nós nigerianos às vezes somos inclinados a reconhecer. Há, por exemplo, tantos muçulmanos quanto cristãos entre o povo Yoruba no sul. Mesmo assim, seria injusto sugerir que os nigerianos, como pessoas de toda parte, não nutrem estereótipos sobre seus compatriotas.
Por acaso eu sou membro dos yoruba que "adoram diversão" (como os britânicos nos caracterizaram nos primórdios do colonialismo). Nós temos uma reputação de gostarmos de discutir, de sermos encantadoramente traiçoeiros e altamente pragmáticos, tão frouxos moralmente quanto somos em nossa religião –pelo menos segundo os igbo, o outro grupo étnico dominante no sul. Por outro lado, alguns yoruba dizem que os igbo estariam dispostos a sacrificar seus próprios pais por dinheiro, que conseguem em grande parte por meio do comércio, às vezes de drogas.
Quanto a todas as "minorias" entre os dois grupos, não há como saber o que pretendem em meio à sua infinidade de línguas, que poucos entendem, mesmo se todos nós falássemos inglês.
Logo, qual foi o motivo por trás do pedido do presidente pelo diálogo – um pedido que pegou todos de surpresa? Por um lado, o momento foi estranho: por que, após 53 anos de independência, após guerras civis, golpes militares, rivalidades em torno do petróleo, as insanidades homicidas de Boko Haram e da resposta militar brutal que pode muito bem dividir o país, nós repentinamente precisamos dessa conferência?
Na verdade, a resposta é simples. Nós não precisamos, mas o presidente precisa. Eleições estão previstas para o início de 2015 e Jonathan pretende concorrer a um segundo mandato de quatro anos. Mas o caos civil e escândalos disseminados de corrupção apresentam algumas dificuldades. Mesmo assim, Jonathan é um político escolado e está claro que ele aprendeu a lição sobre como navegar em meio a problemas aparentemente insolúveis: quando você precisa desviar a atenção popular e ganhar tempo, sempre é possível convocar... uma conferência!
O presidente foi cuidadoso em não dar detalhes específicos. Ele apenas constituiu um comitê consultivo para deliberar sobre a "nomenclatura, estrutura e modalidades" de uma posterior Comissão para um Diálogo ou Conferência. Os nigerianos levam na esportiva esses jargões incompreensíveis: a conferência é amplamente desdenhada como apenas outro "lugar de discussão inútil".
Se a união nacional é tão importante, muitas pessoas se perguntam, o que impediu Jonathan de pedi-la no início de seu mandato? Poucos de nós se deixam enganar; nós entendemos as realidades do poder em um país onde a disputa por um cargo é um caso de faça ou morra. O poder político, afinal, é o único jogo disponível que assegura acesso ilimitado às riquezas do petróleo do país.
Mas seria injusto sugerir que Jonathan é responsável pelo governo mais corrupto da Nigéria – até porque seria difícil ser mais corrupto que seus antecessores. Segundo o Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime, entre a independência em 1960 e o retorno à democracia em 1999, os líderes da Nigéria e seus cúmplices roubaram perto de US$ 400 bilhões.
Todavia, os escândalos recentes oferecem espaço abundante para comparação. Um envolve reportagens de jornal alegando que o ministro dos Recursos do Petróleo da Nigéria, Diezani Alison-Madueke, concede rotineiramente contratos de óleo cru para empresas registradas às pressas por pessoas que nunca estiveram envolvidas no setor.
Outro envolve acusações de que a ministra da Aviação, Stella Oduah, gastou US$ 1,6 milhão em dois carros blindados que custam um quarto desse valor. Isso ocorreu semanas depois de outro acidente aéreo fatal, o sétimo durante seu mandato. Repetidos pedidos para que esses ministros sejam demitidos foram ignorados.
A Nigéria está convocando uma conferência sobre a união nacional quando deveríamos estar clamando pelo fim da corrupção que está muito próxima da essência de nossa discórdia civil, étnica e sectária. A decisão de convocar uma discussão inútil por delegados escolhidos a dedo que não sabem ao certo a natureza do que discutirão – além de que isso lhes fornecerá uma fatia do bolo nacional – não engana ninguém.
Dado o risco sempre presente de implosão da Nigéria – provocada pelos militantes do Delta do Níger produtor de petróleo, fundamentalistas islâmicos no nordeste, limpeza étnica na região centro-norte e sequestradores em toda parte – nós nigerianos divididos estamos unidos por uma verdade silenciosa: nós todos sabemos que não podemos continuar assim.
(Adewale Maja-Pearce é escritor, crítico e autor de " Remembering Ken Saro-Wiwa, and Other Essays".)
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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